segunda-feira, 17 de março de 2014

A UCRÂNIA A TODO O GÁS



Martinho Júnior, Luanda

1 – A Ucrânia está a ser um dos episódios inscritos na história da longa disputa sobre as riquezas naturais do planeta, tal qual acontece neste momento com o episódio corrente da Venezuela.

As disputas existem a partir do momento em que se consumou a Revolução Industrial e o homem começou a utilizar armas de cada vez maior alcance e poder de destruição; aqueles que mais armas, mais sofisticadas e de maior poder destrutivo tinham, que ganhavam as guerras, passaram a deter a tendência para o exercício do poder, primeiro regional, depois global.

Se tal aconteceu com o poder militar, acabou também por acontecer com o poder da inteligência.

Durante a evolução da competição houveram conflitos longos e sangrentos que foram alastrando por todo o globo, conforme as duas Guerras Mundiais que ocorreram na 1ª metade do século XX e a miríade de conflitos que foram forjados quase sempre pelo império anglo-saxónico em sua ascensão e ânsia de hegemonia, sob o impulso da aristocracia financeira mundial, dos seus bancos, dos seus poderosos consórcios e dos seus cartéis, surgidos à medida que a acumulação de poder e riqueza foi sendo construída à custa de outros.

Nos alvores dessa profunda alteração global que foi a Revolução Industrial, marcando a passagem entre os poderes feudais e os poderes da burguesia nascente, por ironia da história há como referência a Guerra da Crimeia cujos episódios mais sensíveis ocorreram entre 1853 e 1855.

A Guerra da Crimeia do século XIX, introduziu novas armas criadas pela industrialização e a adopção de novas tecnologias, no quadro da Revolução Industrial, que foram decisivas às vitórias da coligação anglo-francesa sobre as tropas da monarquia russa.

O episódio localizado de confrontação, marcou uma época de transição, entre a invasão de Napoleão Bonaparte à Rússia e a Iª Guerra Mundial.

Enquanto a nascente burguesia industrial da Europa Ocidental se assumiu, sem ser necessário derrubar sequer a monarquia (caso da Grã Bretanha, em que a monarquia se aliou a ela), na Rússia imperava um poder monárquico despótico, feudal e com uma incipiente burguesia comercial…

As disputas contemporâneas, no rescaldo dos processos que foram desencadeados a partir da Revolução Industrial, recaem agora com maior ênfase em relação ao petróleo e ao gás (em função do incremento no uso de motores de combustão) e sofreram uma maior evidência após o fim do bloco socialista, a implosão da União Soviética e a dissolução do Pacto de Varsóvia, fazendo parte dos procedimentos de capitalismo neoliberal típicos da ofensiva da hegemonia do império sobre o resto do mundo.

A perspectiva do esgotamento do petróleo e do gás devido à sobre-exploração, não pode também ser negligenciável e desde o início do século XXI que se entrou num período muito difícil para toda a humanidade, em particular por causa das disputas que tendem a ser cada vez maiores entre os principais interesses concentrados e em jogo.

Enquanto no ocidente o capitalismo neoliberal determinou a fermentação de elites que têm vindo a impor a ditadura do capital e a impulsionar as “revoluções coloridas” a leste da Euro-Ásia, em consonância com os interesses hegemónicos do império anglo-saxão, a Rússia experimentou no seu tecido sócio-político uma das primeiras “revoluções coloridas” durante a era Gorbatchov-Ieltsin e logo após a implosão da União Soviética, o que provocou o volte-face das oligarquias nacionais que sacudiram os interesses estranhos das questões estratégicas, aprontando a sua corrente opção.

O “cavalo de Tróia” da Yukos e os seus mentores internos e internacionais (em nome da aristocracia financeira mundial) tornaram-se os opositores ao poder do tandém Putin-Medvedev, pelo que Mikhail Khodorkovsky, na presente situação, só podia tornar-se no mais excepcional convidado da Praça Maidan e dos golpistas de Kiev!

As oligarquias ucranianas fojadas a partir da “Revolução Laranja” sabem-no e sabem também que o alinhamento às oligarquia russas comportaria um estatuto condicional de relativa dependência, pelo que preferem o agenciamento alemão e ocidental, uma ideia propalada desde pelo menos há dez anos a esta parte… que deu espaço ao surgimento dos ultra nacionalismos de cariz fascista e nazi!

Os acontecimentos correntes na Ucrânia são assim uma radiografia das tensões sócio-políticas na Ucrânia, mas também em relação aos interesses e fenómenos no quadro das disputas globais correntes.

2 – A Ucrânia independente tornou-se num país de dupla periferia política, económica e financeira:

- Por um lado, da União Europeia e da panóplia de interesses Atlânticos seus aliados (NATO incluída).

- Por outro da Rússia, no rescaldo da implosão da União Soviética, mas com o poder sobre o petróleo e o gás do seu lado, para além dos laços industriais e comerciais tradicionais.

Em relação a qualquer aglomerado de interesses a oeste e a leste, a periferia constituída na Ucrânia. resultou numa dependência cada vez maior, sob o ponto de vista geo-estratégico e energético, uma vez que Ucrânia passou a ser a fronteira entre uma Rússia produtora e fornecedora de petróleo e de gás, face os compradores do ocidente europeus.

O território ucraniano, tal como o da Polónia, passou a garantir a passagem dos oleodutos e gasodutos entre o fornecedor a oriente, (Rússia) e os compradores do ocidente, (Europa), com todo o tipo de percalços que tal implica.

Esse jogo foi rapidamente compreendido pela Alemanha que estabeleceu com a Rússia um gasoduto submarino através do fundo do Mar Báltico, sem passar por terceiros territórios… enquanto alinhava na formatação agenciada dos oligarcas polacos e ucranianos.

Sob o ponto de vista sócio-político essa dupla dependência tornou-se ainda mais sensível em época de capitalismo neoliberal (União Europeia) e de capitalismo de estado (Rússia): a oligarquia nacional ucraniana enriqueceu-se rapidamente e tornou-se tanto no pivot das engrenagens políticas como nas disputas do poder inclinando-se, a partir da “Revolução Laranja”, a favor dos compradores ocidentais que a foram agenciando, ao ponto de agora até por via do oligarca ucraniano do aço, Viktor Pinchuk, ficar tão próximo dos circuitos de Bill Clinton, um dos mais proeminentes “rhodes scholarships” contemporâneos e um dos esteios do “lobby dos minerais, democrata” aptos à junção ao “lobby do petróleo e do armamento, republicano”!

A aristocracia financeira mundial, tutora do império anglo-saxónico e de sua panóplia de interesses coligados, gere os interesses a ocidente com fulcro na Alemanha e encontra oposição na Rússia do capitalismo de estado e dos oligarcas apoiantes do tandém Putin-Medevdev, a oriente: uma vez que a fronteira é na Ucrânia duplamente periférica e geo-estrategicamente transversal, é a mercenária oligarquia nacional ucraniana, cada vez mais manipulável pelo ocidente, que se situa deliberadamente no eixo das disputas em curso.

3 – O jogo sócio-político do império, Ucrânia adentro, arrastou consigo outros “recursos humanos” só antes percebido no quadro das redes “stay behind” fomentadas de há muito pela inteligênia da NATO.

Essas redes “stay behind” tiraram partido do agenciamento de sectores fascistas e nazis existentes na Ucrânia durante a IIª Guerra Mundial, que são hoje representados por remanescentes ultra nacionalistas como o Svoboda e o Pravyi Sektor, presentes no novo poder em Kiev em função de sua aliança com os oligarcas pró-ocidentais fermentados a partir da “Revolução Laranja”.

O espectro sócio-político ucraniano em época de eleições reflecte essa dicotomia de dependências a oeste e a leste:

Quanto mais a oeste (cidade de Lvov) mais apoiantes ultra nacionalistas, “pró ocidentais” e pró Iulia Timochenko existem e quanto mais a leste (cidade de Donetz) mais apoiantes “pró russos”, apesar do ocaso de Vikor Yanukovich…

Essa dicotomia é reflexo também do estado da economia no quadro da dupla periferia:

Área rural a ocidente, pobre e descapitalizada, área industrial localizada a oriente, estratégica e umbilicalmente ligada à Rússia e por isso alvo da oligarquia agenciada sobretudo pelos interesses da Alemanha.

Esse quadro é acompanhado ainda pelo seguinte espectro humano: a maioria dos que falam ucraniano estão a ocidente da transversal ucraniana e a maioria dos que se expressam em russo (em função da geneologia), vivem a oriente e a sul, jnto à costa do Mar Nego, tendo como “baluarte” a Crimeia.

A oligarquia ucraniana estando a inclinar-se desde a eclosão da “Revolução Laranja” a ocidente (a entidade melhor pagadora), gere como mercenária os outros extractos sociais, tirando proveito das opções dos partidos por si criados, que estiveram presentes na EuroMaidan e estão agora no poder em Kiev: o campo de manobra do Partido Pátria, de Iúlia Timochenko atraiu os ultra nacionalistas ao “poder transitório” (as eleições gerais presidenciais estão marcadas par 25 de Maio) excluindo as sensibilidades representativas do leste, entre eles o Partido das Regiões e, dada a natureza fascista e nazi do poder, o Partido Comunista da Ucrânia!

Iúlia Timochenko é ela mesmo um produto do jogo de interesses da Alemanha na Ucrânia: tornou-se numa poderosa oligarca surgida da “Revolução Laranja”, que ocorreu em 2004, há dez anos, o tempo suficiente para, com as possibilidades oferecidas pelo poder, se tornar multi milionária…

Derrubado Victor Yanukovich, o poder instalado em Kiev foi nomeno oligarcas para ficarem à frente das regiões administrativas, deixando de lado os partidos, o que demonstra o carácter excluente da “transição”.

Esse poder excluente indexado ao fascismo e aos nazis, feriu outras sensibilidades particularmente a leste, fazendo com isso subir a fasquia das tensões internas e externas.

De certo modo esta é uma reedição da conjuntura imediatamente anterior à Iª Guerra Mundial no que diz respeito às disputas entre a Alemanha e a Rússia em relação à Ucrânia…

4 – A ascensão ao poder na União Europeia por parte de sectores identificados com as oligarquias nacionais, os grandes interesses financeiros e as políticas típicas de capitalismo neoliberal, tendo a Alemanha como fulcro, está a acarretar não só dispositivos que se reflectem em todos os componentes europeus, ainda que eles estejam em crise (recordo os PIIGS), como também na “viragem à direita” na Ucrânia, despoletada após a inclinação de Viktor Yanukovich em direcção à Rússia, contrariando os outros oligarcas.

Os povos europeus estão a sofrer as pressões, manipulações e contingências das políticas da austeridade impostas a partir da Alemanha e agora esse mesmo “modelo” está a ser estendido à Ucrânia através das fórmulas mais perversas, características da contra revolução liberal, com recurso a franjas da oligarquia ucraniana e no eixo das manobras ocidentais… sacrificando as (pseudo)-liberdades de Maidan.

Os povos na Europa estão a ser oprimidos pelos interesses da alta-finança Atlântica, num processo de autêntica ditadura do capital, mas a Rússia está a assumir uma contradição difícil de transpor, até por que o capitalismo de estado russo tem permitido fazer fluir os interesses dos poderosos oligarcas russos numa aliança singular com outras classes que revitalizam o contexto emergente.

De facto, o projecto de dividir a Federação Russa foi até agora neutralizado e o efeito boomerang reflecte-se na elástica arquitectura da concorrência.

A titubeante oligarquia ucraniana forjada com a “escola” da “Revolução Laranja” situa-se no cerne da crise e esquece que apesar do poder mercenário, está longe de conquistar a Ucrânia por inteiro, muito menos quando instrumentaliza fascismo e nazismo.

O braço-de-ferro entre o ocidente e o oriente na Ucrânia, disputando as rotas do petróleo e do gás, como a região mineral e industrial do leste da Ucrânia, não só está longe de ter acabado, como provavelmente ainda não provocou os seus mais dramáticos episódios.

Os povos ficarem subjugados a processos de exclusão, ao fascismo e ao nazismo, por imposição de oligarquias nacionais sem escrúpulos ao ponto de se tornarem mercenárias, é algo que será repelido pela sua evidente nocividade humana e sócio-política.

Esse é também um sinal de desespero: se o fascismo pegou de estaca durante várias décadas no Chile, o mesmo não acontecerá na Europa do Leste, com tradições anti-fascistas assumidas historicamente durante toda a segunda metade do século XX.

Uma situação como esta da Ucrânia, poderá provocar efeitos imprevisíveis que se espalharão, mais tarde ou mais cedo e em cadeia por toda a Europa.

Para tal bastará seguir o fluxo dos oleodutos e gasodutos transeuropeus e saídos da emergência russa!

Luanda, 11 de Março de 2014 - só agora (17/3) publicado por limitações de Página Global

Imagem: Exposição dos oleodutos e gasodutos que atravessam a Ucrânia, fluindo de oriente para ocidente.

Consultas:
. A crise na Ucrânia: o que significa ser saqueado pelo ocidente – http://resistir.info/ucrania/roberts_25fev14.html
. A Ucrânia e as sanções económicas contra a Rússia – http://resistir.info/russia/katasonov_sancoes_06mar14_p.html
. Ukraine – How Foreign Intervention is Tearing the Country Apart - http://www.globalresearch.ca/target-ukraine-how-foreign-intervention-is-tearing-the-country-apart/5371613
. Ukraine Coalition Government is Putting the Armed Forces under Neo-Nazi Command. Speech of Ousted President Viktor Yanukovych – Full transcript of the speech of Viktor Yanukovych in Rostov-on-Don – http://www.globalresearch.ca/ukraine-coalition-government-is-putting-the-armed-forces-under-neo-nazi-command-speech-of-ousted-president-viktor-yanukovych/5372988
. L’axe de l’espoir, de Pékin à Beyrouth, en passant par Moscou, Téhéran et Damas – http://www.voltairenet.org/article182570.html
. Des organisations nazies font irruption sur la scène européenne - http://www.voltairenet.org/article182424.html
. Déclaration dindépendance de la République autonome de Crimée et de Sébastopol – http://www.voltairenet.org/article182655.html
. RÚSSIA E CHINA EM SINTONIA QUANTO À SITUAÇÃO NA UCRÂNIA – http://paginaglobal.blogspot.com/2014/03/russia-e-china-em-sintonia-quanto.html
. Russia says Nato pressure 'will not help stabilise the situation' – live – http://www.theguardian.com/world/2014/mar/03/ukraine-crisis-russia-control-crimea-live

Ucrânia: PUTIN RECONHECE A INDEPENDÊNCIA DA CRIMEIA




O Presidente russo, Vladimir Putin, assinou hoje um decreto que reconhece a independência da república autónoma ucraniana da Crimeia, divulgou a presidência russa.

A Rússia "tendo em conta a vontade do povo da Crimeia expressa no referendo de 16 de março de 2014", decidiu "reconhecer a República da Crimeia como um Estado soberano e independente, onde a cidade de Sebastopol tem um estatuto especial", segundo o texto do decreto publicado pelo Kremlin e citado pelas agências russas.

O decreto entra em vigor "no dia da sua assinatura", segundo mesmo texto.

De acordo com os números finais, 96,77% dos eleitores da Crimeia que votaram no referendo de domingo aprovaram uma união com a Federação Russa e, hoje, o parlamento local declarou a independência da Ucrânia e pediu oficialmente a anexação da Rússia.

O referendo é considerado ilegal pelas novas autoridades de Kiev e pela maioria da comunidade internacional. Só Moscovo defende que se trata de uma consulta "legítima".

As autoridades autónomas da Crimeia, que não reconhecem o novo Governo de Kiev, convocaram o referendo na sequência da deposição do Presidente ucraniano pró-russo Viktor Ianukovich, em fevereiro, após três meses de protestos maciços em Kiev em defesa da aproximação do país à União Europeia (UE).

Depois da destituição de Ianukovich, forças pró-russas assumiram o controlo da península, localizada no sul da Ucrânia.

Lusa, em Notícias ao Minuto

OS EXCEDENTES INDOCUMENTADOS



Rui Peralta, Luanda

I - Enquanto a Patrulha de Fronteira dos USA, em San Diego, Califórnia, registava incidentes com um grupo de emigrantes mexicanos que clandestinamente entraram em território norte-americano, a administração Obama reunia-se com os governos do México e do Canadá, sendo as políticas de controlo de fronteiras, o ponto principal da agenda, talvez porque desde 2010, o número de “clandestinos” mortos na fronteira USA/México pelas autoridades norte-americanas, ascendeu a 20.

Em 2011 foi criado um grupo de trabalho, formado por advogados, juristas, especialistas em movimentos migratórios e em políticas sociais de apoio aos “clandestinos”, para além de peritos em assuntos de segurança e vigilância, o PERF- Police Executive Research Fórum, que aconselhou a Patrulha Fronteiriça norte-americana a abandonar o uso da força letal, mas as autoridades fronteiriças (em nítida contradição com as autoridade federais) recusaram-se até ao momento em acatar os aconselhamentos do PERF, continuando a aplicar procedimentos conducentes ao uso da força letal (curioso que enquanto os “clandestinos” são perseguidos e vitimas de maus tratos por parte dos responsáveis pelo controlo fronteiriço norte-americano, os senhores da droga passeiam-se quase impunemente de um lado para o outro da fronteira, assim como os traficantes de “clandestinos”).

Nos últimos dez anos registaram-se cerca de seis mil casos de confrontos entre “clandestinos” e autoridades fronteiriças norte-americanas, sem que nunca tivesse existido qualquer baixa fatal por parte da Patrulha Fronteiriça. Mas após 2010 a fronteira norte-americana é fortificada e os céus são sobrevoados por drones em missões de vigilância. Em terra as Patrulhas estão equipadas com equipamento militar e já foram responsáveis por mortes de mexicanos em solo mexicano. Como se estes factores de militarização não bastassem para transformar esta fronteira num imenso cemitério, milícias fascistas e de extrema-direita realizam acções de patrulhamento, a coberta pela Patrulha de Fronteira (muitos dos agentes pertencem ás milícias e a extrema-direita está fortemente instalada nos quadros das autoridades fronteiriça, o que reforça ainda mais a manifesta xenofobia prevalecente na fronteira) e são responsáveis por acções punitivas sobre grupos de migrantes apanhados na zona fronteiriça.

II - No ano 2000 iniciaram-se as primeiras avalanches de migrantes centro-americanos no México. Saltillo, um importante centro ferroviário, foi ponto de passagem desta avalanche, que se dirigia para os USA, aproveitando a rota ferroviária da cidade. Estes migrantes foram vítimas de atrocidades diversas, provocadas pelos cartéis mexicanos: assassinatos, roubos, extorsão, rapto e violações. Mas o problema não residia apenas nos bandos mafiosos. As autoridades mexicanas foram acusadas de torturem migrantes indocumentados e o governo mexicano foi levado á Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, para responder a acusações de sequestro, homicídio e tortura de cerca de 80 mil migrantes indocumentados, centro-americanos.

Em 2010 ocorreu um massacre, em Tamaulipas, onde foram barbaramente assassinados 72 indocumentados e no ano seguinte Tamaulipas assistiu a um segundo massacre, com mais de 200 vítimas. No mesmo ano mais 49 migrantes indocumentados, que iam para os USA, foram assassinados, em Nueva Leon, onde foram enterrados aos pedaços. As autoridades mexicanas ignoram a situação e fazem ouvidos moucos á Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, mas esta atitude deve-se ao facto das autoridades policiais, forças de segurança, funcionários do governo e em particular do Instituto Nacional de Migração controlarem esquemas de exploração laboral e sexual, para além de receberem dinheiro das mafias locais e dos cartéis da droga, quando estes pretendem fazer recrutamentos entre os indocumentados, ou procuram mulheres para as suas orgias.

Em Chiapas o Instituto de Migração abusava sexualmente das mulheres migrantes e foram comprovados inúmeros casos de tortura, o mesmo se passando em Saltillo e Coahuila, onde o responsável do Instituto de Migração local foi acusado pelos próprios funcionários de torturar um salvadorenho, que passou semanas fechado numa cela escura, comendo apenas um pão por dia, sendo-lhe concedido um copo de água de três em três dias. Nos últimos tempos as autoridades governamentais, quando identificam os corpos, contactam os familiares das vítimas e entregam o corpo num caixão selado, com a condição deste não ser aberto. Este procedimento obriga ao preenchimento de um extenso formulário e processo documental, pelo qual os familiares comprometem-se em não abrir o caixão. Houve um caso em que um dos familiares quebrou o compromisso jurídico e abriu o caixão selado, deparando não com o corpo do ente querido, mas com lixo e restos de animais.

III
Os governos ignoram a situação e os consulados são sinónimo de desastre e de incompetência. As elites centro-americanas e caribenhas não estão nada preocupadas com as situações que vivem os seus emigrantes (nem mesmo a “nomenklatura” burocrática verde-oliva). Os consulados dos seus países de origem são uma ferida aberta e infectada para os indocumentados que residem nos USA ou que transitam pelo México. O número de deportações aumenta (no caso dos USA, a administração Obama já ultrapassou os 3 milhões de mexicanos deportados, embora tenha efectuado alguns avanços na resolução do problema e inclusive as associações de imigrantes indocumentados participam em reuniões com as autoridades federais e estaduais) e ninguém quer saber dos seus cidadãos migrantes para nada.

Da Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala, chegam semanalmente ao México, em trânsito para os USA, entre 400 a 600 emigrantes. 70% São hondurenhos, entre os 13 e os 18 anos. No México, se conseguirem sobreviver ou se não ficarem retidos, vivem momentos de terror. Chiapas, Tabasco, Veracruz e Oaxaca são os territórios mais difíceis e onde o número de homicídios, torturas e detenções é maior. Os que conseguem sobreviver á travessia têm ainda de passar pela corrupção das autoridades do Distrito Federal, onde os oficiais do governo federal os esperam para extorqui-los. Na região central do país, em particular no Estado de Guanajuato, as cidades de Escobedo e Salamanca representam um filtro, por onde apenas passam os mais aptos. Nessas cidades as mulheres são obrigadas a prostituírem-se para prosseguir viagem. A Noroeste reina o crime organizado, sofisticado, constituído por redes mafiosas dominadas por empresários, banqueiros, fazendeiros, criadores de gado, governantes estaduais e policias. Nos últimos tempos esta rota revela-se fatal para os migrantes centro-americanos, pois aí têm ocorrido os maiores e mais recentes massacres.  

O envolvimento das autoridades mexicanas no tráfico de migrantes é óbvio. Os migrantes utilizam o comboio, percorrendo mais de 3 mil km, passando livremente por apertados controlos policiais, até chegarem aos pontos onde caem nas garras dos seus carrascos, que os aguardam ansiosamente. São mercadoria contrabandeada, que passa incólume pelas áreas militares sem que ninguém peça documentos ou faça perguntas, limitando-se a registrar números, para depois serem fornecidos aos seus algozes que os aguardam num dos inúmeros pontos de passagem. É uma organização monumental que engloba taxistas, policias, militares, empresários, governadores e ministros.

A Procuradoria-Geral da Republica Mexicana é outra das instituições que fazem parte do problema e não da solução. Não fornecem dados e limitam-se a informações polidas e ideologicamente tratadas pelo indisfarçável nacionalismo do “venha a nós o nosso reino…” Foi também com este discurso que o governo mexicano efectuou um programa de cedência de vistos humanitários (uma operação de marketing para o exterior, com o objectivo de limpar a imagem). O resultado é, no mínimo, desastroso. Os vistos são selectivos, pelo seu preço, e os migrantes não os conseguem pagar. O mesmo se passa com outros procedimentos das leis mexicanas de migração, excessivamente dispendiosos para quem não tem dinheiro para comer. Os poucos que conseguem algum dinheiro para adquirir os seus vistos ou legalizar a sua situação no México de forma a poderem prosseguir para os USA deparam-se com a inflação criada pela corrupção dos funcionários: a burocracia é morosa, os processos extraviam-se e se não forem pagas as “taxas de agilização” os pedidos não recebem tratamento.

O México é um país de origem, transito, expulsão, retiro e retorno de migrantes e emigrantes. Em algumas cidades mexicanas existem assentamentos humanos de hondurenhos em busca de trabalho, porque não querem regressar ao seu país, onde a miséria é pior e as condições de vida dos mais pobres são sub-humanas. Muitos deles acabam sendo recrutados pelo crime organizado e pelos cartéis da droga.

A posição dos governos dos países de origem dos migrantes é irresponsável e aberrante. Quando uma comissão internacional da Igreja Católica para os assuntos da migração reuniu-se com a Ministra hondurenha da Justiça, os emissários católicos ouviram, pasmados, da boca da ministra que o seu ministério nada podia fazer porque o responsável da política migratória é um militar. Os cônsules e embaixadores, quando alguém os questiona sobre o assunto metamorfoseiam-se: passam de polidos e bem-educados diplomatas a escarros morais. Num meeting sobre os problemas sociais das comunidades centro-americanas no México, um influente membro da hierarquia católica revelou alguma das respostas e atitudes dos responsáveis dos respectivos corpos diplomáticos: O cônsul hondurenho disse que “toda a gente tem problemas, padre. Eu em casa não tenho água quente nem ar condicionado”. O embaixador do mesmo país aconselhou o padre a “não meter-se com essa gentalha” e o embaixador da Nicarágua, esquecendo-se completamente de que a maior comunidade de migrantes na Costa Rica é a nicaraguense (um milhão de nicaraguenses totaliza esta comunidade. No México andam cerca de meio milhão e é a terceira comunidade, depois das hondurenhas e salvadorenhas) respondeu que a Nicarágua é um pais desenvolvido e que os seus cidadãos não necessitavam de emigrar.

“Eliminar a pobreza”, literalmente, é o programa destes senhores…transformar os migrantes em mortos caminhantes, sem nome e sem cidadania (e também sem enterro), objectos de humilhação e de exploração, servos sub-humanos á mercê dos desejos e magnificências dos seus amos.          

IV - A situação da população migrante africana não é melhor. Em Ceuta morreram, desde o início do ano, 15 imigrantes, provenientes da África Central. A indústria mediática europeia fala em “avalanche” quando referem o facto de cerca de 3 mil imigrantes aguardarem em Marrocos a entrada em Ceuta e Melila, como se fosse uma invasão territorial. Esta atitude é reforçada pelos retoques xenófobos das autoridades espanholas que falam em “cerco” a Ceuta e Melila, como se tratasse de uma operação militar. A Europa assume-se cada vez mais como uma fortaleza e por vontade dos governos europeus (sejam do Partido Popular Europeu ou do Partidos Socialista Europeu) seria construída uma “Grande Muralha”.
        
A compreensão do drama humano provocado pelos movimentos migratórios exige muito mais do que a consulta fútil na internet, a leitura descontextualizada (e inverosímil) dos órgãos de comunicação social ou a toxicidade das máquinas de propaganda governamentais. O que leva milhões de seres humanos a cruzar, muitas vezes caminhando, milhares de Km, deixando para trás os seus entes mais queridos? Quais as responsabilidades dos governos (tanto os dos locais de destino, como os dos locais de origem e dos locais de transito) nestas diásporas da vergonha?

Dezanove dos vinte e cinco países mais pobres do mundo são africanos (o que contrasta com a imagem vendida pelo afro-capitalismo, ou apregoadas pelos nacionalismos fascistoides de formação neocolonialista, que assolam as sociedades bantos). Nestes dezanoves países a fome, a SIDA e a guerra florescem, alimentadas através da raiz, que é a extrema pobreza. São extensas áreas onde metade da população vive com menos de 1,25 dólares norte-americanos por dia. Dos mais de 800 milhões de não-cidadãos subalimentados que habitam o planeta, excluídos da “economia global”, 223 milhões são africanos.

A extrema miséria, fome, pobreza que assola vastas regiões do continente africano são resultado das opções políticas e económicas dos respectivos governos, subordinados aos interesses externos (do Ocidente e do Oriente, do capitalismo liberal e do neocapitalismo BRICS). Os recursos alimentares e naturais continuam a ser saqueados, já não num sistema colonial, mas num sistema assente na realidade neocolonial, criado através de décadas de logica imperialista actualmente caracterizado pela cartelização de interesses entre as elites africanas e as elites dominantes da nova geoeconomia mundial.

Países como a Espanha (o tal reino cujo rei gosta de caçar elefantes nas vastas savanas africanas) esgotam os recursos pesqueiros de países como o Senegal, absorvendo quotas de pesca de cerca de 47%, reduzindo ao mínimo a pesca artesanal, que era a única subsistência das imensas comunidades pesqueiras senegalesas. A China e a Coreia do Sul aproveitam a mão-de-obra marítima excedente (criada pelas quotas de pesca fornecidas á União Europeia) de países como o Senegal, Burkina Faso, Guiné Equatorial, Costa do Marfim e outros, para utilizá-la nos seus barcos, contratando pescadores a baixo preço e em regime de extrema precariedade. Quando os sindicatos de pescadores e de trabalhadores marítimos desses países denunciam esta realidade são confrontados com um muro de silêncio (no melhor dos casos) ou com a escuridão e putrefação das celas prisionais imundas. 
        
No Uganda cedem-se milhares de hectares às corporações cafeeiras alemãs, terrenos que são retirados às populações que sempre os utilizaram para o seu autoabastecimento. São 63 milhões de hectares de terras que os empreendedores capitalistas ocidentais e os seus não menos empreendedores sócios africanos roubaram às populações, se juntarmos países como o Uganda, Zimbabwe (onde o fascistoide encapotado, Mugabe, depois do simulacro de reforma agraria – que utilizou para praticar uma politica de extermínio racial e em simultâneo fazer calar as reivindicações camponesas - aparece agora como sócio das multinacionais do agronegócio), Zâmbia, Ruanda, Burundi, Malawi, Tanzânia e Quénia. 63 milhões de hectares de terras que o capitalismo saqueou num continente onde se morre de fome, onde a não-cidadania é norma (aqui não é preciso emigrar para se ser indocumentado. Amplas camadas da população nascem, vivem e morrem indocumentados), onde a miséria e a pobreza são realidades persistentes, sempre negadas e ignoradas pela propaganda das elites locais e sempre utilizadas pelas elites estrangeiras a seu belo prazer.

Um terço destes 63 milhões de hectares de terras são dedicados á produção de agro-combustiveis para a U.E. Querem uma causa para a desertificação? Para produzir um litro de biodiesel são necessários nove mil e cem litros de água. Agora façam contas aos milhões de toneladas de água necessários para produzir milhares de litros de biodiesel. África é um continente golpeado pelas guerras civis, agressões externas e genocídios, cujos conflitos agravam diariamente a fome. O conflito no Mali gerou uma crise alimentar em todo o Sahel e o actual conflito na República Centro-Africana já provocou um estado de precariedade absoluta em mais de dois milhões e seiscentas mil pessoas, que devem ser adicionadas (a aritmética diabólica da miséria e da fome) a mais de um milhão de não-cidadãos deste país que já sofriam de carências militares, antes de eclodirem os conflitos.

Na Republica Democrática do Congo, entre 1998 e 2003 a guerra gerou 5 milhões de mortos (um milhão por ano, segundo a aritmética da morte) enquanto as multinacionais saqueavam (e continuam a saquear) um mineral raro a nível mundial, mas que abunda na RDC (80% das reservas mundiais) utilizado para fabricar chips de telemóveis e outros dispositivos digitais. A aritmética satânica da pobreza, da fome, da miséria e da morte prossegue. Vinte e seis milhões de seres humanos (considerados sub-humanos, não-cidadãos, excedentes da economia global) estão afectados pela SIDA, que provoca mais de um milhão de mortos por ano. Enquanto no resto do mundo a SIDA afecta cerca de 1% da população entre os 15 e os 49 anos, em África essa percentagem ascende a 5%. Nove em cada dez novos casos de SIDA são diagnosticados no continente. Em algumas regiões a percentagem de população adulta contaminada com SIDA alcança os 10% e em países como a Namíbia, Botswana, Zimbabwe e Suazilândia a proporção é pandémica: 20 a 26%.

70% das crianças afectadas por SIDA no mundo são africanas. 95% dos casos de SIDA detectados no continente encontram-se nas áreas rurais. Se é certo que esta é uma praga que ainda não tem cura, pode no entanto ser prevenida e controlada por meio de tratamentos. O problema é que as patentes das grandes indústrias farmacêuticas convertem esses tratamentos em objectos de luxo, impossíveis de serem aplicados nos países em desenvolvimento.    

V - Quando um imigrante africano penetra a “fortaleza europeia”, ou um centro-americano pisa o solo do gigante do norte, toda esta realidade é transportada para o umbigo dos sócios maioritários deste enorme centro de exclusão que é a “economia global” (tantos nomes tem o capitalismo). A indústria mediática e as máquinas de propaganda governamentais, os grandes grupos financeiros e as multinacionais que se encontram por detrás do processo de globalização, da livre-circulação de capitais, dos “investimentos sem fronteiras”, tornam-se profundamente nacionalistas e xenófobos, patrioteiros e racistas, exclusivistas e tribalistas, quando a realidade sub-humana provocada pelos seus gestos empreendedores bate-lhes á porta.   
 
As populações migrantes não são pessoas, não têm individualidade, identidade ou cidadania, são números, dados estatísticos, variáveis. São sempre o Outro, o estrangeiro, o indocumentado, o pobre, o desgraçado, sem rosto e sem direitos. São coisas inumanas a que se dispara com balas de borracha, ou que se matam á entrada das fronteiras e nos países por onde transitam. São excedentes famintos, aos quais são negados valores básicos, como a dignidade.

As elites dominantes e os seus serviçais serviços de segurança, as suas máquinas burocráticas e incompetentes, mas profundamente delinquentes, criminosas, podem fechar as suas redomas, selar os seus espaços territoriais, “proteger os seus bens” (esquecendo-se do saque permanente de recursos a que submetem os países cujos Estados não passam de pequenos circos de pulgas, sempre dispostos a sugar o sangue deixado nas sobras do repasto pelos seus sócios maioritários).Os “párias” estarão sempre a bater á porta e a forçar a fechadura. As elites giram, actualmente, em torno da circulação de capitais (cada vez a uma velocidade mais estonteante), como a Terra giram em torno do Sol. Necessitam cada vez menos de mão-de-obra. Os pobres já não são semicondutores, necessários á reprodução de capital. Agora são resistências impeditivas ao aumento de velocidade da circulação dos mesmos.

E quando o Homem for excedente? Estranha realidade, esta, em que a angústia já não é mais: “Mas…as crianças, Senhor?”. Se este mundo não for transformado a angústia final será: “Mas…o Homem, Senhor?) 

VI - Chove em Luanda enquanto escrevo estas linhas. Os musseques estão alagados, assim como as ruas da cidade. A ineficiência da cidade é ampliada, sempre que chove, o que não impede que as torres continuam a nascer como cogumelos.

As novas edilidades são elefantes brancos cada vez mais “desconseguidos”, assim como “desconseguidos” foram os livros gratuitos para o ensino básico, a serem vendidos pelas ruas, ou o registo gratuito com que o governo quis resolver o problema dos indocumentados (sem bilhete de identidade, mas com cartão eleitoral) para que os cidadãos pudessem assumir a sua cidadania, ter o se BI e o seu passaporte. Em vão. Está a ser “desconseguido” pela burocracia habituada a cobrar. Quando o cidadão chega ao notário apercebe-se que afinal tem de pagar o processo gratuito.

A burocracia não perdoa! É sempre corrupta. E quando os altos responsáveis nada fazem para reverter a situação a sociedade torna-se num imenso argumento de um filme surrealista. Tão surrealista e absurdo que até os irmãos Marx “desconseguiam”…

“Mas…os angolanos, Pai Grande?”

Luanda, 11 de Março de 2014 -  só agora (17/3) publicado por limitações de Página Global

Fontes

ACORDAI



Mário Motta, Lisboa

Está a ocorrer por todo o mundo a guerra aberta pelo capitalismo global contra os povos. A linguagem é comum, useira e vezeira, para alguns até cansativa e sectária. "Linguagem comunista", dizem alguns, ou muitos, a par de padrecos que lá do alto do seu púlpito gritavam nas missas domingueiras que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno-almoço. Abençoando o salazarismo fascista - no caso de Portugal - e até Hitler. Para não referir outros ditadores. A igreja romana sempre se acoitou nas vias fáceis do comodismo e da exploração que empobrece os trabalhadores, os povos. Sempre se aliou aos poderosos, às fortunas dos negreiros, aos opressores, aos hipócritas. E se não o faz às claras podemos tomar por certo que com os seus silêncios o que quer dizer é que "seja o que Deus quiser, porque é mais fácil os pobres irem para o céu do que os ricos passarem pelo buraco de uma agulha". Tretas. E isso é o que se vê em Portugal. O silêncio da igreja romana perante a miséria que tem vindo a ser causada pelo atual governo e atual presidente da república, Cavaco Silva.

Antes, o que é agora cardeal patriarca, Manuel Clemente, ainda dizia isto ou aquilo em assunção de críticas ao governo de Passos Coelho. Mas aconteceu antes de ser nomeado Cardeal Patriarca. Atualmente está calado que nem um rato apesar de os tempos e o quotidiano dos pobres e explorados ser muito mais difícil, de haver muito mais pobreza, muito mais fome, muitos mais sem-abrigo, muitas mais crianças subnutridas e até abandonadas. Ao inverso do papa Francisco, a igreja romana em Portugal, conluia-se com a exploração e dá largas à hipócrita caridadezinha que tão bem soube representar e assumir durante as décadas do salazarismo.

A par destes silêncios sepulcrais e de conluio, as vozes do grande empresariado nacional e internacional a operar em Portugal exigem cada vez mais lucros, cada vez mais motivos de enriquecimento baixando salários, exigindo mais tempo e intensidade de trabalho, em nome da "competitividade" - a exploração desenfreada. O principal mentor desta ideologia é o governo, com o amén do presidente da república e associados que têm lavrado e ditado a desgraça dos trabalhadores portugueses, dos jovens e velhos de Portugal.

Nessa exploração desenfreada os preços de tudo que é essencial à vida tem vindo a aumentar. Na alimentação, nos transportes, na água, no gás, na eletricidade, na saúde, na educação, etc. Tudo que é essencial à vida dos pobres de Portugal - e são milhões - tem sido aumentado. A qualidade de vida é cada vez mais uma miragem. Até muitos que eram da classe média já não sabem o que é isso de viverem com alguma qualidade de vida. O empobrecimento planeado e imposto por Passos Coelho, Paulo Portas, Cavaco Silva e os dos ditames europeus aliados a grupos capitalistas globais está a devastar a sociedade portuguesa. E também a de muitos outros países, não esqueçamos. A guerra é um facto e o capitalismo, segundo crêem alguns, tem a faca e o queijo na mão. Ou seja: faz o que que faz porque pode... E os pobres, os trabalhadores, a plebe, nada pode fazer em contrário. Voltando à igreja romana, essa mesma é quem diz que nos devemos consolar na pobreza e aceitar este destino porque Deus escreve direito por linhas tortas... E por isso e tudo o mais que é complemento, os portugueses estão a aquiescer, a borregar, a acarneirar, a aceitar o destino de Portugal ter de empobrecer, de haver mais exploração negreira, em nome da competitividade. E assim os ricos estão mais ricos, os pobres muito mais pobres.

A cobardia dos portugueses sobressai uma vez mais. A história repete-se. O dito "sózinho nada posso fazer contra" está em voga, aliado ao "salve-se quem puder". Isso mesmo vimos durante o salazarismo. Nem ele perduraria por quatro décadas se os portugueses não fossem tão cobardes. Valeram os antifascistas que sempre lutaram contra o salazarismo, contra o fascismo que agora está a regressar. E esses eram e são comunistas (entre outros antifascistas), não comiam nem comem criancinhas. Afinal, as criancinhas de hoje estão a ser devoradas pelos empresários negreiros, pelas grandes corporações nacionais e estrangeiras, pelos governantes e políticos vendidos aos atrás referidos, porque ao roubarem as condições e direitos justo de trabalho aos pais das criancinhas devoram os pais, os filhos, as famílias, os portugueses. 

Nem por isso a cobardia é cousa para sempre. Para alguns, bastantes - mas ainda não suficientes - até é uma desconhecida. Até aqueles que caem se erguem um dia. Nunca será o rochedo do capitalismo cego e desumano, que rola encosta abaixo e trucida os povos, que vencerá. Quanto maior for a miséria e a opressão impostas maior será revolta que fará em estilhaços o tal rochedo. Acordai. Ergue-te. Vozes ao alto. Unidos como os dedos da mão. Como é cantado nas heróicas de Fernando Lopes Graça. Ergue-te, português. Acordai. Ergam-se, homens e mulheres do mundo.

A EXCEPCIONAL CRIMEIA



Martinho Júnior, Luanda

1 – A Crimeia é, em relação à Ucrânia, como uma imensa nave pronta a partir do seu porto de abrigo, com uma entidade própria e isso apesar dos horizontes fechados do Mar Negro.

De todo o território da Ucrânia independente saída da implosão da União Soviética com 606.638 km2, é o de maior expressão cultural russa, fruto da história dos últimos séculos.

Com 26.081 km2, cerca de 4% da área total da Ucrânia, a Crimeia está ligada ao continente através de duas passagens principais a norte e está separada da Rússia por um estreito a leste, em Kerch.

Acompanhando a redução da população da Ucrânia, a Crimeia desceu da fasquia de 2.033.736 habitantes, de acordo com o censo de 2001, para 1.972.094 habitantes (censo de 2006), uma descida relativamente inferior se comparada com o decréscimo populacional acentuado da Ucrânia entre 2001 e 2013: de 48.457.102 habitantes para 44.573.205!

A Crimeia está acima dos valores médios per capita relativos ao Produto Interno Bruto ucraniano, fruto de actividades em vários sectores: comércio, pesca e turismo, são algumas delas.

O facto de albergar a Frota do Mar Negro da Rússia, simultaneamnte a Marinha de Guerra da Ucrânia e ser um terminal de exportação de petróleo e de gás proveniente da Rússia e da própria Ucrânia, confere à Crimeia um adicional papel geo-estratégico, com realce para a cidade de Sebastopol, fundada pelos russos em 1783.

A Crimeia é, sob os pontos de vista físico-geográfico e humano, uma excepção, tanto para com a Ucrânia, como para com a Rússia!

2 – A autonomia da Crimeia em relação à Ucrânia independente e o estatuto especial de Sebastopol, reflectia o estado de excepção da península, numa perspectiva de relativa estabilidade institucional, cultural e sócio-política.

A partir do momento em que a “Revolução Laranja” foi injectada na Ucrânia, as perturbações começaram e tornaram-se mais evidentes à medida que as tendências da oligarquia ucraniana se iam acentuando, inclinando-se a favor do ocidente e dos postulados do capitalismo neo liberal, desequilibrador e selvagem.

A intempestiva tomada do poder em Kiev através da manipulação da EuroMaidan, espezinhando as legíimas aspirações de liberdade do povo ucraniano e promovendo um regime de oligarcas agenciados subtilmente sobretudo pela Alemanha e Estados Unidos, a que se associaram gupos fascistas e nazis, ao excluirem outras sensibilidades estão a ser determinantes nos levantamentos a leste e a sul da Ucrânia e, no rescalo cultural, sócio-político e geo-estratégico, destaca-se desde logo a Crimeia.

Fruto da sua história, da cultura que foi sendo implantada desde o século XVIII e das comunidades humanas que se tornaram dominantes, conforme aliás ao desenrolar dos acontecimentos, a Crimeia vai no dia 16 de Março de 2014 a referendo, escolhando uma das opções: ou se liga nos seus destinos à Ucrânia, ou à Rússia!

A data foi sendo sucessivamente antecipada e com razão: é um crime contra a humanidade sujeitarem-se os povos a golpes de estado que desembocam em políticas fascistas ou nazis e só o império e seus aliados são capazes de tornar isso letra morta, conforme o estão a provar na Ucrânia!

É evidente que o referendo é uma questão de legalidade e de formalização, pois a resposta legítima é comprovadamente espectável!

3 – A ligação da Crimeia à Rússia será como que um rastilho em relação ao leste e sul da Ucrânia, cultural, humana e historicamente ligada à Federação Russa, no rescaldo da implosão da União Soviética e para além dos laços económicos vigentes.

Como as tradições fascistas e nazis foram todas forjadas a ocidente pela Alemanha que hoje catapulta a oligarquia ucraniana saída da “Revolução Laranja”, a rejeição sócio-política do leste, um leste temperado pelas tradições socialistas, não podia deixar de ser esperado pela aristocracia financeira mundial ciosa de domínio e hegemonia e pelas oligarquias europeias agenciadas, incluindo a oligarquia ucraniana, à excepção dos oligarcas pró-russos.

A hegemonia está a procurar a todo o transe colocar a Rússia ao nível duma periferia, como um simples fornecedor de matérias-primas, procurando não levar em consideração que as emergências euro-asiáticas e um universo multi polar são já irreversíveis!

Com esse objectivo, neutralizar as capacidades industriais do leste da Ucrânia tem desde logo repercussões na Rússia.

No Mar Negro a Crimeia situa-se num dos fulcros das tensões correntes entre o projecto “ocidental” anglo-saxónico e o projecto das emergências “orientais” que evoluem em todo o continente euro-asiático, apesar das resistências disseminadas pelo império a partir de suas tradicionais alianças, como no caso das monarquias arábicas que, para se manterem imperturbáveis e inalteráveis, fomentam a seu bel-prazer o fundamentalismo radical islâmico sunita da Al Qaeda e de suas múltiplas ramificações.

Isso resulta da própria história, de acordo com um contexto que passou, por exemplo, pela Guerra da Crimeia, entre 1853 e 1856.

4 – A tentativa de cindir e dividir a Federação Russa teve algum êxito com o tandém Gorbatchov-Ieltsin, precisamente quando os interesses da aristocracia financeira mundial tentaram dramaticamente formatar a sua oligarquia agenciada na Rússia: foi durante a era de Boris Ieltsin que a Rússia perdeu sintomaticamente a Iª Guerra da Chechénia, entre Dezembro de 1994 e Agosto de 1996!

A ascensão do tandém Putin-Medvedev sacudiu o “cavalo de Tróia” na Rússia e as respostas que foram sendo dadas têm vindo a consolidar a Federação Russa, a começar com a vitória na IIª Guerra da Chechánia (entre Junho de 2000 Abril de 2009), com as alterações sócio-políticas na Geórgia, no rescaldo da “Revolução das Rosas” (tendo como episódio decisivo uma guerra-relâmpago ocorrida em 2008).

Em Kiev são convidados especiais quer elementos da oposição russa a Putin-Medvedev (fieis a Gorbathov-Ieltsin), quer Mikheil Saakashvili (o líder da “revolução colorida” da Geórgia), quer alguns dos fundamentalistas radicais chechenos sobreviventes das duas guerras contra a Rússia, todos eles agenciados pelo império, pelos seus aliados europeus da NATO, ou pela reaccionárias monarquias arábicas… tal qual Iúlia Timochenko, oligarca e líder da “Revolução Laranja”…

Em Kiev, a identidade entre fascistas, nazis, líderes das “revoluções coloridas” e fundamentalistas islâmicos radicais, está correntemente reconhecida pelo campo ocidental, como tentáculos que são da hegemonia protagonizada pelo império, seus aliados e panóplia de mercenários… mas tudo isso está a ser rejeitado na Crimeia, num rastilho que se propagará desde o leste e sul da Ucrânia a todo o país… e se poderá estender a toda a União Europeia enquanto domínio exacerbado do capital neo liberal, factor de desequilíbrio e da natureza ditatorial!

A atmosfera da crise e da dívida na União Europeia e nos Estados Unidos, são por si sós um preâmbulo de alterações que se tornam cada vez mais urgentes em benefício dos povos, alterações em relação às quais a aristocacia financeira mundial, o poder dos 1%, sabe que só com uma guerra de terríveis consequências pode evitar!

A Federação Russa avalia que a evolução da situação na Ucrânia comporta riscos calculados, com “timings” que não são propriamente os da Chechénia, ou os da Geórgia, que se irão arrastar durante pelo menos esta década adentro.

Avalia também vários cenários internos e internacionais possíveis, desde a desagregação ucraniana no post referendo da Crimeia, até ao abandono do dólar para as trocas comerciais, o que já está a ser experimentado no quadro dos BRICS e entre a Rússia e a China.

Se uma IIª Guerra da Crimeia estiver na forja, ela será um rastilho em expansão e poderá acarretar consequências incalculáveis, inclusive na ordem geo-estratégica!

A aposta num conjunto de medidas preventivas e dissuasoras que passam desde já pelo referendo na Crimeia é legítima, tendo em conta a pretensão fascista e nazi prevista para 25 de Maio, quando se realizarem as eleições presidenciais após o golpe EuroMaidan: a continuidade no poder em Kiev de fascistas e nazis, ao jeito da ditadura do capital e do exercício da hegemonia do império!

Outra medida em curso é a construção dum gasoduto pelo fundo do Mar Negro que não tocará na Ucrânia, à semelhança da ligação submarina entre a Rússia e a Alemanha no Mar Báltico; prevê-se a sua inauguração em 2015.

É evidente que a aristocracia financeira mundial e as oligarquias agenciadas não o querem, ou não fossem essas entidades que compõem 1% da humanidade as incentivadoras tradicionais e exclusivas de golpes de estado e de ditaduras fascistas, desde que esse tipo de “modelos” foram inaugurados no Chile, há mais de quatro décadas!

O “Condor” chegou à Europa e constitui um desafio a que só os povos e os governos progressistas, de forma integrada e decidida, conseguirão resistir e responder!

Luanda, 9 de Março de 2014 – só agora (17/3) publicado por limitações de Página Global

Mapa: A Crimeia e suas conexões próximas em função das incidências físico-geográficas e humanas.

Consultas:
- Primeira Guerra da Chechénia – http://en.wikipedia.org/wiki/First_Chechen_War
- Segunda Guerra da Chechénia – http://en.wikipedia.org/wiki/Second_Chechen_War
- Crimea´s Putin supporters prepare to welcome possible Russian advance – http://www.theguardian.com/world/2014/mar/02/ukraine-crimea-putin-supporters-russian-troops
- Multitudinarias manifestaciones en Ucrâni oriental a favor del referendum – http://actualidad.rt.com/actualidad/view/121902-ucrania-crimea-manifestaciones-lugansk-rusia
- La situación de la Flota del Mar Negro en Ucrania – http://actualidad.rt.com/actualidad/view/121173-crimea-flota-mar-negro-rusa-ucrania
- Si, las tropas russs estan en Crimea… desde 1783 – http://actualidad.rt.com/actualidad/view/121473-tropas-rusia-crimea-flota-ucrania
- Le chef de la marine ukrainienne prête allégeance aux autorités prorusses – http://www.lemonde.fr/europe/article/2014/03/02/defection-du-navire-amiral-de-la-flotte-ukrainienne_4376203_3214.html
- Na Crimeia o movimento de resistência contra o golpe – http://port.pravda.ru/mundo/02-03-2014/36335-crimeia-0/


NÃO HÁ MACHADO QUE CORTE A RAÍZ AO PENSAMENTO...



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Sem aviso prévio interrompemos temporariamente a normal publicação do Página Global. Contamos voltar à quase normalidade das habituais publicações a partir de hoje. Motivos de força maior ditaram este nosso interregno. Mas voltaremos. Voltaremos sempre. A todos quantos manifestam interesse pelo PG a nossa gratidão, reciprocidade e solidariedade.

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