Filomeno
Manaças – Jornal de Angola, opinião
Dizer
que a actual crise dos preços do petróleo é uma “manobra de diversão” e que
isso não afecta a nossa economia, é de uma tremenda falta de realismo político,
sabendo-se a grande apreensão que a situação está a causar em muitos países
exportadores, membros e não membros da OPEP, que tradicionalmente têm nas
receitas petrolíferas o principal sustentáculo dos seus orçamentos públicos.
A
Rússia, a Venezuela, o Irão e a Nigéria são alguns exemplos de como a queda dos
preços do petróleo, uma tendência que começou em Junho de 2014 e que levou o
crude a ser comercializado actualmente em menos de 50 dólares o barril, está a
criar imensas dificuldades à economia, com uma redução drástica dos níveis de
desempenho e obrigando a restrições sérias para salvaguardar os sectores
produtivos fundamentais e a estabilidade política e social.
Apesar de a actual queda dos preços do petróleo afectar essencialmente os países exportadores, nem por isso economias que dependem da importação dessa matéria-prima e dos seus derivados embarcaram numa onda de euforia, não obstante a presente situação representar um grande desafogo financeiro e, por conseguinte, uma significativa poupança em termos de despesas, que desagrava, de certo modo, o peso da crise económica e financeira que desde 2008 afecta o mundo.
Atentemos para o caso português: com o preço do petróleo no mercado internacional a 119,7 dólares o barril, o país tinha uma factura anual de 13,1 mil milhões de dólares. Com o barril a cerca de 74 dólares, as contas baixaram para 8,1 mil milhões de dólares. Ou seja, se as cotações do petróleo se mantiverem a preços constantes abaixo dos 70 dólares por barril, Portugal consegue poupanças na ordem dos 5 a 10 mil milhões de dólares por ano. Na sequência da baixa dos preços do petróleo, em Dezembro os combustíveis sofreram também ligeiras reduções
A situação é obviamente diferente nos Estados Unidos, onde a produção de petróleo e gás de xisto está a contribuir para a retoma da economia, com a criação de novos postos de trabalho e sobretudo para a auto suficiência energética do país, o que teve implicações, de forma determinante, na queda actual dos preços do crude. Factor a que se deve acrescer também o fraco desempenho da economia europeia e chinesa.
Não se deve, pois, em relação à economia angolana, ter uma opinião simplista, do género da vertida por Isaías Samakuva, segundo a qual “não existe crise económica no país, resultante da baixa do preço do barril do petróleo, e que falar dela se destina a distrair as pessoas”. A crise está aí e já afectou de modo drástico o Orçamento Geral do Estado. Todavia o Executivo fez questão de sublinhar que, embora alguns projectos venham a ser adiados, vai dar continuidade ao programa de combate à fome e à pobreza, precisamente para fazer face aos efeitos adversos que ela (a crise) possa causar, mas também - não nos podemos esquecer - às vicissitudes que os longos anos de guerra provocaram ao país. Nada é menos avisado do que pensar que a totalidade dos recursos financeiros que o Estado acumulou em reservas devem servir apenas e exclusivamente para fazer face à crise, sem que outras medidas (e que estão em curso há já algum tempo, como a diversificação da produção) sejam tomadas de modo a dotar a economia de mecanismos que lhe confiram capacidade de, com algum desafogo, resistir aos choques resultantes das alterações cíclicas dos preços do petróleo. Este é precisamente o ponto de viragem que a economia angolana persegue e que está há apenas alguns passos de o conseguir, pois foram feitos investimentos de vulto em infra-estruturas que, mal terminou a guerra, se impunham para recuperar o país dos anos de atraso causados pelo conflito militar. E, é claro, nada podia ter calhado melhor numa época em que o preço do petróleo esteve em alta.
Agora, estamos em melhores condições de encarar a crise, porque a economia registou ganhos significativos em termos organizacionais.
Se algum mérito teve a intervenção de Isaías Samakuva, foi o de espicaçar a atenção para situações já pontualmente esclarecidas, como é o facto de o Fundo Soberano ter objecto social específico e perseguir, também, a diversificação da economia nacional, apoiando nomeadamente os chamados “veículos de investimento” que sejam especializados para cada sector, tendo a instituição nomeado, o ano passado, a firma Deloitte & Touch como auditor independente para as suas contas. A falta de atenção em relação à actividade do Fundo e as interpretações enviesadas sobre o seu papel, carregadas de forte subjectivismo, têm levado leitores inadvertidos a não entender com profundidade a razão do seu surgimento e a essência da sua intervenção, que não se resume ao mercado angolano.
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