Rui Peralta, Luanda
O
Conselho de Ministros do governo argelino aprovou, no mês de Janeiro, o
projecto de revisão constitucional que, entre outros direitos, liberdades e
garantias, consagra a “paridade dos homens e das mulheres no mercado de emprego”.
O objectivo central da actual revisão constitucional argelina é a concentração
de poderes definida na revisão de 2008. Mas a questão da igualdade do género no
emprego é um passo importante na luta das mulheres argelinas, que a actual
revisão assume. A revisão constitucional de 2008 já tinha apresentado
importantes alterações que permitiram representações femininas no Parlamento e
nas instituições públicas. Com a actual garantia constitucional afirma-se um
objectivo de paridade no mundo laboral e o Estado compromete-se a agir e a
efectuar políticas de fundo para permitir a igualdade de géneros no trabalho.
Apesar de esta paridade estar estabelecida na Constituição, a realidade
argelina continua muito distante do texto constitucional. Nesta questão da
paridade no emprego a Argélia ocupa o fim do pelotão, encontrando-se atrás dos
Estados do Golfo. Mas existe uma contradição na condição da mulher argelina: a
descriminação no emprego não corresponde á descriminação social. Na sociedade a
mulher argelina ocupa uma posição social muito superior e tem uma liberdade de
estar muito superior á de qualquer mulher nos Estados do Golfo e de muitas
outras sociedades do mundo islâmico. Na Argélia a paridade é um objectivo que
está a ser construído pelas mulheres, numa sociedade em transformação, que aos
poucos abandona as suas características familiares patriarcais inerentes às
sociedades rurais, e torna-se numa sociedade urbana, assente na família
mononuclear, onde marido e esposa trabalham e ambos possuem rendimentos.
A transformação das práticas sociais não é um processo indolor. Ainda na última
década do século XX 90% das mulheres argelinas não tinham emprego. Hoje uma em
cada seis é empregada, são metade dos quadros da saúde e da educação, 40% dos
juízes e cerca de um terço dos deputados. Esta situação representa uma evolução
objectiva da sociedade. A igualdade consagrada por todas as constituições
argelinas, desde 1962, representou uma aspiração do movimento de libertação
nacional. O colonialismo francês deixou as mulheres encerradas no espaço
feminino da aldeia, marginalizadas, na sua imensa maioria analfabetas. As “mudjahidates”,
as mulheres que combateram pela independência nacional da Argélia, eram
mulheres heróicas, mas constituíam um pequeno grupo. A independência trouxe a
escolaridade generalizada, o que provocou uma presença massiva das jovens no
espaço público, em contradição com as práticas patriarcais.
A luta das mulheres foi, durante a luta de libertação nacional, travada em duas
frentes: contra o colonialismo e contra o código de família patriarcal. Com a
independência a luta das mulheres contra as práticas tradicionais não
igualitárias assume um novo significado e é uma parte importante, e
fundamental, do combate contra o subdesenvolvimento. Com a chegada, ao mercado
de trabalho, das primeiras mulheres diplomadas a situação das mulheres
trabalhadoras argelinas sofre alterações qualitativas profundas, que
ultrapassam o âmbito do trabalho e afectam todas as anteriores práticas
sociais. A sociedade argelina começou, então, a discutir novas questões como o
assédio sexual, a violência doméstica, a acesso aos cargos de maior
responsabilidade, o papel da mulher na economia do lar, etc.
Além do notável êxito obtido no plano legislativo há que considerar que o papel
e o lugar da mulher na Argélia tornou-se tema de debate social, um assunto
corrente, o que favorece a mudança de atitudes e de comportamento. As mulheres
nunca poderão aspirar á igualdade se não tiverem a possibilidade de autonomia
económica, de obterem um rendimento, nem poderão ser mais numerosas no mercado
de trabalho se não existir uma socialização das tarefas domésticas, creches e
transportes escolares, por exemplo. E estas questões impulsionam a actividade
das mulheres no sentido de garantirem e viabilizarem as conquistas
constitucionais.
A Argélia adoptou o sistema de quotas em 2008. Além de assegurar uma maior
representatividade da mulher nas instituições democráticas, este sistema
permitiu uma melhor participação da mulher na gestão pública e na tomada de
decisões. 30% das dos eleitos para a Assembleia Popular Nacional são mulheres
(e este é um dado pouco frequente no mundo parlamentar). No entanto não existem
senadoras designadas por qualquer dos partidos políticos argelinos (numerosos e
que abarcam um largo espectro politico-ideológico).
Apesar
da crise económica (a Argélia nunca ultrapassou, mesmo sem crise, os limites de
uma economia periférica, sendo, além do petróleo, as remessas dos emigrantes um
importante factor para a sua balança comercial) e das repercussões da crise,
sentidas no sector da educação, existe uma ampla maioria feminina entre os
cursos técnico-profissionais, os bacharelatos, licenciaturas, mestrados e
doutoramentos. As mulheres são, ainda, minoritárias ao nível das
responsabilidades e dos altos cargos (no sector público e privado), mas
participam, cada vez mais, na vida púbica e no sector privado e tornaram-se
centro dos debates principais na sociedade argelina. As novas gerações argelinas
estão activas e empenhadas nesta causa. Existem centenas de colectivos
femininos, diversificados, desde a acção politica, às cooperativas, ONG´s e
associações empresariais femininas.
As
mulheres argelinas tornaram-se visíveis e incontornáveis. Sem quaisquer
dúvidas, elas são, hoje – como o foram no passado, mas com muito menor
visibilidade e com inúmeras dificuldades – o motor da esperança na Argélia, os
pequenos faróis que iluminam o caminho para o desenvolvimento…
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