Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
Governo de Passos Coelho tornou-se especialista em eclipses. Um dos
eclipses é o do desemprego. Os números do emprego e do desemprego são
torturados até à exaustão por "especialistas" das estatísticas na
tentativa de nos fazer acreditar nos êxitos das políticas seguidas. Só que
esses exercícios não alteram a realidade dos factos e muito menos contribuem -
porque assentes em mentiras - para rumos de desenvolvimento socioeconómico da
nossa vida individual e coletiva.
Sobre
o emprego e o desemprego, aquilo que se pode observar a partir dos dados que
vão sendo divulgados é que o mercado de trabalho em Portugal continua em crise:
a descida da taxa oficial de desemprego não está a ser acompanhada por
crescimento do emprego; a população ativa do país diminuiu, desde 2008 até
agora, em mais de meio milhão de pessoas.
Por
observação empírica pode constatar-se que fruto do forte empenho de alguns
atores económicos, com aproveitamento de fatores conjunturais em contexto de
mudanças de atividade ou de especialização económica, surge em microrregiões e
num ou outro setor a criação de emprego. Mas, globalmente, a dinâmica
predominante é, sem dúvida, a da destruição de emprego, de abaixamento das
retribuições salariais e da qualidade do emprego, quer no setor privado - por
impacto dos descalabros da gestão de grandes grupos empresariais e outras
negociatas -, quer no público, pelos efeitos do ataque ao Estado social, pelas
privatizações, pela ausência de investimento público suficiente e devidamente
orientado.
Portugal,
infelizmente, não saiu dos "entroicamentos" a que vem sendo sujeito
desde há quatro anos. Não existe uma retoma da economia com credibilidade e
sustentação e o prosseguimento das políticas seguidas até aqui impede-nos de
sair da "crise". Como fundamentadamente confirmam os autores de um
estudo sobre o emprego e o desemprego divulgado esta semana pelo Observatório
sobre Crises e Alternativas 1 , pela primeira vez os valores do desemprego
"não oficial" - que retratam dimensões do fenómeno do desemprego que
o conceito de desempregado não abarca - ultrapassaram os números do desemprego
"oficial".
Perante
este facto, como é expresso no referido trabalho, em vez de se falar de uma
descida do desemprego, é talvez mais adequado falar-se numa situação de
estabilização do desemprego em níveis bastante elevados e de uma estabilização
do emprego num nível bem mais reduzido do que o estimado no início do
"programa de ajustamento". Além disso, nunca tivemos tantos
desempregados sem qualquer proteção, nem tanta precariedade, sendo que esta,
por força de alterações da legislação laboral e das relações de poder no
trabalho, já não atinge somente os "precários", mas sim todos os
trabalhadores.
O
desemprego "oficial" está um pouco abaixo dos 14%. Mas somando essa
taxa com os "desempregados ocupados" - cuja média entre 2002 e 2011
andava à volta dos 25 mil e agora já ultrapassou os 170 mil -, com os
"inativos desencorajados" e os "ativos migrantes", a taxa
de desemprego sobe para 25%. E, se a este valor acrescentarmos os trabalhadores
que estão em subemprego, temos o desemprego em 29%. Isto significa que mais de
metade do desemprego está ocultado, escondido como que por eclipse.
Quando
se está no desemprego, pode ser positivo passar para uma situação de
desempregado ocupado. Mas essa condição, que em regra tem sido suportada
essencialmente pela Segurança Social, não pode ser definitiva e muito menos
para permitir às empresas privadas ou a serviços públicos disporem de mão de
obra a quem quase não têm de pagar. E jamais se pode confundir a ocupação de um
desempregado com um emprego criado.
O
"ajustamento" e a "mudança estrutural" da economia não
geraram, nem têm possibilidade de gerar, qualquer florescimento do emprego. O
país continuará com elevados valores de desemprego "oficial", sem crescimento
de emprego e com um desemprego real enorme.
O
tempo de eleições que vamos viver exige discussões assentes em dados objetivos
e confronto de perspetivas. Com verdade, com razão e ação é possível sair deste
atoleiro de grandes dificuldades, de manipulação, de ausência de ética que nos
aprisiona.
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