sábado, 6 de fevereiro de 2016

Advogado norte-americano transforma antiga plantação em museu e memorial da escravatura



John Cummings (direita), o fundador de Whitney Plantation 
e Ibrahima Seck, diretor de pesquisas do Museu
Alberto Castro* - Correspondente da Afropress em Londres

Nova Orleãs/EUA - Os EUA têm mais de 35 mil museus. Porque apenas um é sobre a escravatura? Questionou, em artigo para o Washington Post, o fundador do primeiro museu totalmente dedicado à história da escravatura no país.

O evento aconteceu há um ano e passou quase despercebido na mídia fora dos EUA. Mas o assunto não deixa de ter atualidade e é um exemplo que deveria ser seguido em países envolvidos no tráfico e comércio transatlântico de escravos que até hoje se recusam a pedir um simples perdão por um dos maiores, senão o maior crime já praticado em toda a história da humanidade e com consequências bem visíveis ainda hoje para a África e seus descendentes.

A obra foi inaugurada em dezembro de 2014 e surgiu de uma iniciativa de John Cummings, um advogado bem sucedido de Nova Orleãs que ao projeto dedicou 16 anos e gastou mais de US$ 8 milhões da sua fortuna pessoal na sua realização. Em artigo para o Washington Post, ele conta ter inicialmente adquirido a Whitney Plantation, uma antiga fazenda de índigo e cana de açúcar perto de Wallace, Louisiana, para expandir seus negócios imobiliários mas, conforme foi pesquisando a história da propriedade, deu conta de que mais de 350 pessoas estiveram escravizadas nela antes de 1865.

Foi perante tal chocante constatação que, segundo ele, se conscientizou da uma flagrante omissão na sua educação sobre a história da nação. Na América, diz,  ''toda a gente sabe que a escravatura existiu mas os detalhes são extremamente falhos'', um ''falhanço nacional egrégio'', nas suas palavras.

Consequentemente, a omissão educativa do fato resulta, no seu entender, na generalizada incompreensão sobre o verdadeiro impacto da escravatura no desenvolvimento econômico dos EUA. Tal lacuna educativa, confessa, o levou a se interessar pela história do Comércio Transatlântico de Escravos e a nela se educar. Diz ter concluído, mesmo que tardiamente, que ideia erradamente prevalecente de que a escravatura se relaciona somente à história de afro-americanos é uma injustiça. ''É a nossa história'', assume.

Constatou que os EUA têm mais de 35 mil museus erguidos para honrar a história e a cultura da nação mas que nenhum foi dedicado às narrativas das pessoas que a sustiveram. Entre outros, notou que o Memorial do 11 de Setembro foi construído em apenas 10 anos depois da tragédia (em 2014 foi inaugurado o museu), que existem museus dedicados à Confederação em vários estados e que nos EUA existem mais museus dedicados ao Holocausto que à soma dos mesmos em Israel, Alemanha e Polônia.

Em tom crítico  diz, por exemplo, que o país encontrou vontade política e arranjou 168 milhões de dólares para construir o Museu e Memorial do Holocausto, situado a apenas umas quadras do Capitólio, o centro legislativo do governo, um edifício construído  largamente por escravos no decurso dos séculos 18 e 19.

Decidiu então que a Whitney Plantation seria usada para honrar a memória de pessoas cujo trabalho a tornaram próspera nos anos 1800 e para lembrar a contribuição com trabalho forçado que milhões de seres humanos escravizados deram para fazer o que é hoje a grande nação do norte das Américas.

Antes, elementos da história da escravatura no país estavam documentados somente em museus de história afro-americana. Mas nem estes e nem mesmo o primeiro Museu Nacional da História e da Cultura Afro-americana (NMAAHC, sigla em inglês), localizado em Washington, DC, e com abertura prevista para este ano, focam apenas na questão escravatura.

''Se você não conhece a origem do problema, como os pode resolver?", pergunta em video no link abaixo, Ibrahima Seck, acadêmico e autor senegalês contratado por Cummings como diretor de pesquisas do museu. ''Não é uma questão de colocar a culpa em alguém. Não precisamos disso'', esclarece. ''O que precisamos é compreender porque temos hoje tantos problemas na América. O porquê de tantas pessoas negras pobres, encarceradas e assassinadas como se de um jogo se tratasse. Tudo isso tem raízes na escravatura'', conclui.

Para Cummings, o que muitas pessoas falham em entender é que foi um grupo de pessoas brancas como ele que iniciaram essa trágica confusão. Eles iniciaram o comércio transatlântico de escravos, negociaram com a escravatura, lucraram com a escravatura.

''Qual a surpresa se alguns rapazes brancos emergirem como líderes e tentarem fazer algo que corrija o que seus antepassados fizeram?'', pergunta, para em seguida acentuar que, pessoalmente, ''decidiu que não mais se sentiria satisfeito vivendo na ignorância''. 
Acrescenta que decidiu igualmente que iria dar o seu melhor para ''apresentar fatos sobre a escravatura à todas pessoas que encontrar'' para que entendam o quanto pesado foi o fardo dos africanos e seus descendentes nas Américas.


*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

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