Um estudo publicado pelo
Instituto Universitário de Lisboa reafirma a existência de racismo nas escolas
portuguesas. Especialista recomenda programas de apoio específicos para lidar
com problema do sistema educacional.
A falta de oportunidades e as
desigualdades sociais têm contribuído para o insucesso escolar dos estudantes
oriundos das antigas colónias portuguesas em África, alertam académicos em
Portugal. Um relatório apresentado recentemente em Lisboa reafirma a existência
de racismo institucional em Portugal, mais especificamente nas escolas
portuguesas.
Na Escola Básica Nun' Álvares, no
concelho do Seixal, estudam alunos de várias nacionalidades, incluindo
afrodescendentes. Entre eles está Marta, natural de Angola, a estudar no sétimo
ano do ensino básico. "Às vezes funciona como deve ser, às vezes não, porque
há muitas lutas. Há muitos problemas nesta escola. Aqui há caso de alunos com
muitas dificuldades. Não sabem ler bem nem escrever", descreve.
Este estabelecimento de ensino
acolhe alunos com múltiplas dificuldades, não só a português e a matemática. É
sede de um agrupamento escolar, na Margem Sul do Tejo, e integra a rede de
escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), programa que
desenvolve projetos de inclusão que visam o sucesso educativo. Um dos objetivos
é combater o abandono escolar e as saídas precoces do sistema educativo.
Educação profissional: uma
alternativa
De acordo com o último relatório
sobre desigualdades sociais em Portugal, apresentado pelo Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE), há casos de estudantes africanos e
afrodescendentes que desistem do percurso por falta de apoio e não chegam à
universidade. Muitos deles são encaminhados para outras vias de ensino,
nomeadamente para o ensino profissional. São vistos como alunos com maiores
riscos de insucesso e de abandono escolar.
O professor André Claro, adjunto
da direção da José Afonso, considerada a melhor escola pública do concelho do
Seixal - e uma das bem posicionadas no ranking nacional, que também
acolhe alunos africanos e afrodescendentes - diz que a escolha pela
formação profissional é uma alternativa de progressão dos estudos e não de
exclusão.
Ao invés de abandonar os estudos,
muitos alunos seguem para cursos profissionais. "Há alunos que trazem
dificuldades, não só africanos como portugueses e de outras nacionalidades, mas
há alunos que são muito bons também e que são rentabilizados nos cursos
profissionais", explica o professor.
"Temos muitos alunos que
concluem o curso profissional e que estão nas faculdades e temos muitos alunos
que foram recrutados pelas empresas de estágio para ficarem lá a
trabalhar", relata. De acordo com André Claro, cerca de 95% desses alunos
concluem os cursos com sucesso. Cerca de 20% prosseguem os estudos na faculdade
e outros 15% ficam empregados a trabalhar em diversas empresas.
Emerson Azevedo, estudante
luso-angolano a frequentar o 12º ano na Escola Secundária José Afonso,
abraçou, por opção, um curso profissional de marketing e vendas, depois de ter
feito informática.
"Hoje em dia não ficamos tão
limitados como no [sistema] regular, que só tem três opções: Humanidades,
Ciências e Economia, se não me engano. Este curso aqui é bom, são novas opções
e temos acesso à faculdade também. Achei que era uma boa opção vir para
aqui", explica.
Depois de terminar o curso,
Emerson quer entrar para a faculdade ou para o politécnico, em Setúbal ou
Lisboa, e fazer uma especialização na mesma área para trabalhar na Europa.
Os académicos apontam várias
razões para o insucesso escolar de muitos afrodescendentes. Por exemplo, o
desemprego e, consequentemente, a situação financeira das respetivas famílias,
que impede o acompanhamento quotidiano dos alunos por parte dos adultos.
Por outro lado, o estudo também
revela que as próprias escolas têm tendência a esperar menos dos alunos
africanos ou de origem africana, conta Teresa Seabra, professora do ISCTE e
coordenadora do capítulo do relatório sobre desigualdades sociais em Portugal e
na Europa. "Não se pode atribuir a um fator. Não se pode dizer que é a
escola ou a sociedade portuguesa em geral que não se interessa. É um
bocadinho disso tudo que depois resulta nas situações em que resulta",
resume.
Atenção específica à
discriminação
Para a socióloga Cristina Roldão,
a segregação racial e a marginalização nas escolas são um facto e é necessário
fazer muito mais do que se tem feito para dar resposta às dificuldades e
aspirações específicas desses grupos. "Cada vez mais se reconhece que
estas questões existem, faltam efetivamente medidas", alerta.
Cristina Roldão explica que as
questões relativas à discriminação estão sempre diluídas, não há um programa
que tenha o problema como foco. "Se pensarmos em programas como o Programa
TEIP, o Programa Escolhas e outros, a questão do racismo, da diversidade
étnico-racial da sociedade portuguesa e das nossas escolas não está patente.
Não surge como uma questão específica", exemplifica.
De acordo com a académica, seria
preciso mudar a abordagem e buscar soluções efetivas e específicas para os
problemas verificados na realidade das escolas. "Se olharmos para os dados
do acesso ao ensino superior vemos, por exemplo, que os afrodescendentes tem
metade da probabilidade de ascender ao ensino superior em 2011, que são os
dados que tínhamos dos censos. E isso diz-nos muito do que se passa na
escola", sublinha.
A propósito do acesso ao ensino
superior, a investigadora Cristina Roldão propõe políticas de quotas, a
que chama de "políticas de ação afirmativa", que permitam dotar os
jovens afrodescendentes com mais capacidade para defenderem os direitos das
suas comunidades, terem mobilidade social e participarem de forma mais
igualitária na sociedade portuguesa.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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