Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião
A cadência com que as notícias são apresentadas pode
induzir-nos a estabelecer relações de proximidade entre os factos que, noutras
circunstâncias, não seriam tão claras. Aconteceu assim: "Bastonário dos
médicos fala em cenário de guerra no Hospital de Gaia". E depois:
"Ajudas à Banca já custaram mais de 17 mil milhões de euros". Admito
que a tensão dramática atingia um patamar olímpico se a estas revelações se
seguisse, por exemplo, isto: "Mário Centeno volta a lembrar que alcançou o
défice mais baixo da democracia". Mas vamos deter-nos nos dois primeiros
títulos, que são de uma enorme utilidade porque permitem ser comparados no
tempo.
Há dez anos, data a partir da qual os portugueses se
iniciaram nesse desporto não federado chamado "vamos salvar a Banca com os
nossos impostos", o mesmo Hospital de Gaia que hoje vive um cenário de
guerra, nas palavras duras do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel
Guimarães, já parecia o "set" improvisado de um filme de Spielberg
sobre o conflito armado na ex-Jugoslávia. Tudo, aliás, piorou desde 2007, ano
em que, com o encerramento das urgências de Espinho, os utentes daquele
concelho passaram a recorrer ao já saturado centro hospitalar vizinho.
Uma década volvida, continuamos a resgatar bancos (o mais
recente foi a Caixa Geral de Depósitos, com uma injeção de capital de 3,9 mil
milhões de euros, à qual o Governo prefere chamar investimento) e o mesmíssimo
Hospital de Gaia não abandonou os cuidados intensivos. Na verdade, já faltou
mais para alguém poder dizer: "Ainda sou do tempo em que prometeram pela
primeira vez um novo hospital para Gaia". Aliás, se houvesse um campeonato
de compromissos não assumidos pelos sucessivos governos, a construção de uma
unidade hospitalar que sirva de uma forma digna mais de 300 mil pessoas figuraria
seguramente no top cinco.
Tem razão, por isso, Miguel Guimarães quando diz que as
condições deploráveis deste hospital merecem ter um destaque diário. Haver duas
casas de banho ("não inteiramente funcionais") numa enfermaria com 36
doentes, 22 pacientes internados em macas quando 19 camas de internamento estão
fechadas, cirurgias adiadas e equipamentos fora do prazo é do Terceiro Mundo.
Envergonha-nos.
Mas Gaia não é, infelizmente, uma vergonha isolada. As
queixas sobre a galopante degradação dos serviços públicos de saúde sucedem-se,
à mesma velocidade das cativações e das boas novas sobre o desempenho da
economia e do défice. E tudo tende a piorar. Ora, talvez tenha chegado a hora
de - à imagem do que fez com os demonizados colégios privados - o Governo
começar a pensar em fechar a torneira do financiamento público aos hospitais
privados, aos quais paga 51% dos gastos. Temo, porém, que seja mais fácil
construírem primeiro um novo hospital em Gaia.
* Subdiretor do JN
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