Se
fossemos cidadãos norte-americanos, éramos mesmo obrigados a votar num destes
dois candidatos? A resposta é simples: não. Por Rafael Pinheiro.
Se
é verdade que não podemos dizer que é indiferente termos Trump, um xenófobo e
lunático de Extrema-Direita, ou Hillary Clinton, a corporativista que votou a
favor da Guerra do Iraque e que recebeu doações para a sua campanha da
Indústria Petrolífera e da Goldman Sachs, sentados no trono da Casa Branca, é
também verdade que a única dialética em favor de Clinton é a do mal menor.
É
evidente que nunca houve eleições presidenciais em que os dois maiores
candidatos fossem tão impopulares. Se fossemos cidadãos norte-americanos,
éramos mesmo obrigados a votar num destes dois candidatos? A resposta é
simples: não. Mais complicado de responder é à pergunta sobre porque é que
quase nunca é publicamente reconhecida a existência de partidos e de
candidaturas alternativas. A resposta a esta interrogação passa por vários
fatores: o facto de haverem múltiplos aspetos das eleições norte-americanas que
pendem flagrantemente para a fraude e o facto de que o “establishment”, o
círculo de poder da burguesia norte-americana, só pode ser mantido através de
presidências que sejam fantoches de certos interesses capitalistas e que variam,
portanto, entre imperialismo mais agressivo ou imperialismo ligeiramente menos
agressivo, conforme o Presidente sentado na Sala Oval da Casa Branca seja
Republicano ou Democrata.
Um
facto claro é que, com exceção do Libertarian Party de Gary Johnson,
todos os restantes partidos que são esquecidos e ignorados pelo público
norte-americano são partidos à Esquerda dos Democratas e dos Republicanos. Para
a elite burguesa a Esquerda é uma coisa perigosa e é, portanto, necessário
fazer com que o eleitorado ignore a sua existência ou que tenha receio da
alternativa política e isso faz-se manipulando a opinião pública recorrendo aos
Órgãos de Comunicação Social mais importantes. A dependência e sujeição ao
capital, por parte dos jornalistas, leva a especificidades como o facto de as
direcções e principais figuras de fontes de informação como a CNN, a ABC News,
a Fox News, o Washington Post e o New York Times terem ligações claras aos dois
partidos do establishment. Esta promiscuidade já foi flagrantemente
evidenciada no passado, quando, por exemplo, John Ellis, primo de George W.
Bush e, na altura, consultor da Fox News, levou o canal a dar prematuramente a
vitória ao republicano em 2000 mesmo perante as óbvias evidências da provável
vitória de Al Gore, algo que foi mais tarde explorado no documentário
“Fahrenheit 9\11,” de Michael Moore. A manipulação de informação leva alguns a
crer que apenas existem democratas e republicanos ou que estes são os únicos
politicamente credíveis. A Esquerda, nos raros momentos em que é sequer
mencionada, é trucidada pelos media, como aconteceu tantas vezes com Bernie
Sanders, o candidato anti-establishment, determinado em quebrar a
hegemonia mantida pelos bilionários que, desde sempre, têm arranjado
indiretamente formas de comprar as eleições norte-americanas e de fazer vingar
os seus interesses privados. Face à cobertura mediática, as alternativas aos
dois maiores partidos mal parecem sequer existir.
Outra
circunstância que indicia o enviesamento dos resultado eleitorais nos EUA é o facto
de o historial de supressão de votos ser já longo. Tento em conta que a
legislação e burocracia eleitorais variam de Estado para Estado e de época para
época, existem vários Estados norte-americanos em que indivíduos que tenham
cadastro criminal são, por lei, desprovidos do direito de votar. Num país em
que a esmagadora maioria das forças policiais e dos profissionais judiciais,
para além de agirem com arbitrariedade, são claramente xenófobos e com leis
abusivas no que diz respeito ao consumo de drogas, que colocam na cadeia quem
seja apanhado a consumir mesmo que apenas uma única vez na vida, isto significa
que, em alguns Estados, um em cada quatro afro-americanos estão impedidos de
exercer direitos políticos, continuando, parcialmente, a supressão de votos
contra a qual o Movimento de Direitos Civis lutou na década de 60. Para além
disto, já houve situações curiosas a resultar de alterações súbitas e ambíguas
da burocracia eleitoral, juntamente com a falta de informação. Durante as
primárias do Partido Democrata e do duelo de Sanders contra Clinton, o que se
verificou foi que o socialista conseguia, na maioria dos Estados, por volta de
70% dos votos dos eleitores independentes, tendo Sanders sido um bem-sucedido
político independente durante quase toda a sua carreira política e só
recentemente ter aderido ao Partido Democrata. No entanto, em Estados como o de
Nova Iorque, depois de terem comparecido e esperado nas longas filas para
poderem exercer o seu voto, os eleitores independentes descobriram que para
poderem votar teriam de estar filiados ou no Partido Democrata ou no Partido
Republicano ou que teriam de se ter registado como eleitores com antecedência,
informação que não circulou previamente. Todas estas especificidades do sistema
eleitoral norte-americano jogam a favor do establishment burguês
mantido pelo bipartidarismo, dançando com a fraude eleitoral e com contornos
que nos podem levar a questionar se os EUA são mesmo uma Democracia.
A
verdade é que existe uma verdadeira alternativa de Esquerda, uma possível tábua
de salvação: O Partido Verde (Green Party), que é ignorado pela maioria do
público devido à cacofonia feita pela Comunicação Social em torno dos dois
partidos do costume. Há quem ignore a existência deste partido e a candidatura
da respetiva nomeada, a ativista Jill Stein. O Green Party foi
fundado em 2001 e tem feito a sua bandeira lutando por causas como a justiça
social, a igualdade de género, os direitos LGBT, o ambientalismo, contra o
esmagamento da classe trabalhadora promovido pelo imperialismo neoliberal, pela
extinção da violência policial e pelo fim da descriminação racial. É
considerado, sobretudo, um partido de Esquerda e a sua ideologia é definida
como Eco-Socialismo. Entre as suas causas também podemos encontrar a defesa de
uma transição completa para as “Energias Verdes”, as energias renováveis e
sustentáveis, e a abolição imediata e total de todas as dívidas contraídas
pelos norte-americanos na sequência da procura de financiamento para
frequentarem a Universidade, que tem sido uma das mais fortes bandeiras da
candidatura de Jill Stein. Nos EUA, quem não for bolseiro ou milionário não tem
praticamente recursos para pagar o exorbitante e absurdo valor das propinas,
daí a já longa polémica quanto às dívidas estudantis que alguns ficam forçados
a pagar o resto da vida e que são contraídas por muitos jovens para que possam
estudar, gerando receitas imorais para o setor bancário.
Há
condições que nos podem fazer concluir que a conjuntura nunca foi tão favorável
ao Green Party, apesar de uma possibilidade de vitória ser ainda um
sonho remoto. Há muitos eleitores da recentemente fundada fação de Esquerda do
partido Democrata, catalisada pela insurreição contra o establishment promovida
por Bernie Sanders, que se recusam a apoiar Hillary Clinton e que questionam a
nomeação da candidata perante as ambiguidades dúbias do processo eleitoral e as
mentiras sobre Sanders que a sua campanha difundiu. Para além disto, temos
ainda os múltiplos emails que circularam entre os dirigentes do Partido
Democrata e que foram disponibilizados ao público pela Wikileaks, que confirmam
o objetivo prévio de sabotagem da campanha de Sanders a qualquer custo,
acontecimento na sequência do qual a presidente do partido, Debbie Wasserman,
se demitiu do cargo. Entre o eleitorado descontente de Sanders, a expressão de
ordem era “Bernie or bust”. A verdade é que, depois da desilusão do endorsement de
Sanders a Clinton, Jill Stein anunciou oficialmente, na sua página de Facebook,
que o seu número de apoiantes, traduzido também em doações para a campanha,
explodiu e aumentou drasticamente, dando-lhe novo fôlego, o que indicia que
será, provavelmente, nesta candidata que a maioria dos apoiantes de Sanders irá,
realmente, votar.
Há
obviamente, uma grande oposição dos media em abafar esta candidatura
alternativa. Recentemente, o humorista John Oliver, num dos seus programas,
aproveitou a abordagem ao tema dos partidos alternativos para fazer um ataque
acérrimo a Jill Stein e à sua promessa de cancelar as dívidas estudantis,
enumerando aos espectadores razões pelas quais seria inviável votarem neste
movimento político alternativo. Este ataque teve aspetos que soaram a
hipocrisia e foram contraditórios com os programas anteriores do humorista, em
que tem frequentemente denunciado os problemas do sistema político e social
norte-americano, tendo sido o segmento mais forçado de John Oliver até hoje. A
verdade é que a Time Warner, o conglomerado empresarial que detém a HBO, onde o
programa de Oliver é transmitido, é uma dos principais contribuintes para a
campanha de Hillary Clinton. De acordo com o OpenSecrets.Org, a empresa terá
doado cerca de 812.406 dólares para a campanha da candidata democrata.
Um dos principais obstáculos do Green
Party tem sido, claramente, o facto de ver o acesso aos debates
presidenciais vedado, sendo, então, anulada a visibilidade e o impacto que o
partido poderia ter na opinião pública e no eleitorado. Com as regras atuais,
apenas o Partido Democrata e o Partido Republicano podem participar nos debates
presidenciais e o Green Partynem aparece no boletim de voto em todos os
Estados. Tais especificidades resultam das regras impostas pela Comissão para
os Debates Presidenciais, uma organização sem fins lucrativos gerida pela
administração bicéfala do Partido Democrata e do Partido Republicano,
funcionando graças a donativos de empresas e de organizações privadas que
acabam por ter ligações a estes mesmos dois partidos. As regras atuais foram
estabelecidas com o objetivo reconhecido de impedir a participação de partidos
alternativos nos debates presidenciais, anulando o destaque social e mediático
que poderiam vir a ter. Curiosamente, há sondagens que concluem que 50% dos
norte-americanos não se identificam nem com o Partido Democrata nem com o
Partido Republicano, mas nem isso tem sido suficiente para abrir os debates
presidenciais a outros candidatos. A Comissão para os Debates Presidenciais foi
fundada em 1988 e no ano seguinte a Liga das Mulheres Votantes (League of Women
Voters), uma organização que existe desde 1920, anunciou a rutura com esta
comissão, afirmando que o seu objetivo era o de perpetuar a fraude eleitoral
entre os cidadãos norte-americanos. Esta comissão não existe, portanto, sem
polémica. Em 2012, Jill Stein e Cheri Honkala, na altura nomeada como
vice-presidente para a candidatura do Green Party, foram presas por
tentarem aceder ao segundo debate presidencial, em Hempstead, Nova Iorque, e
foram levadas para um armazém no qual ficaram algemadas a cadeiras durante oito
horas até a polícia as libertar.
O
bipartidarismo não é saudável em nenhuma democracia a sério e, para se apoiar
verdadeiramente a classe trabalhadora, é preciso que os EUA quebrem com o
sistema atual. Como disse Cynthia McKinney, a candidata a presidente pelo Green
Party em 2008, “os EUA têm mais a oferecer ao mundo do que bombas, mísseis
e tecnologia militar”. O que é preciso é uma insurreição que mine a liderança
atual do establishment burguês para que o mundo possa finalmente
descobrir isso. O Green Party e Jill Stein, pela sua determinação em
apoiar a classe trabalhadora, podem ser uma parte importante dessa mudança.
Artigo
de Rafael Pinheiro – Esquerda.net
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