A
Guiné Equatorial entrou há dois anos na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa. Mas as violações dos direitos humanos continuam a preocupar as
organizações internacionais.
Em
2014, a adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), aprovada na cimeira de Díli, Timor-Leste, a 23 de julho de 2014,
levantou sérias dúvidas não só de países membros, como também de várias
organizações internacionais.
Uma
das condições para a adesão do país à comunidade lusófona era a abolição da
pena de morte. Mas, dois anos depois, corrupção, negócios ilícitos e
favorecimento de uma elite política em detrimento do povo continuam a ser
cartões-de-visita do país e a abolição efetiva da pena de morte apenas uma
promessa.
"[Na
altura da adesão] foram proclamados argumentos para a oportunidade de
construção de um país com direitos humanos, mas, até agora, nada vimos. A Guiné
Equatorial tornou-se um país retencionista, não temos registos de mais
execuções ou da aplicação da pena de morte. No entanto, não a aboliu, conforme
devia ter sido feito. Ela ainda lá está, nas leis", afirma Pedro Neto,
diretor-executivo da secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI).
O
país tem "um péssimo registo em matéria de direitos humanos", resume
João Paulo Batalha, diretor-executivo da organização Transparência e
Integridade - Associação Cívica (TIAC), representante da Transparência
Internacional em Portugal.
"[A
Guiné Equatorial] é internacionalmente vista e reconhecida como um dos países
mais corruptos do mundo, em que uma elite muito pequena, constituída pela
família presidencial e por pessoas próximas, monopoliza todos os recursos
naturais do país e onde o povo vive numa miséria quase absoluta".
Para
João Paulo Batalha, a entrada "de um país onde nem sequer se fala
português" na CPLP coloca em causa o projeto da lusofonia. "A
credibilidade da CPLP ficou totalmente abalada. Ficou claro neste processo que
o que ela fez foi vender a sua legitimidade internacional à Guiné Equatorial,
em troca da abertura de uma porta para negócios naquele país", afirma.
"A
Guiné Equatorial é uma ditadura mal disfarçada de democracia"
Nas
eleições de abril, Teodoro Obiang, que dirige a Guiné Equatorial com mão de
ferro há 37 anos, voltou a ser nomeado para o cargo de Presidente, apesar das
ameaças de boicote e apelos da oposição para que os eleitores não fossem às
urnas.
A
democracia é um dos pilares da CPLP, mas a Guiné Equatorial não se enquadra em
todos os parâmetros de um regime democrático - para João Paulo Batallha, o país
é uma "ditadura mal disfarçada de democracia", onde se vão cumprindo
"farsas, como as farsas eleitorais, para se forjar alguma
legitimidade". O diretor da TIAC considera que estas questões não deveriam
enganar observadores atentos, como deveria ser a CPLP.
"É
uma obrigação dos países que fazem parte desta comunidade […] não serem
complacentes com fraudes eleitorais e com a construção de um Estado com a
aparência de uma democracia, mas que se distingue pela violação reiterada dos
direitos humanos, pela opressão do seu próprio povo e por indicadores de
corrupção que são assustadores a nível internacional", diz.
O
que mudou em dois anos?
Quando
questionado sobre o caminho que ainda falta percorrer para que a Guiné
Equatorial partilhe dos valores da CPLP, Pedro Neto considera que "o que é
importante ainda está por fazer".
"Os
desalojamentos forçados, os desaparecimentos forçados, tortura, prisões
arbitrárias - tudo isso continua. E é inadmissível que um país da CPLP esteja
nesta comunidade e não tenha estas questões resolvidas em pleno", diz o
diretor da AI.
Neto
recorda que a CPLP prometeu ser um elemento de mudança no país, mas que pouco
ou nada mudou.
"O
argumento de que [a entrada na CPLP] era uma oportunidade de mudança na Guiné
Equatorial não se está a cumprir, dois anos depois. A CPLP está a perder a oportunidade
de ser integradora para a mudança", afirma. "Fazemos um apelo para
que cumpra aquilo que argumentou e que ajude e intervenha no sentido da
transformação, para que haja um país mais favorável aos direitos humanos e onde
eles se vivam em plenitude."
Ao
mesmo tempo em que a Guiné Equatorial se distancia dos valores que estão na
carta fundadora da CPLP, escrita há 20 anos, Malabo aproxima-se de outros
valores partilhados entre líderes dos países da comunidade, comenta o diretor
executivo da TAIC, João Paulo Batalha: "O problema é que são valores de
negócio e de ganância, de corrupção e de complacência com a violação dos
direitos humanos".
"A
CPLP sempre teve problemas de falta de meios e de uma missão suficientemente
clara", algo que terá permitido "uma fragilização da organização e
dos seus princípios", que resultaram na admissão da Guiné Equatorial,
conclui.
"A
cumprir o roteiro"
O
país diz, porém, que está "a cumprir o roteiro" de adesão à CPLP. O
representante da missão permanente da Guiné Equatorial junto da organização,
Tito Mba Ada, assegurou que o país deu "passos gigantescos" no ensino
do português, começando a transmitir telejornais em português e criando
programas para ensinar a língua a crianças.
Além
disso, segundo Tito Mba Ada, o Governo de Malabo "deveria ser aplaudido
por ter sido capaz de aplicar um compromisso" como a abolição da pena de
morte.
"Desde
o nosso compromisso público, em 2014, não houve nenhuma condenação à pena de
morte nem nenhuma execução. Isto significa que não existe pena de morte na
Guiné Equatorial", explicou o diplomata em entrevista à agência de
notícias Lusa.
O
secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, acredita que, até novembro, a
Guiné Equatorial abolirá a pena de morte, a tempo da próxima cimeira da
organização, no Brasil. A medida já foi aprovada nas duas câmaras do
Parlamento, aguardando apenas a ratificação do chefe de Estado.
"É
nossa obrigação e nosso dever apoiá-los na integração", afirmou Murargy à
Lusa. "Já são membros comunitários e não podemos assumir atitudes de
rejeição."
Vanessa
Raminhos / Lusa – Deutsche Welle
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