Visita do presidente francês a
Washington pode ser considerada um sucesso. Seu discurso no Congresso mostra
que a relação estreita com Trump não o impedirá de criticar políticas do
americano, opina Michael Knigge
Michael Knigge* | opinião
A extensa visita de Emmanuel
Macron aos Estados Unidos foi composta por duas partes. No foco da primeira
etapa, estiveram sobretudo ele mesmo e o presidente americano, Donald Trump,
que tinha convidado o homólogo francês para a primeira visita de Estado de
um dignatário estrangeiro a Washington desde que assumiu a Casa Branca, em
janeiro de 2017. Embora tenha aproveitado oportunidades para explicar,
cordialmente, as diferenças políticas entre os dois países, Macron manteve
basicamente uma atitude de deferência em relação ao anfitrião.
Como outros chefes de Estado e de
governo, a exemplo da chanceler federal alemã, Angela Merkel, Macron também não
foi poupado de um típico tratamento à la Trump: tentando deixar seu convidado
de honra "mais bonito", Trump retirou o que chamou de caspa do terno
de Macron. Ele também mandou um beijo ao colega e, em geral, se comportou da
mesma forma tempestuosa de sempre.
Em suas declarações públicas e
durante uma entrevista coletiva conjunta, Trump não abordou nenhum dos temas
considerados importantes pelo homólogo francês: a prorrogação do acordo nuclear
com o Irã, a continuidade do envolvimento dos Estados Unidos na Síria após a
vitória sobre o chamado "Estado Islâmico", a luta contra o
aquecimento global e o fim das ameaças de impor taxas às importações europeias.
Macron conseguiu contornar tudo isso e não parecer desconfortável diante das
palhaçadas de Trump no estilo "pastelão" e da franca rejeição de seus
objetivos políticos.
Depois dessa primeira parte, a
impressão que pode ter ficado é a de que Trump não estava tratando Macron de
igual para igual. A piedade com Macron foi quase inevitável. Trump sufocou seu
convidado com elogios, mostrou-lhe a casa de George Washington em Mount Vernon
e realizou um pomposo banquete de Estado para ele na Casa Branca. Mas, depois,
criticou publicamente as sugestões de Macron, que não obteve mais do que a
fórmula padrão do presidente americano: "Saberemos em breve."
Mas eis que veio o segundo ato da
visita de Macron, no qual ele falou diante dos senadores e deputados no
Congresso. Ele discursou em inglês – o que, por si só, é incomum para um
presidente francês.
O que ele executou em seguida não
foi nada menos do que uma recusa direta da política de Trump e da tática que o
levou ao poder. Macron apelou fervorosamente em favor da democracia, da
liberdade, da tolerância, dos direitos humanos e da cooperação internacional –
uma defesa poderosa dos valores do Ocidente.
Macron disse tudo isso diante de
um Congresso controlado pelos republicanos, que, salvo raras exceções, apoiam
um presidente que nega ou ignora esses valores com frequência. O fato de Macron
ter discursado no coração da democracia dos Estados Unidos deu peso adicional a
suas palavras.
Mas, se a visita de Macron
consistiu de duas partes tão diferentes, é possível chamá-la de bem-sucedida –
sobretudo pelo fato de ele mal ter conseguido fazer vacilar a posição de Trump
em relação a questões cruciais?
A resposta é sim. Por dois
motivos: em primeiro lugar porque, na Washington de Trump, é preciso ser grato
por qualquer sucesso, por menor que seja. Após a surpreendente vitória do
republicano, observadores na capital americana comentaram meio brincando, meio
a sério que o primeiro banquete estatal seria oferecido ao primeiro-ministro da
Hungria, Viktor Orbán.
A especulação não foi tão
exagerada – afinal, o primeiro político estrangeiro que Trump visitou após sua
vitória nas urnas foi Nigel Farage, líder populista idealizador do Brexit. E é
importante lembrar que, esta semana, Trump chamou o ditador norte-coreano, Kim
Jong-un, de "muito honrado".
Nesse contexto, o convite a
Macron – o presidente de um aliado tradicional dos EUA, mas também um membro
fundamental e defensor da União Europeia – não foi nenhuma obviedade. Pelo
contrário: foi um êxito significativo tanto para Macron quanto para Bruxelas.
Em segundo lugar, Macron
aproveitou a visita para, especialmente durante seu discurso no Congresso,
delinear e defender valores ocidentais e a unidade europeia. Fazendo isso de
forma comovente e eloquente, ele desenhou uma visão de mundo que pode ser
descrita como o antídoto contra a visão de mundo de Trump. Mostrar essa
alternativa foi altamente oportuno e extremamente necessário.
*Michael Knigge (de Washington /
rk) | Deutsche Welle | opinião
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