Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
A
Grécia escreveu ontem uma nova página na história da Europa. Depois de uma
semana em que os líderes europeus fizeram, em peso, campanha ativa pelo
"sim", o estrondo com que o "não" ecoou deu força ao
Governo de Alexis Tsipras e abriu uma brecha no caminho monolítico da
austeridade.
A
lição democrática e a força demonstrada pelo povo grego justificam a festa que
tomou conta de Atenas, mas o futuro continua a ser feito de espinhos.
"Tarde sombria como um bolso vazio", pedem-se as palavras emprestadas
ao poeta Yannis Ritsos. A liquidez da banca é o drama imediato e hoje a reunião
do BCE tem sobre a mesa dilemas decisivos e com impacto direto na vida de 10
milhões de pessoas.
Tudo,
no plano político, são incertezas. Merkel e Hollande reúnem-se em Paris para digerir
os efeitos do "oxi". Ainda com as urnas abertas, o presidente do
Parlamento Europeu, Martin Schulz, alertou que a vitória do "não"
obrigaria a introduzir uma nova moeda. Quase ao mesmo tempo, o ministro das
Finanças grego, Yanis Varoufakis, insistia numa mensagem europeísta.
Os
líderes europeus tentaram colar o "não" à saída da Grécia da zona
euro. Por mais que do lado contrário da barricada se ouça garantir que a
disponibilidade para negociar é total e que apenas é preciso mudar de
perspetiva. A inflexibilidade seria, nesta altura, a pior atitude possível: o
que se ouviu, nas urnas, foi uma mensagem global, que toca em cada um dos
parceiros europeus e tem consequências económicas e políticas.
Nas
vésperas do referendo, um dos principais arquitetos da integração europeia,
Jacques Delors, alertou para o peso da dívida e defendeu as linhas necessárias
para dar oxigénio à Grécia. Mais do que restaurar a solvência a curto prazo,
lembrou a urgência de reanimar a economia e fazê-la regressar ao crescimento. Mas
Delors tocou ainda um terceiro ponto: "colocar rapidamente na agenda a
análise do peso da dívida grega e das dívidas dos outros países sob
programa".
Não
foi a Grécia que abriu a caixa de Pandora. Fomos nós que nunca ousámos pensar
que os dogmas da troika fossem questionáveis. A história que ontem começou a
ganhar forma escreve-se, agora, fora das urnas. Percebendo que sinais leem
Merkel, Hollande, Lagarde, Dijsselbloem. A Grécia escolheu, sem fechar portas.
Resta saber se, desagradados com a escolha, os credores irão expulsar o
"mau aluno" de casa. Podemos tentar invocar desculpas para uma
separação. No final de contas, isolar a Grécia apenas nos enfraquecerá a todos.
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