segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Reduzidas queixas laborais expõem fragilidade da mão-de-obra importada em Macau




Macau, China, 09 fev (Lusa) -- A dificuldade em denunciar e o desconhecimento dos direitos justificam, segundo especialistas ouvidos pela agência Lusa, a reduzida percentagem de queixas por conflitos laborais dos trabalhadores não residentes em Macau, que representam mais de 40% da população ativa.

Apesar de as denúncias terem aumentado desde 2010, continuam a ser muito poucas tendo em conta o universo de trabalhadores importados. Em 2014, as 5.098 queixas envolveram 1.990 trabalhadores, os valores mais elevados em quatro anos, segundo dados dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), facultados à agência Lusa.

O número corresponde a mais de dois de terços (67%) do total de reclamações apresentadas aos serviços, na sua maioria motivadas por questões salariais (15,4% em média), indemnizações rescisórias (13,4%) e falta ou atraso de aviso prévio para a rescisão de contrato (9%).

A DSAL justifica a subida com "o desenvolvimento económico, aumento da população empregada" e com a "maior atenção prestada pela sociedade aos direitos dos trabalhadores".

A percentagem de queixas diminuiu, porém, em termos proporcionais à dimensão do universo de mão-de-obra importada.

A título de exemplo, em 2010 foram apresentadas 2.922 queixas e existiam 75.098 trabalhadores não residentes. Em 2014, deram entrada na DSAL 5.098, mas a mão-de-obra importada mais do que duplicou para 170.346 em dezembro.

Já a percentagem de trabalhadores envolvidos face ao total dos não residentes é idêntica: 1,10% em 2010 e 1,16% em 2014.

Para o jurista Pedro Sena a questão não se resume a uma maior consciência dos seus direitos, uma vez que "é muito difícil apresentarem queixa".

"E, muitas vezes, quando o fazem, os patrões apresentam uma contra queixa, ou porque roubaram algo ou porque não fizerem bem o seu trabalho. Depois é a questão da prova e da justa causa para o despedimento. Um trabalhador pode dizer que as condições de trabalho não são boas ou que foi maltratado, mas depois é a palavra de um contra a do outro", realçou.

As três áreas profissionais que geraram maior número de queixas foram, por ordem decrescente, o pessoal dos serviços e vendedores; trabalhadores da produção industrial e artesãos; e trabalhadores não qualificados, em que se incluem as empregadas domésticas.

Já do setor do jogo, apenas 16 trabalhadores apresentaram queixa em quatro anos, um reduzido número atendendo a que essa indústria é um dos maiores empregadores e que poderá ser explicado, parcialmente, pelo facto de grande parte das funções nos casinos serem desempenhadas por residentes e a categoria de 'croupier' é exclusivamente reservada à mão-de-obra local.

"Tenho acompanhado alguns casos de não residentes aos quais não era paga, muitas vezes, a quantia declarada nos seus contratos ou as horas extraordinárias, nem facultado o gozo de descansos semanais ou de feriados, situações que ainda hoje se verificam em muitas empresas", observou um especialista em Direito sob anonimato.

Poucos assalariados fazem queixa por desconhecerem os seus direitos, acrescentou, notando também o pequeno número de processos que chega a tribunal: "Quando o contrato acaba pura e simplesmente, a maioria deles vai embora porque não tem dinheiro para cá ficar -- ou nem pode -- e não tem capacidade de contratar advogados. Muitas vezes nem sequer conhecem a DSAL".

Ainda assim, observou, os processos "estão bem mais rápidos" desde a criação do Juízo Laboral no Tribunal Judicial de Base em 2013. Antes, "um processo de recurso que chegava ao Tribunal da Segunda Instância podia demorar quatro ou cinco anos e hoje em dia resolve-se o problema em dois anos ou menos".

Em 2014 foram instaurados 891 processos de conflitos laborais que envolveram não residentes e concluídos 656. Desses 44% foram procedentes, ao contrário de 27%. Já 29% foram resolvidos mediante acordo.

FV/DM // PJA

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