“Cidadezinha
cheia de graça....” Mário Quintana (1906-1994)
Carlos
Roberto Saraiva da Costa Leite*
Em
seus primórdios, em 1752, a capital dos gaúchos foi denominada de Porto dos
Casais graças a chegada de imigrantes açorianos. No ano de 1772, transformou-se
em Freguesia. Passados vários anos, em 1810, elevou-se à condição Vila.
Finalmente, no ano da Independência do Brasil, em 1822, ganhou foros de cidade
pelo imperador D. Pedro I.
Durante
a Revolução Farroupilha (1835 -1845), devido a sua resistência às tentativas de
invasão por parte dos revolucionários, após tê-la conquistado, em setembro
1835, e serem expulsos, pelos imperiais, em junho de 1836, Porto Alegre recebeu
de D. Pedro II, em 1841, o título de "Leal e Valerosa Cidade", que
está presente no Brasão da Cidade, criado, pela lei nº 1.030, em 22/01/1953. A
lei foi assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável
pelo desenho do brasão o artista plástico Francisco Bellanca (1895-1974).
Ao
passar dos anos, Porto Alegre seguiu crescendo… Amada pelos gaúchos de todas as
querências, ela se tornou cosmopolita sem perder a referência de suas origens
açorianas. São 244 anos de hospitalidade que se comemoram neste mês de
março de 2016. A “57ª Semana de Porto Alegre”, também,
conhecida pelo epíteto “Cidade Sorriso”, é um momento de festa que nos
possibilita uma reflexão sobre a sua história e importância que esta representa
em nossas vidas.
Após
a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, Porto Alegre procura
modernizar-se, buscando se inserir no conceito de “Ordem e Progresso”; dístico
este que está presente na bandeira brasileira. Grandes transformações urbanas
ocorreram na gestão do intendente José Montaury (1858-1939) e durante o governo
de Borges de Medeiros (1863-1961). Com a ampliação da rede elétrica, da rede
hidráulica e das linhas de bonde, nossa cidade passou a equiparar-se aos
modernos centros urbanos do mundo. No ano de 1900, o censo registrou uma
população de 73.474 habitantes na capital gaúcha.
O
conceito de modernidade, no início do século 20, de acordo com a doutrina
positivista, era associado à implantação de indústrias. De acordo com
essa visão, surgiram na capital gaúcha nossas primeiras empresas: a Neugebauer
(1891) - maior e mais antiga fábrica de chocolates do Brasil - a Gerdau (1901)
e a Wallig (1904).
No
ano de 1909, alguns bairros já usufruíam de iluminação elétrica e no centro da
cidade, paulatinamente, desativaram-se os antigos combustores a gás. O
jornalista e escritor Aquiles Porto Alegre (1848-1926), em seu
livro “Através do Passado” (1920), pp. 45-6, narra as
transformações do dia-a-dia da urbe de maneira quase poética, como registra
este trecho de uma das suas crônicas:
“Ao
invés da iluminação azeite de peixe – a luz elétrica, ao invés da maxambomba,
que não matava ninguém – o elétrico e o auto, que como epidemia, estão sempre
fazendo vítimas – eis o que o progresso nos trouxe. É doloroso – mas é
bonito. Não temos mais frades de pau à porta de casa, nem, de pedra às
esquinas. Temos postes telefônicos e de luz elétrica, que nos trazem a casa, de
longe, num relâmpago, a palavra e a luz.”.
Um conjunto de transformações passou a fazer parte da rotina dos
porto-alegrenses: o trem diminuiu as distâncias; os navios a vapor eram mais
seguros e rápidos; o telefone aproximou as pessoas, assim como o
telégrafo. A eletricidade trouxe rapidez nos transportes (bonde) e
iluminou as ruas e as moradias, trazendo conforto e segurança. De acordo com o
relato, em 1905, do viajante Vittorio Buccelli em Transformações Urbanas: Porto
Alegre de Montaury a Loureiro. Catálogo / Museu de Porto Alegre Joaquim
Felizardo, p.25:
“A iluminação é boa e digna de uma cidade
europeia e é feita de todos os sistemas: a gás, a lâmpadas elétricas e a
acetileno”.
No
cotidiano da cidade, o cinema (1896) o automóvel (1906) e o bonde
elétrico (1908) se constituíram em novidades que instigaram a
curiosidade e o fascínio dos porto-alegrenses, ao final do século 19, e
durante o primeiro decênio do século 20.
No
campo da Educação, durante os primeiros anos do século 20, surgiram
tradicionais estabelecimentos de ensino, como Sevigné (1900), Rosário (1904),
Bom Conselho (1905), Nossa Senhora das Dores (1908) e Parobé (1906). Este
último se tornou famoso por seu perfil técnico e profissionalizante.
Criada de acordo com a doutrina positivista, inspirada em Augusto Comte
(1798-1857), no governo de Borges de Medeiros, a Escola Parobé visava a
preparar e a inserir os jovens oriundos de famílias de baixa renda no mercado
de trabalho. Já no campo da educação superior, fundaram-se as primeiras
faculdades: Engenharia (1896), Medicina (1898) e Direito (1900), dando
início à vida acadêmica em Porto Alegre.
Diante
do vertiginoso progresso, principalmente, quanto à criação de indústrias e
estabelecimentos comerciais, o operariado gaúcho começou a organizar-se
politicamente, enquanto classe, buscando melhores condições de vida. O
anarquismo e o socialismo, por meio da pregação ideológica, disputavam, entre
si, a liderança nas lutas sociais para construir uma sociedade mais justa e
igualitária.
Propagador
das ideias marxistas entre os operários locais e criador do jornal socialista
“A Democracia” (1905), Francisco Xavier da Costa (1871-1934) foi primeiro negro
vereador na Câmara da cidade e liderou, com Carlos Cavaco (1878-1961), a
primeira greve geral do Estado, em 1906, fundando a Federação Operária do Rio
Grande do Sul (FORGS) no mesmo período.
Contando
com mais de 5000 operários, a paralisação durou 21 dias e reivindicava a
jornada de oito horas com melhores condições de trabalho. Conforme o
jornalista e pesquisador João Batista Marçal, a figura de Francisco Xavier da
Costa se tornou pioneira na difusão do socialismo nos pampas, ao fundar, em
1897, o Partido Socialista Rio-grandense.
Transcorria
o ano de 1908, quando chegou a Porto Alegre o arquiteto alemão Theo Wiederspahn
(1878-1952) num momento que a economia crescia e nosso Estado era considerado o
terceiro mais importante do Brasil. Com o apoio das classes dominantes, Theo
Wiederspahn (1878-1952) foi o responsável por inúmeras construções que modificaram
a urbe. De 1908 a 1930, ele apresentou 554 projetos documentados, entre os
quais o prédio, hoje, ocupado pelo Museu de Arte Ado Malagoli (MARGS), e o
prédio onde se encontra instalada, desde 1983, a Casa de Cultura Mário Quintana
(CCMQ). No ano de 1909, chegou a Porto Alegre, vindo da França, o arquiteto,
Maurice Gras, que assinou o contrato para a construção do Palácio Piratini.
No
dia 12 de outubro de 1909, ocorreu um marco de modernidade, em Porto Alegre. O
fato aconteceu no antigo Prado do Menino Deus, quando o primeiro avião em Porto
Alegre fez um pouso e, depois, uma decolagem. No tradicional bairro
Menino Deus havia teatro e hipódromo. Considerado um comportamento elegante, o
porto-alegrense tinha o hábito de passear aos domingos, utilizando como
transporte o bonde elétrico. Lá chegando, no Menino Deus, bebia um refresco,
cumprimentava os conhecidos e retornava ao centro da
cidade.
Transcorria
o mês de maio, em 1910, quando um fato atraiu a atenção dos porto-alegrenses:
ao olharem para o céu, observaram o cometa Halley em sua trajetória, trazendo
medo às mentes mais incautas e ingênuas quanto a um possível “fim do
mundo”. No “Ano do Cometa”, quem governava o Rio Grande do Sul era o
médico e político Carlos Barbosa Gonçalves (1851-1933), que foi responsável por
importantes obras, como o Palácio Piratini, Instituto de Belas Artes e o
destacado monumento positivista, que homenageia o líder Julio Prates de Castilhos
(1860-1903) e a propaganda republicana na capital.
Ao
encerrar o primeiro decênio do século 20, foi criada a Escola de Agronomia e
Veterinária, e o Censo Municipal indicava que Porto Alegre tinha 120.227
habitantes e havia 2.294 casas de comércio, 154 fábricas e 149 oficinas.
O
cotidiano da nossa cidade, desde o surgimento do primeiro jornal "O Diário
de Porto Alegre", em 1º de junho de 1827, está impresso nas páginas de
diversos periódicos que o sucederam, fazendo parte da história da nossa
Imprensa local. No livro “Tendências do Jornalismo”, do professor Francisco
Rüdiger, encontra-se a informação de que, no início do século XX, havia 142
periódicos circulando em nosso Estado.
Durante
o Império e também no período republicano, circulavam em Porto Alegre jornais
bastante representativos, como o Jornal do Comércio (1865-1911), A Federação
(1884-1937), A Reforma (1869-1912), Deutsche Zeitung (1861-1917) Correio do
Povo (1895), A Gazetinha (1897-1900) Corymbo (1883- 1943), O Independente
(1900-1923), Petit Journal (1898-1903), Stella d’ Itália (1902-1925), O Exemplo
(1892-1930) – jornal de resistência e luta contra o racismo na capital – e a
Gazeta do Comércio (1901 -1906), entre outros periódicos.
Segundo
o historiador Sérgio da Costa Franco, no seu livro ”Gente e Espaços em Porto
Alegre”, quando finalizou o século 19, o Jornal do
Comércio disputava, com seu rival o Correio do Povo, o título de ser
o periódico de maior tiragem e circulação no Rio Grande do Sul. O mais antigo
jornal a circular, na capital gaúcha, é o Correio do Povo, fundado pelo
sergipano Caldas Júnior (1868-1913), em 1º/10/1895. No interior do Estado, a
primazia é da Gazeta do Alegrete, fundada por Luiz de Freitas Valle,
circulando desde 1º/10/1882.
Atualmente,
há um consenso no campo da historiografia de que os registros jornalísticos de
época são imprescindíveis a quem quiser dissecar a cidade em seus diferentes
aspectos, pela diversidade de temas que os jornais abordam. O valor histórico
da Imprensa, como fonte de pesquisa, foi defendido pelo sociólogo Gilberto
Freyre (1900-1987) que introduziu, em seus estudos, a pesquisa em periódicos,
visando a levantar dados acerca do contexto social e histórico da sociedade
brasileira. O pioneirismo, dessa forma científica de trabalho, remete-nos à sua
figura que registrou em seu livro ”O Escravo nos Anúncios de Jornais
Brasileiros do Século XIX” (1963) na p. 224 :
(...)
”mais do que nos livros de história, nos romances, a história do Brasil do séc.
XIX está nos jornais”.
A
antiga Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, de origem açoriana,
cresceu, desenvolveu-se e segue se reinventando neste mundo globalizado. Ao
lermos o poema “O Mapa” de Mário Quintana (1906-1994), ficamos hipnotizados
diante da forma onírica e apaixonada que o nosso poeta, nascido na cidade
de Alegrete (RS), escreveu sobre a capital de todos os gaúchos.
*Pesquisador
Coordenador do setor de imprensa do Musecom * Porto Alegre /
RS / Brasil
Bibliografia
CONSTANTINO,
Núncia Santoro de. A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre
"Moderna".Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XX, n.2, p.
65-84, 1994.
FRANCO,
Sérgio da Costa, ROZANO Mário (org.) Porto Alegre Ano a Ano/ Uma cronologia
histórica 1732/ 1950. Porto Alegre: Letra & Vida, 2012.
-----------------------
Gente e espaços de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.
------------------------
Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1988.
FLORES,
Hilda A. Hübner (org). RS / Século XX em retrospectiva. Porto Alegre: CIPEL,
2001.
GUIMARAENS
Rafael. Rua da Praia / Um passeio no tempo. Porto Alegre: Libretos, 2010.
MARÇAL
João Batista. A Imprensa Operária do Rio Grande do Sul. (1873-1974). Porto
Alegre: [s.n.], 2004.
Imagens:
1-
José Montaury
2-
Borges de Medeiros
3
- Fábrica da Neugebauer
4
- Francisco Xavier da Costa ( primeiro negro vereador na cidade)
5
Jornal " A Democracia "
6
- Porto Alegre / O Guaíba
7
Porto Alegre ( bico de pena) em 1900
8
Diário de Porto Alegre ( Primeiro jornal / 1827)
9-
Mário Quintana
10-.
Brasão da cidade de POA
1 comentário:
Outros autores, a exemplo de Sérgio da Costa Franco, registram a data de 19 de setembro de 1911 quando a decolou e pousou o primeiro avião em Porto Alegre.
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