segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Portugal. A MARGEM DE MANOBRA DE CAVACO NA CONJUNTURA ATUAL



Isabel Moreira – Diário de Notícias, opinião

Aquilo que hoje interessa esclarecer não são os poderes abstratos do Presidente da República (PR) previstos na Constituição (CRP), mas a margem de manobra do Chefe de Estado, nas circunstâncias concretas com que nos defrontamos.

Vou partir de uma premissa maximalista na interpretação dos poderes constitucionais relacionados com a dissolução da Assembleia da República (AR), que literalmente não carece de fundamentação, e do poder de nomeação do Governo tendo em conta os resultados eleitorais.

De resto, mesmo limitado no momento da nomeação do Governo, o PR tem à sua disposição o poder mais forte, o de dissolução da AR. Acontece que esse poder tem travões, como o de natureza temporal (a dissolução não é permitida nos seis meses seguintes à eleição da AR e nos últimos seis meses do mandato do Presidente).

Ora, é precisamente neste quadro concreto que nos encontramos. Cavaco, quando nomear o próximo executivo, não está em condições de jogar com a possibilidade de dissolução da AR.

Este momento histórico não pode, assim, ser comparado com outros em que diversos Presidentes consideraram que o Governo proposto não tinha condições de viabilidade, rejeitando o mesmo e optando por dissolver a AR, com a consequente convocação de eleições.

Em qualquer cenário, os Governos devem formar-se no Parlamento, no diálogo e na negociação interpartidários. E o PR deve contribuir para esse diálogo. No cenário atual, quer pela possibilidade de uma maioria positiva de esquerda que se apresenta para governar, quer pelo calendário referido, Cavaco não pode - nunca poderia, mas no caso é uma impossibilidade - criar soluções governativas, à margem da AR, conversando com privilegiados, como se a casa da democracia não tivesse uma composição maioritária de esquerda e uma coligação de direita minoritária.

Em Portugal o povo não vota na natureza maioritária ou minoritária de um Governo (o nosso sistema eleitoral nunca permitiria tamanha imaginação); a questão tão cara a Cavaco da governabilidade é resolvida tendo em conta a composição parlamentar resultante do número de votos apurados nas eleições em número de mandatos parlamentares.

Posto isto, nas circunstâncias atuais, o que decorre do espírito do nosso sistema semipresidencialista é simples: 1) Se a coligação de direita se propuser a governar em minoria e existir uma coligação pós-eleitoral de esquerda parlamentarmente maioritária que se propõe também a governar, comunicando ao PR que se não lhe for dada posse, rejeitará o Governo de direita na AR, de que adianta a Cavaco nomear um Governo sabendo que ele cairá se seguida na AR?; 2)No pressuposto colocado em 1), se ocorrer ao advogado da estabilidade nomear o Governo proposto por Passos Coelho e este acabar demitido com a anunciada moção de rejeição do programa de governo, como sustentar a não nomeação imediata da proposta de governo de esquerda com maioria parlamentar? Recorde-se que Cavaco não pode dissolver a AR; 3)Se Cavaco violasse com todas as forças o espírito do sistema e após a queda do Governo minoritário na AR o mantivesse em gestão, esse Governo seria um Executivo moribundo com morte rápida. Com os poderes limitados e com uma maioria parlamentar de esquerda, seria, de facto, a oposição a governar, fazendo o que quisesse, criando, e com fundamento, a paralisia do Governo.

Não tenho por possível que Cavaco legue ao país, como ato derradeiro da sua impopular presidência, a selvajaria fora do sistema da nossa democracia.

Sem comentários:

Mais lidas da semana