quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ACORDAR O HOMEM ANGOLANO!


Martinho Júnior | Luanda

DOS TEUS OLHOS DE TERRA,
AMOR,
SEI NÃO SÓ QUE ME CONTEMPLAS,
SEI QUE TUA FORÇA FLUI
E ME PÕE DE PÉ,
PARA TRANSMITIR EM PROFUNDO RESPEITO
PARA COM A MÃE TERRA,
QUÃO FIÁVEL
E DIGNA
E SAUDÁVEL
É A FORÇA E A ENERGIA
QUE EMERGE DA NATUREZA!

Foi bem escolhida a Matala para acolher a comemoração central do 42º aniversário da independência nacional de Angola, pode-se considerar mesmo que foi um simbólico acto de soberania com múltiplas mensagens construtivas, desde logo em função dessa escolha que me parece ter sido criteriosa!

Há mensagens que se reportam ao passado e ao presente, com os olhos postos no futuro, que transmitem uma sensação de coerência, de clarividência, de equilíbrio e de rumo e esta é decididamente uma delas.

A coerência e a clarividência residem sobretudo na escolha se pensarmos as lições que nos chegam dum passado próximo: a Matala, à beira Cunene, é um produto da história de enlaces entre o colonialismo português e o “apartheid” e o expoente mais evidente do plano do Cunene que se iniciou sobre os auspícios do Exercício ALCORA, o Tratado secreto do fascismo na África Austral!

Foi criada para ser um colonato para migrações aferidas aos interesses do colonialismo e do “apartheid”, em reforço das conjunturas típicas do triângulo do litoral e nas proximidades a sul da região central das grandes nascentes e por isso teve uma gestação que corresponde a uma visão geoestratégica em relação à qual o movimento de libertação tem a obrigação ética, moral e cívica de saber resgatar, por que foi em função do movimento de libertação e dos riscos que ele representava para o colonialismo e o“apartheid”, que esses enlaces fascistas foram construídos no passado e derrotados…

…E saber resgatar, não é mais com a força das armas, mas com a frutificação da paz enquanto matriz original de todo o progresso que o homem angolano, livre e independente, pode tornar possível, com a avaliação equilibrada, mas rigorosa, das capacidades instaladas naquele fluxo de vida que é o rio Cunene e ali onde as possibilidades de se dar um salto para a diversificação económica, são por demais evidentes.

O homem angolano e refiro-me agora ao presente, tem a obrigação de conferir à resgatada estrutura do colonato da Matala, o sentido patriótico de sua própria criatividade e responsabilidade em prol da independência e soberania e para esse efeito não deve esconder nem suas limitações, nem suas insuficiências, nem suas incapacidades: deve ser transparente e íntegro e chamar a si capacidades investigativas e científicas para superar o estágio de sabedoria em que se encontra, salvando-se do obscurantismo, da ignorância, do analfabetismo e do “endémico” (?) improviso!

A Matala hoje é mesmo um desafio, pois balancear o passado sem qualquer receio de encarar suas sombras, assumindo humildemente o presente, é perspectivar o futuro como ele nunca foi antes perspectivado pelo povo angolano e assim consolidar-se o rumo que se propicia desde a independência e no âmbito do exercício da própria soberania!

O futuro é por isso ainda mais exigente, se levarmos em consideração o respeito que a Mãe Terra deve merecer ao homem e o amor rigoroso que o homem deve ter para com a natureza numa altura em que as alterações climáticas, em parte provocadas pelo próprio homem, têm enormes implicações de segurança em relação a todas as perspectivas de futuro.

O discurso do camarada Presidente João Lourenço deixou em aberto essa perspectiva, muito embora ela deva ser um fundamento essencial e não subjacente!

Explico: a minha preocupação fundamentada sobre a premente necessidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, antes de mais implicando o homem angolano no controlo planificado das principais nascentes e recursos de água do país, dos aquíferos subterrâneos e dos fenómenos ambientais decorrentes, tendo em atenção a chave que é a região central das grandes nascentes e a necessidade de se criar uma cultura inteligente, com base na investigação, nas ciências e nas responsabilidades de segurança, têm sido expostas e socorrem o simbolismo deste exercício comemorativo na Matala!

A questão é desprendermo-nos da visão economicista do presente, que deliberadamente tem sido induzida a partir do exterior no âmbito dos impactos da própria terapia neoliberal e passarmos em definitivo para uma alargada plataforma geoestratégica, intimamente integrada na fortificação da identidade nacional, a fim de não se ficar só pelos próximos cinco anos, nem pelo que se realizou desde 2002 até hoje, antes conferir todas as potencialidades de nosso rumo comum de angolanidade, projectando-as para um futuro de séculos, o que nos obriga desde logo a aproximarmo-nos das fontes da água interior e as encararmos com a responsabilidade que merecem as gerações futuras!

Desde o passo da Matala, tenhamos a coragem de subir rio Cunene acima, ir-se até às suas três fontes, cabeças de sua água vital que fazem parte da região central das grandes nascentes e a partir delas, estudando-as, investigando-as, controlando-as sob o ponto de vista ambiental e de gestão saudável de suas águas e produzindo conhecimento científico, fazer brotar a indispensável cultura de inteligência em benefício de todo o povo angolano e sobretudo das futuras gerações!

O homem não pode mais estar à mercê das secas e para isso o conhecimento sobre as fontes dos rios, a água subterrânea, o estudo dos fenómenos ambientais e climáticos, assim como a antropologia de relacionamentos que tem com tudo isso em função do espaço físico geográfico, é todo um enorme conhecimento a resgatar durante os próximos séculos!

No Cunene, na Huila e no Namibe é tanto mais urgente quanto a distracção humana pode levar que o deserto do Namibe alastre cada vez mais para norte e comece um dia a disputar a própria região central das grandes nascentes!

Haverá forma mais segura de se perspectivar identidade nacional, desenvolvimento e um futuro com garantias de segurança para as próximas gerações?

Martinho Júnior - Luanda, 12 de Novembro de 2017.

Ilustrações:
Barragem de Calueque (para produção de energia para a Namíbia);

A consultar:
Discurso do camarada Presidente João Lourenço, na Matala, a 11 de Novembro de 2017, durante o acto comemorativo do 42º aniversário da independência nacional – http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2017/10/45/Integra-discurso-Presidente-Republica,d759edde-4e6c-4118-b510-75c011adea44.html

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