Wallerstein
avisa: tornou-se impossível recompor o sistema. As crises, cada vez mais
intensas e onipresentes, indicam: virá algo muito melhor ou muito pior. É aí
que podemos intervir
Immanuel
Wallerstein – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
Os
estudiosos da economia global estão lidando com algo que têm dificuldades de
explicar. Por que os preços das ações continuam subindo, quando algo chamado
“crescimento” estagnou? Na teoria econômica hegemônica, não deveria ser assim.
Se não há crescimento, os preços de mercado deveriam cair, o que estimularia o
crescimento. Quando este se recuperasse, os preços de mercado subiriam de novo.
Os
que acreditam nesta teoria dizem que a anomalia é uma aberração momentânea.
Alguns inclusive negam que seja real. Mas outros consideram a anomalia um
importante desafio à teoria mainstream.Buscam rever a teoria para levar em
conta o que é chamado agora de “estagnação secular”. Entre os críticos estão
pensadores como Amarya Sen, Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Stephen Roach.
Embora
cada um deste pensadores tenha uma linha de argumentação distinta, eles
compartilham certas ideias. Todos acreditam que as políticas estatais têm um
amplo impacto sobre a realidade. Todos acreditam que a situação atual não é
saudável para a economia como um todo e contribuiu para um aumento
significativo das desigualdades de renda. Todos acreditam que deveriam tentar
mobilizar a opinião pública para pressionar os governos a agir de forma
diferente. E todos acreditam que, ainda que a situação presente – anômala e não
saudável – possa estender-se por algum tempo, existem políticas estatais
apropriadas que tornarão possível voltar a uma economia menos desigual e malsã.
Em
resumo – e é sobre isso que quero argumentar – nenhum dos críticos está pronto
a dar um passo adiante e aceitar o argumento segundo o qual o sistema
capitalista como tal entrou numa fase de declínio inevitável. Significa que não
há mais políticas governamentais capazes de restaurar o funcionamento do
capitalismo como sistema viável.
Não
muito tempo atrás, “estagnação secular” era um termo usado por muitos analistas
para descrever, primariamente, o estado da economia japonesa a partir do início
dos anos 1990. Mas desde 2008, o uso do conceito foi ampliado para diversas
áreas – membros da zona do euro como a Grécia, Itália e Irlanda; países
produtores de petróleo como a Rússia, a Venezuela e o Brasil; há pouco, também
os Estados Unidos; e, potencialmente, economias antes fortes, como as da China
e Alemanha.
Um
dos problemas enfrentados por aqueles que tentam compreender o que se passa é
que distintos analistas usam distintas geografias e calendários. Alguns
enxergam a situação país por país, enquanto outros tentam considerar a
economia-mundo como um todo. Alguns veem o início da “estagnação secular” em
2008, outros nos anos 1990, outros no final dos 1960 e alguns ainda antes.
Quero
propor novamente outra maneira de enxergar a “estagnação secular”. A
economia-mundo capitalista existe em partes do globo desde o século 16. Chamo a
isso de sistema-mundo moderno. Ele expandiu-se geograficamente de maneira
estável, até finalmente abranger todo o planeta desde meados do século 19. Foi
muito bem sucedido nos termos de seu princípio orientador, a acumulação
infinita de capital. Ou seja, acumular capital com o fim de acumular ainda mais
capital.
O
sistema-mundo moderno, como todos os sistemas, flutua. Também dispõe de
mecanismos que limitam as flutuações e o empurram novamente para o equilíbrio.
É como um ciclo de altas e baixas. O único problema é que as baixas nunca
voltam ao limite inferior de antes, mas para algum ponto acima. Isso ocorre
porque, no padrão institucional complexo, há resistência para cair até o fim. A
forma real do ritmo cíclico é a de dois passos adiante e um atrás. O ponto de
equilíbrio, portanto, move-se. Além dos ritmos cíclicos, há as tendências
seculares.
Quando
se examina a abscissa das
tendências, percebe-se que elas movem-se em direção a uma assíntota de 100% –
que, evidentemente, não podem ultrapassar. Em algum lugar antes desse ponto
(digamos, em torno dos 80%), as curvas começam a flutuar de modo selvagem. Este
é o sinal de que nos movemos até a crise estrutural do sistema. Ele bifurca-se
num sinal de que há duas formas distintas, quase opostas, de construir um
sistema sucessor. A única coisa impossível é fazer com que o sistema atual
volte a operar no modo normal anterior.
Enquanto
antes daquele ponto grandes esforços para transformar o sistema resultavam em
pequenas mudanças, agora o oposto é verdadeiro. Cada pequeno esforço para mudar
o sistema tem grande impacto. Minha opinião é que o sistema-mundo moderno
entrou nesta crise estrutural por volta de 1970 e permanecerá assim por mais
vinte a quarenta anos. Se queremos promover ação efetiva, precisamos levar em
conta duas temporalidades distintas: o curto prazo (três anos, no máximo) e o
médio prazo.
No
curto prazo, o que podemos fazer é minimizar a dor daqueles que são afetados de
modo mais cruel pela crescente desigualdade e concentração de riquezas. As
pessoas de carne e osso vivem no curto prazo e precisam de algum alívio
imediato. Tais medidas, porém, não mudarão o sistema. As mudanças podem vir no
médio prazo. Elas têm capacidade de permitir que um ou outro tipo de sistema
sucessor do capitalismo obtenha força suficiente para mover a bifurcação a seu
favor.
Aqui
está o problema de não ir longe o bastante nas análises críticas do sistema. É
preciso compreender claramente que não há como sair da estagnação duradoura
para reunir as forças necessárias a vencer a luta moral e política. Um dos
lados da bifurcação leva a substituir o capitalismo por outro sistema que será
tão ruim ou pior, ao manter as características cruciais de hierarquia,
exploração e polarização. O outro lado busca um novo sistema, que será
relativamente igualitário e relativamente democrático.
Nos
próximos anos, haverá melhoras que parecerão indicar que o sistema está funcionando
de novo. Mesmo o nível geral de emprego, o indicador chave do estado do
sistema, poderá subir. Mas esta alta não poderá durar muito, porque a situação
global é caótica demais. E o caos paralisa tanto empreendedores poderosos
quanto gente comum: não podem arriscar o capital que lhes sobra, porque isso os
exporia a perder sua condição de sobrevivência.
Estamos
numa corrida selvagem e extremamente árida. Para agir de modo inteligente,
clareza de análise é o primeiro requisito, seguido por escolha moral e
julgamento político. A questão crucial é que passamos do ponto em que haveria
alguma saída para a sobrevivência do capitalismo como sistema histórico.