Governo moçambicano negoceia
reestruturação das dívidas ocultas com os credores em Londres. Mas sociedade
civil rejeita negociação por não reconhecer as dívidas como públicas.
As dívidas ocultas avaliadas em
cerca de 1,6 mil milhões de euros, contraídas entre 2013 e 2014 por três
empresas públicas e com o aval do Estado, estão na mesa de negociações em
Londres esta terça-feira (20.03.).
O Governo moçambicano tenta
encontrar soluções para a reestruturação dessa dívida junto dos bancos
credores, o Credit Suisse e o VTB e, segundo a agência de notícias Lusa, terá
proposto um perdão de 50% nos juros passados e nas penalizações, caso
existam, além de alterações às taxas de juro e à maturidade da emissão de
dívida, cujo prazo foi entretanto alargado para 2023.
As dívidas, que contribuíram para
mergulhar Moçambique numa crise sem precedentes, são alvo de forte contestação,
inclusive nesta fase de busca de soluções. O Grupo Moçambicano da Dívida
(GMD) é uma das organizações não-governamentais que desaprova.
"A sociedade civil
moçambicana, representada pelo Grupo Moçambicano da Dívida e não só,
repudia esta iniciativa da reestruturação das dívidas ocultas, pois a sociedade
moçambicana não reconhece estas dívidas como dívidas públicas", afirma
categoricamente a colaboradora do GMD, Eufrigínia dos Reis.
E ela sublinha: "Apoiamos,
sim, a reestruturação de outras dívidas bilaterais que Moçambique tenha
contraído junto dos seus credores."
O silêncio do Governo e
responsabilização
As organizações da sociedade
civil pediram ao Governo que prestasse informações sobre o plano de reestruturação
no Parlamento, antes do encontro de Londres, mas isso não aconteceu.
Mesmo o cidadão comum aguarda
ainda por um pronunciamento do Executivo, sobretudo depois da divulgação do
relatório sobre as dívidas ocultas em 2017, documento solicitado sob pressão
pela comunidade internacional.
O empresário Orlando da Conceição
é uma das pessoas à espera de explicações. E para esta fase de negociações
aguarda "que o Governo apresente um plano concreto sobre como vai fazer o
reembolso".
"Podemos continuar a
reestruturar as dívidas nos próximos dez anos, mas isso não vai resolver o
problema. Então, é preciso que haja esse compromisso por parte do Governo,
porque até agora nunca ouvi nenhum pronunciamento no sentido de pagarem a dívida."
A sociedade civil também espera
algo positivo, sem contudo deixar de insistir num ponto crucial para ela: a
responsabilização.
Paula Monjane é membro do Fórum
de Monitoria do Orçamento: "Estamos esperançosos que toda a conversa seja
a favor de uma solução boa para o povo moçambicano, mas que ao mesmo tempo não
retire a responsabilização as pessoas que estiveram a frente destas
dívidas."
Petição dos deputados do Reino
Unido
A pressão contra o Governo não é
só interna: o Comité para o Jubileu da Dívida, sediado em Londres, defende a
responsabilização dos credores e funcionários do Governo. Este Comité, que
trabalha em parceria com a sociedade civil moçambicana, influenciou 100
deputados do Reino Unido a organizarem uma petição.
Eles exigem, entre outras coisas,
medidas mais transparentes para garantir que todos os empréstimos concedidos
pela lei do Reino Unido a governos ou com garantias governamentais sejam
divulgados publicamente no momento em que são feitos e cumpram a lei do país em
questão.
O vigor dos deputados
moçambicanos
Os deputados moçambicanos têm com
frequência contestado estas dívidas, mas fazem-no com o mesmo vigor?
Paula Monjane
responde:"Infelizmente não. Temos uma comissão de Plano e Orçamento que
tem sido bastante aberta em trabalhar com as organizações da sociedade civil
como as nossas e temos uma grande apreciação nesse sentido, mas isso não está a
trazer, de forma alguma, essa capacidade de também puxar para leis, tal como no
Reino Unido, que reduzem o espaço de manobra para que o Governo não tome
decisões que lesem o país."
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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