Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Há
quem olhe para esta intervenção do ministro Pires de Lima como uma salutar
irreverência a quebrar o cinzentismo a que os deputados nos habituaram
O
senhor ministro da Economia, o centrista Pires de Lima, deu início, numa
audição, a um novo estilo de discurso parlamentar. Usando a ironia, e alguma
lábia, montou uma paródia, bem ensaiada, do género revisteiro, para responder
aos deputados. Não faltou sequer o arrastar da voz, a imitar o actor Camilo de
Oliveira, quando este cantava "ai Agostinho, ai Agostinha, que rico
vinho". O estilo encontrado pelo senhor ministro, profusamente divulgado e
parodiado, como facto insólito, na comunicação social e nas redes sociais, teve
um inegável mérito: esconder que estava ali o representante do governo que mais
"taxas e taxinhas" criou em Portugal, pelo menos nos últimos 40 anos,
associando essa responsabilidade a António Costa, o líder do maior partido da
oposição. O que quer dizer que a rábula, nesse sentido, funcionou. Mas, se a
moda pega, e todos os deputados, nas suas intervenções adoptarem o novo estilo,
ressuscita-se finalmente o teatro de revista, e o Parque Mayer renasce no
Palácio de São Bento.
Há
quem olhe para esta intervenção do ministro Pires de Lima como uma salutar
irreverência a quebrar o cinzentismo a que os deputados nos habituaram. Sabemos
que o Palácio de São Bento, noutros tempos Palácio das Cortes, hoje, da
Assembleia da República, em regra foi palco, desde 1834, da mais assustadora
mediocridade nacional. Cito Eça de Queirós: "A deputação é uma espécie de
funcionalismo para quem é incapaz de qualquer função." E o autor das
Farpas, escrevia que os portugueses seguiam os debates parlamentares com a
"mesma distração com que ouviam falar dos negócios do Cáucaso".
Estávamos em 1871, ano em que o primeiro-ministro da altura, o regenerador
Fontes Pereira de Melo, proibiu as Conferências do Casino. Pouco ou nada mudou,
desde então: há dias, o director da Faculdade de Direito de Coimbra proibiu um
debate naquela faculdade pelas mesmas razões, sem que os nossos parlamentares
tivessem a dignidade de um sobressalto democrático. O primeiro-ministro da
altura disse que os "conferencistas não passam de meia dúzia de
desvairados". Referia-se a Eça de Queirós, Antero de Quental, Teófilo
Braga, Oliveira Martins e Manuel de Arriaga. Os "preguiçosos e
patéticos" de hoje. A história repete-se, seja como tragédia ou como
farsa.
Mas
a mediocridade parlamentar, alternou com grandes intervenções políticas e com
aguerridos debates parlamentares, onde a defesa das ideias políticas se fez com
fina ironia e muito sarcasmo. Com agressividade, humor e irreverência, mas com
um recorte literário que há muito se perdeu. Pelo Palácio de São Bento passaram
alguns dos nossos melhores escritores, como Pinheiro Chagas e Guerra Junqueiro,
para lembrar dois exemplos politicamente opostos que deram lustre àquela casa.
E algumas afrontas políticas foram tratadas à bengalada. Pinheiro Chagas, um
brilhante parlamentar, reacionário até à medula, apanhou umas valentes
bengaladas, nas galerias do parlamento, dadas por um professor primário,
anarquista, na sequência de uma polémica, nos jornais, sobre a Comuna de Paris.
E, ali, em 1906, Afonso Costa proferiu o seu famoso discurso em que antecipa o
assassinato do Rei, e a queda da Monarquia, ao dizer: "Por muitos menos
crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a
cabeça de Luís XVI".
Ao
contrário, a "irreverência" que o ministro Pires de Lima introduziu
no debate parlamentar tem mais a ver com parolice do que com literatura; tem
mais a ver com brejeirice do que com fina ironia; tem mais a ver com anedotário
do que com política.
PS
- A coordenadora da "Agenda para a Década" proposta por António
Costa, durante um programa da TSF, em que participava por telefone, incomodada
com as perguntas do jornalista, desligou-lhe o telefone na cara, deixando-o a
falar sozinho. Esta atitude revela, obviamente, falta de humildade democrática.
Depois não se queixem dos cidadãos escaldados de tanto engano, dizerem: "Isto
é tudo a mesma coisa".
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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