Martinho Júnior, Luanda
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– A viagem nocturna entre a base naval de Luanda e o N’Zeto (Ambrizete), foi
feita em mar chão, sem incidentes ou imprevistos.
A
minúscula armada manteve acesas as luzes de sinalização e as lanchas de
desembarque lá seguiram à vista umas das outras e com a linha da costa
perceptível a estibordo.
Logo
pela manhã fizemos a aproximação ao N’Zeto, com proa ao areal e com as unidades
a desembarcar em boa ordem.
A
minha unidade foi a mais ligeira pois só tínhamos na altura a dotação
individual e por isso auxiliou na descarga dos tambores de combustível
transportados pela LDM, enquanto os “Corvos ao Embondeiro” faziam
sair os blindados da LDG.
O
N’Zeto já tinha efectivos angolanos e cubanos chegados por terra que haviam
garantido a testa-de-ponte, efectivos esses que haviam constituído uma linha
circular à volta da localidade, em posições defensivas; só o comando do
dispositivo, a logística e o centro de comunicações estavam instalados na vila.
Algumas
acções de reconhecimento foram sendo feitas em mbos os lados do rio M’Brige,
antes da chegada da minha unidade e dos “Corvos ao Embondeiro”.
Por
isso a minha unidade foi reforçar o cordão defensivo, recebendo alguns velhos
BTR-152 K, armados com uma PKT de 7,62 mm, instalada sobre o tecto da cabine do
veículo.…
Esses
veículos de transporte de tropas eram autênticas “banheiras” com uma
pouco fiável blindagem, difíceis de manobrar em estrada e foram baptizados
pelos efectivos de origem lingala da FNLA (efectivos das Forces Armées
Zaoiroises”), de “calo feiú” (caro feio)…
Preenchemos
um espaço junto a uma unidade de tanques do MININT cubano, equipada com não
menos velhos T-34…
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– Foi assim que tive o primeiro contacto com efectivos cubanos em área
operacional (antes só tivera contacto com os oficiais da superestrutura da
Operação Carlota, que haviam ficado instalados sob guarda da minha unidade na
Ilha Cabeleira, em lugar seguro e próximo do Estado Maior das FAPLA, ao Morro
da Luz); a família Tavira, que vivia no local, havia colocado à disposição as
instalações habitacionais tanto para servir de base camuflada à nossa unidade,
como aos Comandantes cubanos, tudo num ambiente discreto, bem protegido e com
um dispositivo humano envolvente favorável (os habitantes da Kamuxiba eram
praticamente todos aderentes do MPLA)
A
guarnição dos tanques T-34 do MININT cubano, haviam cavado buracos e
trincheiras avançadas, que serviam também de refúgio face à onda de mosquitos
dos capinzais de Ambrizete.
No
final de cada período diurno os cubanos fumegavam as trincheiras e os buracos
com capim e a pouca lenha seca que se conseguia coligir, mas mesmo assim nada
impedia o assalto dos desalmados mosquitos noite dentro.
Já
com os BTR-152 K distribuídos, havíamos recebido lonas de cobertura grandes e
era com elas que, envolvendo os blindados, nos propúnhamos proteger dos
mosquitos, adoptando a improvisada fumigação…
De
pouco ou de nada servia e até mesmo eu, habituado aos mosquitos, sofri com as
hordas de tão implacáveis inimigos., eu acabaram por nos pôr em pulgas para
abandonar definitivamente esse enredo desprezível e partirmos para a manobra
ofensiva que se aizinhva.
9
– Tivemos de esperar alguns dias em Ambrizete nessas condições alucinantes,
pois estava-se à espera duma jangada motorizada para atravessar o rio M’Bridge
com ua parte importante da dotação de blindados disponível para a constituição
de duas colunas: a dos “Corvos ao Embondeiro” que seguiria para
norte, pela estrada do litoral até tomar o Soio e a outra que se internaria em
direcção nordeste até à Casa da Telha, Tomboco e Quiende, na perspectiva de
alcançar M’Banza Congo.
Os
operacionais da Iafeature à medida de sua retirada iam destruindo todas as
pontes na tentativa de impedir o avanço das colunas que mesmo assim acabariam
por tomar a norte todo o território angolano…
…A
estratégia de recuo das FAPLA e do contra ataque que se seguiu com o
desencadear da Operação Carlota, iria resultar em cheio!...
O
tempo de espera permitiu-me ir familiarizando com os cubanos que seguiriam
integrados na coluna onde eu iria participar.
Recordo
um “santiaguero” de nome Basulto, membro do destacamento do MININT
cubano, cujo efectivo era constituído por tropa já entrada nos quarenta anos…
ele não era novato em África, sendo um dos tripulantes de T-34 que iriam partir
para nordeste.
O
seu pescoço apresentava pequenas chagas provocadas pelas picadelas dos
mosquitos e isso apesar das pomadas que foram distribuídas pelos médicos do
contingente cubano.
Depois
de cada calamitosa noite sofrida sob o assalto dos mosquitos, o bom do Basulto
puxava um tambor de 200 litros de combustível para o meio do arvoredo, subia
nele e começava a cantar com voz estridente e de braços abertos, num ritual de
desafio face ao verde nada…
Verifiquei
nessa altura que os velhos T-34 haviam sido recuperados de guerras
desconhecidas (mas que se adivinhavam) em que antes haviam participado; alguns
apresentavam mesmo grandes remendos nas suas blindagens, mal disfarçadas com as
pinturas novas que às pressas teriam sido feitas…
10
– Antes da chegada da jangada motorizada, efectivos das FAPLA haviam
atravessado o M’Bridge e estabelecido um território sob controlo relativamente
precário na margem direita e com acesso à estrada, a fim de assegurar a manobra
da travessia em jangada dos meios pesados das duas colunas.
Quando
tudo estava preparado a travessia foi realizada a coberto da noite, dando
imediato início à progressão té alcançar a fronteira norte.
A
vanguarda da coluna comum foi preenchida pelos “Corvos ao Embondeiro”, com
batedores à frente e eu, no meu BTR-152 K com um efectivo de um pelotão a duas
secções reforçadas com dois morteiros 60mm, dava início na sua peugada à coluna
que a partir do entroncamento da estrada seguiria para nordeste.
No
cruzamento da estrada houve uma escaramuça facilmente vencida pelos “Corvos
ao Embondeiro”, tirando partido da superioridade de meios e da qualidade do
pessoal.
Mesmo
assim, os mercenários e o ELNA haviam feito a implantação de minas na estrada e
o BTR-152 K que seguia à minha frente accionou uma delas… além dos danos
materiais no blindado, houve vários feridos que foram imediatamente evacuados.
A
cena foi filmada por uma equipa da então Televisão Popular de Angola que
integrou a coluna que iria em direcção ao Soio.
11
– Vencido o obstáculo do cruzamento de estradas, a coluna partiu-se em duas e a
que eu integrava derivou em direcção à Casa da Telha.
A
coluna que partiu em direcção a Casa d Telha tinha entre os seus efectivos um
Companhia de Comandos formados pela primeira vez pelas FAPLA, que usavam boina
azul celeste, efectivos esses que fizeram boa ligação à minha unidade,
merecendo nosso catinho, atenção e estímulo.
Com “Alex” a
comandar a minha unidade integrada no conjunto de efectivos das FAPLA, ficou
decidido que eu comandaria em destacamento avançado a vanguarda da coluna
agregando ao BTR-152 K em que eu próprio seguia com meu pelotão, um BRDM 2
tripulado por angolanos e um T-34 tripulado por cubanos… o grosso da coluna
seguiria a uma distância aproximada de 5/10km, com ligação rádio disponível em
tempo real.
No
caso de termos de enfrentar alguma dificuldade na progressão, comunicávamos à
coluna e agiríamos em conformidade com o conjunto de decisões a tomar à altura
das circunstâncias.
Desconhecia-se
até que ponto teríamos pela frente capacidade de combate inimiga, mas a moral
era elevada no nosso pessoal, que estava pronto para tudo desde que saíssemos
do assalto nos capinzais de Ambrizete.
Na
coluna colocou-se o destacamento feminino das FAPLA na retaguarda: sabendo-se
da fraca preparação dos efectivos, pedi que esse destacamento fosse colocado
atrás, a fim de melhor gerir a capacidade operativa existente na frente da
coluna e na pequena vanguarda que passei a comandar.
12
– Depois de algumas horas de marcha preparámo-nos para a entrada na Casa da
Telha, onde poderia haver alguma resistência.
Resolvi
atravessar a povoação numa velocidade moderada e fazendo fogo de exploração a
partir do BTR-152 K, de forma a levantar qualquer tipo de “lebre”…
Eu
próprio peguei em minha G-3 de coronha retráctil e à medida da deslocação ia
fazendo tiro a tiro para zonas de possível camuflagem ou abrigo de efectivos
inimigos que nas proximidades nos pudessem flagelar.
Enquanto
isso a PKT do BTR-152 K, entregue a um bom atirador, fazia fogo esporádico de
proa e à esquerda (o lado do condutor) em cobertura à progressão.
A
tomada da Casa da Telha foi em desfile.
Com
a janela do blindado aberta, fui fazendo fogo tiro-a-tiro, até encontrar já
próximo do fim da povoação, uma casota de folhas de palmeira secas onde me
pareceu ter visto algo a mexer; fiz fogo instantâneo para lá, mas perante meu
espanto saltaram, esvoaçando esbaforidas e cacarejantes, algumas galinhas, pelo
que não pude resistir ao riso face ao insólito da situação…
…À
noite escutaríamos religiosamente as últimas notícias do Angola Combatente, na
voz do Comandante Juju: as gloriosas FAPLA haviam conquistado heroicamente,
depois de intensos combates, a Casa da Telha!
Parámos
3 km fora da Casa da Telha (saída para Tomboco) e montámos imediatamente um
dispositivo improvisado de contenção e emboscada: havia ordens para não se
prosseguir na direcção de Tomboco, pois o comando da operação queria levar tudo
pelo seguro e hesitava por que desconhecia, a capacidade de resposta do
inimigo; a coluna do meio teria de esperar enquanto a ocidente a coluna dos “Corvos
ao Embondeiro” tomava o Soio debaixo duma tempestade, apanhando se
surpresa o inimigo e provocando-lhe baixas e a leste a coluna das FAPLA que
encontrou maior resistência (face ao desvario alucinado do mercenário Callan),
chegava a Maquela do Zombo.
13
– Com o dispositivo de emboscada montado dias depois da tomada da Casa da Telha
surgiu-nos inopinadamente na estrada e no descampado que tínhamos à frente, uma
viatura Unimog pintada da cor camuflada, em estado novo, isolada e em baixa
velocidade, indiciando os receios do seu condutor.
Foi
dada a ordem de abertura de fogo, que foi feita com um tiro de canhão dum T-34,
a que se seguiu a imediata progressão do meu BTR-152 K, do BRDM 2 armado de
metralhadora 14,5mm e do tanque que havia aberto fogo.
Verificou-se
que o efectivo inimigo que seguia no Unimog fugira em debandada, abandonando-o
e a uma carga de armas, explosivos e minas na sua carroceria.
Deduzi
dessa escaramuça três coisas: que o veículo estava ao serviço de sapadores, que
o facto de aparecer isolado e sem qualquer outra cobertura visível indicava que
o inimigo não detinha informação sobre nossa progressão, nem sobre o nosso
potencial e capacidade de fogo, estando a procurar minar as estradas a fim de
desesperadamente retardar o nosso avanço (provavelmente a fim de se
reorganizar), por fim deduzi que era necessário passar a explorar o êxito e não
dar mais tempo a qualquer tipo de resposta do inimigo, muitomenos a oportunidade
para a sua reorganização.
Utilizei
a minha G-3 na tomada do Unimog, apontando e fazendo fogo para locais onde se
poderiam esconder inimigos em fuga e dispersos nas imediações e depois de
verificar que não havia resistência vi que o Unimog pertencia às Forces Armées
Zairoises… fez muito jeito à nossa coluna, pois havia falta de viaturas de
transporte de pessoal e o Unimog vinha mesmo a propósito!
No
regresso ao local do grande alto, Basulto presenteou-nos com café quente feito
no seu tanque e uns goles de bom rum cubano, um cerimonial que manteve quando
por qualquer motivo se parava durante a progressão que seria feita até Tomboco.
14
– Tendo comunicado as minhas deduções ao “Alex”, o comando da operação
entendeu dar luz verde ao nosso avanço em direcção de Tomboco e, logo que
chegou a ordem, partiu-se nessa direcção.
Não
houve qualquer incidente no percurso e nas imediações de Tomboco o dispositivo
de vanguarda fez um alto de forma a aguardar o resto da coluna a fim de se
entrar com todo o peso de fogo na povoação.
Enquanto
se esperava mandei descer o pessoal do meu pelotão e ocupar os dois lados da
estrada, uma secção à esquerda e outra à direita, com um morteiro de 60mm cada,
enquanto o BRDM 2 e o T-34 aguardavam imediatamente atrás.
No
BTR-152 K ficaram o atirador da PKT e o condutor, enquanto eu montava o
dispositivo, e dava ordens nas imediações.
Tirei
partido do traçado da estrada que se apresentava em carrossel terminando em
ligeira subida com vários cotovelos em zig zag seguidos: da minha posição
dominava esses cotovelos e conseguia ter por detrás o sol da tarde, o que
inibia o campo de visão de quem quer que surgisse proveniente de Tomboco.
As
secções estavam instaladas também a propósito: a estrada cortava um outeiro, o
que permitia que o BTR-152 K ficasse abaixo cerca de 10 metros do nível em que
se encontravam as secções apeadas, emboscadas no cpim próximo e prontas para
combate.
Por
fim ordenei: se houvesse algum veículo a sair de Tomboco, seria eu o primeiro a
abrir fogo conjuntamente com a PKT e só depois as secções, mas o fogo deveria
ser dirigido para os lados do(s) veículo(s) e expliquei: era necessário mais
unidades de transporte para alojar o nosso efectivo e logística…
Fotos:
-
Carreira de tiro na ilha Cazanga, com “Alex”, na preparação dos fuzileiros
navais angolanos (Dezembro de 1975 e Janeiro de 1976);
-
Dois protagonistas dos combates pela independência no Museu de História Militar
em Luanda: os Panhard (60 e 90mm) e os BRDM 2;
-
O T-34 que desfilou no dia da Vitória em Moscovo, similar aos que integraram as
colunas de reconquista do território nacional angolano há 40 nos, em 1975/76.
A
consultar de Martinho Júnior:
ANGOLA
– CUBA – “OPERAÇÃO CARLOTA II” – A POSSÍVEL NOVA AJUDA INTERNACIONALISTA CUBANA
EM PROL DA EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E SAÚDE DO POVO ANGOLANO – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/02/angola-cuba-operacao-carlota-ii.html
Prova
de amor rigoroso –
36
anos depois – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/36-anos-depois.html
A
tripla fronteira – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/07/tripla-fronteira.html
Internacionalismo
ignoto – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/06/internacionalismo-ignoto.html
Primeiro
passo para a reconciliação nacional em Angola – http://pagina--um.blogspot.com/2010/12/o-primeiro-passo-para-reconciliacao.html
Cuba:
40 anos com a Operação Carlota – https://www.facebook.com/aspar.nacional/posts/1649543558628004
Consultas
na Net:
Operación
Carlota – http://www.panorama.com.ve/mundo/Cronica-Operacion-Carlota-por-Gabriel-Garcia-Marquez-20151106-0091.html; http://www.ecured.cu/Operaci%C3%B3n_Carlota; http://rubelluspetrinus.com.sapo.pt/carlota.htm
Nace
la Operación Carlota – http://www.granma.cu/granmad/secciones/30_angola/artic01.html
Raúl
Diaz Arguelles – http://www.ecured.cu/Ra%C3%BAl_D%C3%ADaz-_Arg%C3%BCelles_Garc%C3%ADa
Discurso
pronunciado por el Presidente de la República de Cuba Fidel Castro Ruz, en el
acto conmemorativo por el aniversario 30 de la Misión Militar cubana en Angola
y el aniversario 49 del desembarco del Granma, Día de las F AR, el 2 de
diciembre de 2005 – http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/2005/esp/f021205e.html
Cuba
comemora 40 anos de campanha militar em Angola – http://www.africa21online.com/artigo.php?a=17341&e=Pol%C3%ADtica
Angola:
death for war dogs – http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,914277-1,00.html
Juicio
en Luanda contra diez mercenarios británicos – http://elpais.com/diario/1976/06/05/internacional/202773602_850215.html
Coronel
Callan – http://es.wikipedia.org/wiki/Coronel_Callan
1976:
death sentence for mercenaries – http://news.bbc.co.uk/onthisday/hi/dates/stories/june/28/newsid_2520000/2520575.stm
Ofensiva
libertadora do Soio 1976 – http://mbondochape.blogspot.com/2014/06/ofensiva-libertadora-do-soyo-1976.html
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