Isabel
Moreira – Diário de Notícias, opinião
Aquilo
que hoje interessa esclarecer não são os poderes abstratos do Presidente da
República (PR) previstos na Constituição (CRP), mas a margem de manobra do
Chefe de Estado, nas circunstâncias concretas com que nos defrontamos.
Vou
partir de uma premissa maximalista na interpretação dos poderes constitucionais
relacionados com a dissolução da Assembleia da República (AR), que literalmente
não carece de fundamentação, e do poder de nomeação do Governo tendo em conta
os resultados eleitorais.
De
resto, mesmo limitado no momento da nomeação do Governo, o PR tem à sua
disposição o poder mais forte, o de dissolução da AR. Acontece que esse poder
tem travões, como o de natureza temporal (a dissolução não é permitida nos seis
meses seguintes à eleição da AR e nos últimos seis meses do mandato do
Presidente).
Ora,
é precisamente neste quadro concreto que nos encontramos. Cavaco, quando nomear
o próximo executivo, não está em condições de jogar com a possibilidade de
dissolução da AR.
Este
momento histórico não pode, assim, ser comparado com outros em que diversos
Presidentes consideraram que o Governo proposto não tinha condições de
viabilidade, rejeitando o mesmo e optando por dissolver a AR, com a consequente
convocação de eleições.
Em
qualquer cenário, os Governos devem formar-se no Parlamento, no diálogo e na
negociação interpartidários. E o PR deve contribuir para esse diálogo. No
cenário atual, quer pela possibilidade de uma maioria positiva de esquerda que
se apresenta para governar, quer pelo calendário referido, Cavaco não pode -
nunca poderia, mas no caso é uma impossibilidade - criar soluções governativas,
à margem da AR, conversando com privilegiados, como se a casa da democracia não
tivesse uma composição maioritária de esquerda e uma coligação de direita
minoritária.
Em
Portugal o povo não vota na natureza maioritária ou minoritária de um Governo
(o nosso sistema eleitoral nunca permitiria tamanha imaginação); a questão tão
cara a Cavaco da governabilidade é resolvida tendo em conta a composição
parlamentar resultante do número de votos apurados nas eleições em número de
mandatos parlamentares.
Posto
isto, nas circunstâncias atuais, o que decorre do espírito do nosso sistema
semipresidencialista é simples: 1) Se a coligação de direita se propuser a
governar em minoria e existir uma coligação pós-eleitoral de esquerda
parlamentarmente maioritária que se propõe também a governar, comunicando ao PR
que se não lhe for dada posse, rejeitará o Governo de direita na AR, de que
adianta a Cavaco nomear um Governo sabendo que ele cairá se seguida na AR?;
2)No pressuposto colocado em 1), se ocorrer ao advogado da estabilidade nomear
o Governo proposto por Passos Coelho e este acabar demitido com a anunciada
moção de rejeição do programa de governo, como sustentar a não nomeação
imediata da proposta de governo de esquerda com maioria parlamentar? Recorde-se
que Cavaco não pode dissolver a AR; 3)Se Cavaco violasse com todas as forças o
espírito do sistema e após a queda do Governo minoritário na AR o mantivesse em
gestão, esse Governo seria um Executivo moribundo com morte rápida. Com os
poderes limitados e com uma maioria parlamentar de esquerda, seria, de facto, a
oposição a governar, fazendo o que quisesse, criando, e com fundamento, a
paralisia do Governo.
Não
tenho por possível que Cavaco legue ao país, como ato derradeiro da sua
impopular presidência, a selvajaria fora do sistema da nossa democracia.
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