Luís Rosa – jornal i, editorial
O
que é que Ricardo Salgado, António Barreto e a extrema- -esquerda do Syriza
grego e do Podemos espanhol têm em comum? Embora possa parecer estranho, tudo.
Comecemos
pelo ex-Dono Disto Tudo (DDT). Escreveu uma carta ao parlamento a admitir que
teve encontros com Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso e
Carlos Moedas sobre os riscos sistémicos da falência do BES e para pedir ajuda
para salvar o banco da sua família. Traduzindo a estratégia: Salgado voltou a
ligar a ventoinha para tentar espalhar a porcaria do caso BES. Já que os
reguladores (Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários)
não compreendiam as suas posições, Salgado recorreu ao poder político para
intervir e ajudá-lo a conseguir um empréstimo de emergência junto de um
sindicato bancário liderado pela Caixa Geral de Depósitos. Na cabeça de Ricardo
Salgado, Cavaco, Passos, Portas, Barroso e Moedas deviam-lhe qualquer coisa,
daí o seu pedido ser natural e lógico. A estratégia, contudo, não resultou e o
Grupo Espírito Santo (GES) desmoronou-se como um castelo de cartas.
Ricardo
Salgado não perdoa e está numa posição de ataque porque sabe que muito ainda
resta saber sobre o caso BES - resta saber até onde está disponível para ir.
Por exemplo, descobriu-se recentemente que o GES tinha uma empresa chamada
Espírito Santo Enterprise que funcionava como uma espécie de saco azul do
grupo. Essa sociedade terá recebido cerca de 300 milhões de euros para fazer
pagamentos não documentados a terceiros. Quem? Ainda não sabemos. Ricardo
Salgado saberá mas, para já, apenas quer pressionar - e não falar.
O
caso BES é o culminar de diversos casos que revelaram a podridão moral da elite
política, financeira e empresarial. Essas diversas elites vivem da
interdependência entre si, da troca de favores entre os seus principais
protagonistas, do tráfico de influências e mesmo da pura corrupção que se
instalou nos grandes negócios feitos entre o Estado e os privados. Daí António
Barreto, um homem habitualmente moderado, ter afirmado ao i no sábado
que "gostaria de ver presos (...) alguns banqueiros, empresários,
administradores, ex-ministros, ex- -secretários-gerais". Barreto, para
horror dessas elites, mais não fez do que verbalizar o sentimento de muitos
portugueses que não percebem como é possível o enriquecimento inexplicável de
muitos dos protagonistas políticos dos últimos 40 anos, a incompetência
manifestada nos contratos das parcerias público-privadas, a construção sem nexo
de equipamentos públicos inúteis, repetidos e pornograficamente caros e fora do
orçamento previsto ou a promiscuidade quase total entre o Estado e as grandes
empresas sempre em prejuízo do erário público.
O
facto de os portugueses ainda não terem encontrado alguém que capitalize esse
descontentamento não deve levar PSD, PS e CDS ao relaxamento. Se, por um lado,
percebemos facilmente que não só o Bloco de Esquerda e o PCP não merecem
credibilidade do eleitorado moderado como os grupúsculos de extrema-esquerda
que pululam por aí como coelhos a quererem imitar o Podemos em Espanha ou o
Syriza na Grécia são irrelevantes; por outro lado, não podemos desvalorizar a
tendência de crescimento das elevadas taxas de abstenção dos últimos actos
eleitorais e o descontentamento da classe média com a democracia representativa
e as políticas erradas seguidas nos últimos 20 anos. Os portugueses, como os
gregos e os espanhóis, estão cansados de uma classe política descredibilizada.
Por estranho que possa parecer, Ricardo Salgado pode vir a ser o maior aliado
de quem quer derrubar o regime. Basta o ex-DDT querer.
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