Rui Peralta,
Luanda
Duas
faces de uma realidade política (que é sempre multifacetada) são constantes: a
tragédia e a farsa No caso do Brasil a farsa e a tragédia envolveram-se de tal
forma que subverteram a realidade, tornando o facto em delírio. A realidade
metamorfoseou-se, assumiu a sua forma mágica, fantástica, e passou a surreal.
O
golpe foi consumado, como era previsível. O Senado aprovou a admissibilidade da
denúncia contra Dilma Roussef e a presidente brasileira ficará inabilitada até
180 dias, o máximo, para exercer as suas funções. No seu lugar uma dessas
figuras do realismo mágico sul-americano, um verme execrável – durante o dia
assume forma humana, mas durante a noite reassume a sua forma inicial de
rastejante - que exercia o lugar de vice da deposta e que dá pelo nome de
Miguel Temer.
Este
desenlace foi desenhado pela oligarquia brasileira desde que Lula venceu as
primeiras presidenciais e iniciou a sua passagem á ultima fase com a reeleição
de Dilma. A oligarquia desestabilizou o Brasil através dos seus mandatários e
executantes (o termo mais adequado a aplicar é: “jagunços”) nos Poderes
Judicial, Legislativo e Executivo. Foi curioso ouvir os vozeiros da oligarquia
a falarem sobre defesa das liberdades democráticas, da respeitabilidade da
Pátria brasileira e recuperação da estabilidade politica e económica. Quanta
demagogia e populismo baratucho saíram da boca dos corruptos fascistóides que
vociferavam frases feitas e slogans empacotados.
Michel
Temer é um político típico da escola dos conspiradores que conspiram por dá cá
aquela palha e a preço barato. É uma figura castiça (embora temível, é certo,
mas sempre trágico-cómica), um articulador de desarticulações, que tanto serve
para decorar a sala como para bibelot de WC. É um funcionário barato da
Federação das Industrias do Estado de São Paulo e um comissionista da banca e
dos feiticeiros das finanças e da gestão dos fundos de pensões, da
agro-indústria, dos conglomerados da comunicação social, da indústria
farmacêutica, das empresas de segurança e de tudo o que lhe possa render umas
moeditas para ter na carteira.
A
oligarquia conseguiu dar o seu “coup d`etat” brando, colorido, sem utilizar os
jagunços militaristas, apenas com os gerentes das lojas que obedecem cegamente
aos seus administradores, representantes de accionistas, numa escada de
cumplicidades que termina – em território brasileira - na embaixada
norte-americana, por onde segue até á Casa Branca em Washington. Este novo
tipo de ofensiva contra os governos democráticos e legítimos, através de uma
mistura, de uma “sopa de técnicas” de golpes de Estado sem recorrer ao golpe
militar, da utilização da guerra económica para provocar “revoluções primaveris e
coloridas”, golpes em que as baionetas são substituídas pela extrapolação do
Poder Judicial e do Poder legislativo (golpes palacianos) e dos
quase-oligopólios (monopólios fortemente cartelizados e com grande concentração
de capital) da comunicação social.
A
plutocrática classe dominante brasileira desfila as suas ancas no Palácio do
Planalto. Os seus funcionários foram promovidos a ministros de um novo elenco,
que gerou um cenário branco e macho, a dupla superioridade, a racial e a do
género. A superioridade social, essa, demonstra-se na rua e está patente nos
bastões da polícia quando bate nos costados dos cidadãos que exigem o regresso
á normalidade institucional e o regresso ao Poder da sua presidente legítima,
eleita por vontade da soberania popular.
Este
grupo de machos brancos (tal como um bando de cavalos correndo pelas planícies
do Cáucaso) tem um documento escrito onde expõe o seu programa de governo. O
documento chama-se “Uma ponte para o futuro” e o seu principal eixo gira em
torno de um ajuste estrutural que será realizado através da contenção dos
gastos sociais, da contracção salarial, com a flexibilização dos contractos
laborais, com o fim das indexações para os salários, com a redução dos custos
da Educação e da Saúde (para a Educação o PT tinha estabelecido a obrigação de
aplicar 18% das receitas fiscais e para a Saúde 15%), e diversos cortes nos
programas sociais como a “Bolsa Família”, a “Minha Casa Minha Vida”, o
ProUni (universidade para todos), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES),o
Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), a Farmácia Popular,
e outros. Um outro documento indicativo da ideologia dominante deste grupo de
funcionários acéfalos da oligarquia brasileiro é o “Travessia Social”, um
documento onde é explicado como a oligarquia pretende atirar para o mercado o
combate á pobreza e a concepção exclusiva de educação: uma ferramenta para o
aumento da produtividade do trabalho (a oligarquia vê na Educação um centro de
formação de assalariados semiespecializados em qualquer coisa).
Na
rua, nos locais de trabalho, nas escolas e universidades adivinham-se lutas
constantes e persistentes contra este futuro comprometido. Uma ampla
mobilização cidadã superará esta onda revanchista dos oligarcas e seus jagunços
e restabelecerá uma agenda democrática e progressista. O Estado moderno não é
um bloco homogéneo, monolítico, de direcção única, mas sim um campo de batalha,
um espaço de lutas e de equilíbrios instáveis, onde a correlação de forças
define as políticas nacionais. Por isso a porta para o restabelecimento
democrático e institucional que representa o regresso de Dilma á presidência,
está em aberto.
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