quarta-feira, 29 de julho de 2015

Guiné-Bissau. IMUNIDADE PARLAMENTAR VERSUS IMPUNIDADE PARLAMENTAR




Numa altura em que a ANP é, mais uma vez, chamada a pronunciar-se sobre o levantamento da Imunidade Parlamentar de alguns dos seus Deputados, julgamos pertinente e oportuno trazer a nossa contribuição sobre esta questão.

Pretendemos tão-somente alertar os Deputados e a ANP do facto de ser seus deveres e obrigações defender a aplicação correcta das leis da República, no interesse e dignidade do próprio órgão de soberania que as produz, neste caso, a Assembleia Nacional Popular.

Figuras eruditas em leis dissecaram e analisaram pormenorizadamente as circunstâncias em que a imunidade parlamentar pode ser evocada e aplicada a protecção dos Deputados.

O que é imunidade parlamentar?

De acordo com esses estudiosos, a Imunidade Paramentar é um instituto que teve origem na Inglaterra e que visava assegurar aos membros do parlamento ampla liberdade, autonomia e independência no exercício das suas funções, protegendo-os contra eventuais abusos e violações por parte dos poderes Executivo e Judiciário.

Com a Imunidade Parlamentar, o Deputado, no exercício das suas funções e, tão-somente neste âmbito, dentro ou fora da casa parlamentar, tornava-se inviolável penal, civil e administrativamente por quaisquer das suas opiniões, palavras, votos, pareceres escritos ou orais, sob suas diversas manifestações funcionais como discursos, entrevistas nos trabalhos parlamentares, incluindo nas comissões.

É importante sublinhar que essa imunidade não é um privilégio pessoal do Deputado, mas sim prerrogativa própria da instituição parlamentar para assegurar o bom desempenho da função do parlamento e proteger a sua própria independência e liberdade, sem interferências externas.

Assim – dizem os que sabem – é mister concluir que o instituto de Imunidade Parlamentar não é um fim para defender o Deputado, mas um meio para defender a honra, a independência e os interesses vitais do próprio parlamento.

Orientada pela necessidade de combater a impunidade, respeitar e também proteger outros direitos fundamentais, a sociedade impôs alguns limites de natureza moral, jurídica e ética na interpretação e na aplicação do instituto de Imunidade Parlamentar.

O que é que acontece na nossa ANP?

No nosso ordenamento jurídico, a Imunidade Parlamentar está sedeada, legalmente, no artigo 82º da Constituição da República e nos artigos 10º e 11º do Estatuto dos Deputados.

 Esses preceitos legais distinguem duas situações: uma primeira referente à responsabilização penal do Deputado e uma segunda referente às condições legais para a sua detenção.

Quanto à responsabilização penal do Deputado, o Estatuto dos Deputados, no seu artigo 10º, transcreve fielmente o nº 1 do artigo 82º da Constituição da República: “Nenhum Deputado pode ser incomodado, perseguido, preso, julgado ou condenado pelos votos e opiniões que emitir no exercício das suas funções”.

Permitimo-nos sublinhar o “exercício das suas funções”, porquanto os doutos na matéria jurídica dão realce a essa circunstância.

No que concerne à irresponsabilização penal absoluta do parlamentar, o nº 1 do artigo 11º da Estatuto dos Deputados plagia integralmente o nº 2 do artigo 82º da Constituição da República: “Salvo em caso de flagrante delito, a que corresponda pena igual ou superior a dois anos de trabalho obrigatório, ou de prévio assentimento da ANP, nenhum Deputado pode ser perseguido, detido ou preso por questão criminal ou disciplinar, em juízo ou fora dele”.

A leitura dessas disposições legais levam-nos à conclusão de que, afinal, o Deputado pode responder por todos os actos praticados fora do exercício das suas funções, mesmo depois do início do mandato, mediante autorização prévia da ANP.

Sempre que lhe seja requerido o levantamento da Imunidade Parlamentar a um Deputado, desde que não haja ligação entre os actos cometidos e o exercício do mandato parlamentar, a ANP não pode, nem deve deixar de autorizar esse levantamento, sob pena de a sua atitude constituir uma obstrução da justiça – que é, obviamente, um crime.

Há casos em que um Deputado comete actos antes do início do seu mandato, portanto, fora do exercício das suas funções parlamentares – casos desses abundam na nossa ANP.

Nessas circunstâncias, a ANP tem o dever (entenda-se tem a obrigação) de proceder ao levantamento da imunidade parlamentar ao deputado.

A nossa Assembleia Nacional Popular – um parlamento forjado no fragor da luta armada para a emancipação e dignificação do povo guineense – não, pode fazer passar a imagem de se ter transformado num refúgio de delinquentes.

A percepção que o cidadão comum tem hoje em dia é de que todos aqueles que têm contas com a justiça, compram lugares de Deputado para terem a protecção e o encobrimento da ANP.

E a principal dificuldade que se constata hoje para o levantamento da imunidade parlamentar na ANP não tem nada a ver com os valores de nobreza e de dignidade mas, sim, relacionada com a existência de um pacto corporativista de protecção mútua entre os Deputados.

Digníssimos Deputados,

Em nome da dignidade da função de Deputado e da dignidade da instituição parlamentar, os Deputados que se consideram inocentes que se distanciem dos outros.

Estejamos vigilantes! 


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