A nova Direção de Combate à
Corrupção não convence o analista Orlando Castro, que defende que só uma
comissão independente pode obter resultados credíveis. "É impossível fazer
com que um jacaré vire vegetariano", diz.
O Executivo de João Lourenço
anunciou a criação da Direção de Combate aos Crimes de Corrupção em Angola. Mas
já se levantam dúvidas sobre a eficácia do organismo que vai funcionar sob a
alçada do Serviço de Investigação Criminal.
"Não me parece que seja a
solução", afirma o analista luso-angolano Orlando Castro em
entrevista à DW África. Para o jornalista, a questão não está na criação de
organismos, o problema reside no facto de "a corrupção em Angola ser uma
instituição nacional".
DW África: João Lourenço anunciou
a criação de uma nova Direção de Combate aos Crimes de Corrupção. Esta nova
Direção é, na sua opinião, a solução para finalmente combater a corrupção
em Angola?
Orlando Castro (OC): Não,
não parece que seja porque, aliás, a ideia de haver uma Direção de Combate à
Corrupção nem sequer é nova. Já em dezembro do ano passado, o então, julgo,
sub-procurador-geral da República falava na Direção Nacional de Combate à
Corrupção da Procuradoria-Geral da República (PGR). Portanto, a questão não
está na criação de qualquer organismo nem sequer na dotação técnica e humana
dessa direcção que venha a ser criada. O problema todo reside no facto de a
corrupção em Angola ser uma instituição nacional. Este sistema gerou e
corrupção e a corrupção estendeu os tentáculos a toda gente. Não são chamadas
para esta tarefa pessoas de facto independentes. São todas pessoas criadas
neste sistema, que têm telhados de vidro maiores do que o próprio país.
DW África: Não concorda com o que
disse o ministro das Finanças angolano, que esta direção poderá colmatar as
falhas da PGR. Na sua ótica, o que devia acontecer era uma "limpeza"
aos magistrados que atualmente estão nestas funções?
OC: É evidente que sim,
porque não chega termos um organismo tecnicamente bem dotado, com um número
suficiente de técnicos, se esses técnicos não quiserem ou não puderem ir ao
fundo das questões. A elite da sociedade angolana viveu toda neste sistema.
Repare nisto: o Presidente João Lourenço chegou agora à vida política angolana?
Não, é uma figura do regime e é impossível fazer com que um jacaré vire
vegetariano. O jacaré é carnívoro, os filhos são carnívoros, os netos são
carnívoros e portanto isto vai levar gerações.
DW África: O que seria preciso
fazer para João Lourenço mostrar de facto que está preocupado em pôr
fim à corrupção em Angola?
OC: Para já, precisava de
demonstrar que ele próprio, enquanto cidadão, enquanto vice presidente do MPLA,
enquanto ex-ministro, que não tem telhados de vidro, para incutir confiança na
sociedade. E depois, teria de se rodear de gente capaz – que existe em Angola –
mas que não fosse gente do sistema, gente do MPLA. Como é que é possível mudar
as raposas de uma parte do galinheiro para outra e querer dizer que elas estão
ali para defender as galinhas? Por muito boa vontade e honestidade intelectual
que tenha, não consegue, se não forem criados organismos, eventualmente até com
ajuda internacional, de gente que de facto não tenha nada a ver com este
sistema.
DW África: Relativamente ao caso
dos 500 milhões de dólares, que estão agora de regresso a Angola, o facto de
estar envolvida a unidade internacional de corrupção é garantia de que os
responsáveis por esta alegada burla não ficarão impunes?
OC: Garantia não é. João
Lourenço, para além de exonerações e nomeações de comissões, pouco mais tem
feito de concreto. É evidente que ele tem necessidade de julgar algumas
pessoas, de prender algumas pessoas, para que tudo continue na mesma. Os
angolanos depositaram tantas esperanças nesta luta de João
Lourenço que querem ver algo mais concreto e, portanto, ele tem de pôr
algumas pessoas dentro da cadeia. Mas daí a combater-se o mal pela raíz vai ser
extremamente difícil. Ele vai sacrificar algumas pessoas para que publicamente
se fique a ideia de que esta a combater a corrupção. Isto é fundamental e João
Lourenço ainda não conseguiu, ou não o deixaram, ou não quis rodear-se de
gente e de organismos que fosse suficientemente independentes para
ultrapassarem todas as pressões que sofrem.
DW África: Ainda sobre este caso
dos 500 milhões de dólares, a PGR constitui arguido o ex-governador do BNA
Valter Filipe. Este é um exemplo de mostrar trabalho do Governo de João
Lourenço?
OC: É, mas Valter Filipe foi
constituído arguido e não pode sair do país. Agora falta é saber se ele não vai
por a boca no trombone sobre o que sabe. Muitas destas pessoas que estão a ser
sacrificadas são pessoas que tinham ligação a José Eduardo dos Santos e o povo
gostou. Mas José Eduardo dos Santos, para além de ser o presidente do
MPLA, tem as suas influências. Ainda vamos ver como é que as pessoas que José
Eduardo dos Santos onsiderou válidas e que agora passaram de bestiais a bestas,
vão reagir, se não vão levar por arrasto outras pessoas ligadas ao atual
executivo de João Lourenço.
DW África: Portanto, este
sacrifício de pessoas poderá ser favorável à transparência do que realmente se
passou em Angola nos últimos anos?
OC: Sacrificar estas pessoas
denota alguma preocupação em lutar pela transparência, pela justiça, por
criminalizar quem cometeu crimes e isso é bom. Mas não chega. Vamos ver qual
vai ser a reação destas pessoas. Podem muito bem dizer: eu vou cair, mas vou
levar mais alguém comigo. Eu caio, levo o vizinho do lado. O vizinho do lado vê
que vai cair, vai levar também o outro vizinho do lado e entramos aqui num
ciclo vicioso do qual pouca gente vai escapar. Começa a cheirar a um ajuste de
contas mais político do que económico ou financeiro. João Lourenço vai entrar
na fase de dar um passo a frente e depois dar um passo atrás. Fica-se com a
sensação de que se está a progredir mas quando pararmos para analisar o que foi
feito, chegamos a conclusão que estamos no mesmo sítio, nalguns casos
até com retrocesso.
DW África: Na sua opinião, para
haver esses avanços concretos o que era necessário? Uma condenação
exemplar?
OC: Era necessário o tal
organismo tecnicamente bem dotado e com magistrados e outras personalidades não
ligadas ao regime, pessoas independentes e concluírem quem são os principais
responsáveis. Não podemos ficar no meio-termo de criminalizar os quadros que
estão a meio para dar a entender que estamos a combater a corrupção e deixarmos
impunes os chefes desses quadros. Claro que isto é idealismo porque
nenhuma comissão, por mais independente que seja, vai dizer ou tentar provar
que Presidente da República é corrupto. Mas há exemplos desses, como se
está a ver agora com Nicholas Sarkozy em França. Mas aí estamos a falar de
outras realidades.
Raquel Loureiro | Deutsche Welle
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