António
Garcia Pereira – Jornal Tornado, opinião
Voltando
a falar-se acerca da Justiça (nomeadamente em programas televisivos, fóruns
radiofónicos e até em mensagens presidenciais), eis que praticamente se refere
apenas a questão da necessidade da sua rapidez ou celeridade
E
é verdade que se impõe que a Justiça seja efectivamente célere, sob pena de, se
e quando ela finalmente chega, já não ter praticamente nenhum efeito. Impõe-se
então e em particular falar (da necessidade) de celeridade quando se trata de
processos penais como os do Grupo Espírito Santo, do BPN, do BCP, do
Portuscale, dos submarinos, da Operação Furacão, dos swaps, etc., etc., onde,
sempre sob a habitual lengalenga de “falta de meios”, os respectivos autos se
arrastam, as provas se diluem ou desaparecem e não raramente os próprios
procedimentos criminais prescrevem. Isto quando, relativamente aos
pilha-galinhas e deserdados da sociedade, é ir aos Tribunais Criminais e
verificar como, nesses casos, a Justiça funciona, e com mão rápida e pesada!…
Como
se impõe também falar, e com indignada veemência, de celeridade quando um
Tribunal Cível leva 15 (!?) anos a declarar aos familiares de uma das vítimas
do (sempre mal esclarecido) naufrágio do navio de pesca Bolama que o Tribunal
onde eles teriam intentado a acção de indemnização não seria o competente e,
por isso, os respectivos direitos indemnizatórios se teriam extinto por
prescrição.
Como
igualmente importa falar de celeridade a propósito dos Tribunais de Comércio,
onde correm os processos de insolvência que, as mais das vezes, após a 1ª
assembleia de credores, se arrastam durante 5, 6 ou mais anos, com os
respectivos administradores de insolvência (alguns dos quais são
Administradores às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras e Advogados às 3ªs, 5ªs e Sábados…) a
serem principescamente pagos enquanto os credores, a começar pelos credores
trabalhadores, não vêem um tostão dos seus créditos. Ou, já agora, a propósito
do autêntico escândalo que são os Tribunais Administrativos e Fiscais, onde
acções de impugnação de toda a sorte de actos ilegais da Administração Pública
se arrastam, como sucede no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa,
durante perto de uma década, conferindo à dita Administração Pública, seus
órgãos e agentes, um totalmente inaceitável (mas assim perfeitamente
justificado) sentimento de impunidade!
A
propósito deste tipo de casos impõe-se, aí sim, discutir a falta de celeridade
da Justiça e, mais do que isso, as reais razões dela. Por exemplo, por que é
que enquanto a Polícia arromba célere e eficazmente portas de habitações,
inclusive com cobertura televisiva em directo, em bairros populares como os da
Quinta do Mocho ou da Belavista, já leva todavia um ano (um ano!?) a fazer
buscas na casa de Ricardo Salgado na Quinta da Marinha (e à espera de encontrar
lá o quê?…).
Há
porém uma jurisdição em que, sob a capa dessa (à partida, legítima) preocupação
da celeridade, o que se está é a entrar no domínio do verdadeiramente
patológico, com a única preocupação de “aviar” julgamentos e de “tirar
processos de cima das secretárias” dos juízes, e essa é a importantíssima
jurisdição laboral.
Tribunais
do Trabalho
Importa
assim denunciar que nos Tribunais do Trabalho, em particular nos dos grandes
centros urbanos, e mais em especial ainda no Juízo do Trabalho de Lisboa, o que
hoje largamente predomina é o “andar para diante” de qualquer forma, mesmo que
com grave prejuízo para a correcta e integral averiguação da verdade dos factos
e para a decisão madura e reflectida dos problemas mais complexos e
controvertidos.
Chega-se
ao despautério de querer realizar num só dia julgamentos com duas dezenas de
pessoas a inquirir, de indeferir todas as diligências de prova (como inspecções
aos locais ou requisição de informações ou de documentos) que, embora de enorme
relevância para a descoberta da verdade, atrasam o calendário das diligências
que, para se ficar bem visto pelos inspectores do Conselho Superior da
Magistratura, se têm de levar a cabo naquele concreto período de tempo. Ou até,
e sob o pretexto de não se permitirem adiamentos de julgamentos, de tratar de
impor a sua realização mesmo sem estarem ainda no processo elementos
importantes de prova, como por exemplo documentos com os quais os Advogados das
partes pretendem – como é seu legítimo direito, para não dizer basilar dever
deontológico – confrontar depoentes e testemunhas.
É,
pois, o “vale tudo” estatístico que, naturalmente, prejudica no essencial a
parte mais fraca do conflito, ou seja, os trabalhadores. E que força, de forma
completamente ilegítima e de par com as custas judiciais exorbitantes, os
acordos a qualquer preço, numa lógica pior que a dos velhos Tribunais do
Trabalho do corporativismo.
E
é por isso mesmo que o discurso institucional e a “verdade” oficial do elogio à
baixa do número de processos pendentes nos Tribunais do Trabalho e à elevação
da velocidade do seu desfecho não significam de todo que tenhamos em tais
Tribunais uma Justiça mais justa. Bem antes pelo contrário!…
É
caso, pois, para dizer, sobretudo na jurisdição laboral: Justiça célere, sim; mas
Justiça acelerada, não, e muito menos Justiça celerada!
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