Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
Quase 20 anos depois, o país que
Portugal pariu após a rejeição da regionalização no referendo de 1998 é um país
mais pobre, mais desigual e mais assimétrico no seu território. O país que
Portugal mandou às urtigas pelo medo de um poder intermédio mais próximo das
populações, compreensivo e combativo pelas razões que ousaram sonhar um país
desenvolvido para todos, está agora estático, deserto no interior e, para
desespero dos lisboetas, especulado e atafulhado em Lisboa. Arrumado
continentalmente na equação de uma capital de distrito + 17. E assim vamos,
confiantes na habitual peneira placebo da "descentralização", palavra
meiga para caracterizar o momento em que o dono atira uns biscoitos ao cão.
Foi pelo temor da incompetência
dos nossos vizinhos mais próximos que delegámos o poder à impossibilidade
prática da boa gestão dos concidadãos à distância. Pelo medo da burocracia e
mais interesses, chutámos a gestão de todos os condomínios para a sede da
empresa em Lisboa. O resultado é este: as assimetrias regionais aumentam, a
incompreensão dos problemas arrasta-se e a capital descaracteriza-se fruto da
pressão. Não fosse grande parte dos visitantes arrastados pela burocracia da
capital autofágica e centralista para onde tantos rumam para resolver os seus
problemas ou definir a sua vida, já se veria mais longe o primeiro dia de luta
dos cidadãos de Lisboa pela criação de uma taxa para compensar a pegada
turística dos portugueses não alfacinhas.
O referendo não vinculativo de 8
de Novembro de 1988 adiou o país. E é curioso como, no dia seguinte à cimeira
das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, importante para definir rumos
estratégicos de acerto, o país continue de costas voltadas para a necessidade
de trazer a regionalização de volta à agenda política. Se o PCP, contando com o
apoio do BE, insistir num novo referendo no primeiro trimestre de 2019, caberá
ao PS não fugir a um imperativo constitucional e viabilizar o referendo. Caberá
ao PSD de Rui Rio estar à altura de tudo o que o novo líder social-democrata
tem vindo a defender ao longo da sua história política.
Retrato, quase 20 anos depois.
Portugal é um país "quase tão centralista como o minúsculo
Luxemburgo" e "muito mais centralista" do que a Bélgica ou
Suíça, países mais bem mais pequenos. Num esclarecedor ensaio publicado há dias
no "Observador", Carlos Guimarães Pinto concluía que Lisboa tem um
PIB per capita (PPP) semelhante aos países mais ricos da UE, enquanto que o
Norte e Centro do país têm um PPP aproximado aos países pobres do Leste Sul da
Europa. "Se fossem independentes", acrescenta, "Norte e Centro
de Portugal seriam, respectivamente, o 5.º e 6.º países mais pobres da Europa.
Já a área metropolitana de Lisboa estaria no pelotão da frente". Portugal,
retrato de um país desigual e esvaziado.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
* Músico e Jurista
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