quarta-feira, 6 de junho de 2018

Angola | Estará em curso o renascimento político de Manuel Vicente?


Constitucionalista angolano Albano Pedro reconhece importância estratégica de Manuel Vicente para Governo angolano e considera que se procura ilibá-lo de acusações de que é alvo no processo que teve início em Portugal.

Em Angola, a excessiva proteção por parte do Governo de João Lourenço a Manuel Vicente, ex-vice Presidente do país e antigo responsável da Sonangol, tem levantado algumas questões. Há setores que consideram que a influência de Manuel Vicente junto do Presidente é grande e crescente, considerando-o, mesmo, assessor informal de João Lourenço para assuntos de petróleo. 

A DW África conversou com o constitucionalista angolano Albano Pedro sobre o papel de Vicente na governação do país. 

DW África: Tomando em conta os processos que correm contra o ex-número um da Sonangol, as chances de vir a ser nomeado para algum cargo político seriam reduzidas?

Albano Pedro (AP): Até agora foram dados sinais evidentes que os processos que correm contra Manuel Vicente, de maneira nenhuma, põem em causa a sua importância estratégica para o Governo angolano. A prova está no engajamento do próprio Presidente da República, ao sugerir ao Governo português e à Justiça portuguesa que transferisse o processo para Angola. Existe uma certa simpatia entre o Governo e Manuel Vicente. Obviamente, isso indicia algum nível de interesses que ultrapassam as situações que envolvem Manuel Vicente e envolvem, de alguma forma, interesses de outros indivíduos, de outras pessoas ligadas à alta hierarquia do Estado, sobretudo daqueles que estão ligados ao poder.  

DW África: Está a dizer que haveria o risco de Manuel Vicente arrastar para a lama essas elites, caso o processo continuasse em Portugal? 

AP: Não há dúvida sobre isso. Não vejo outras razões que levariam o Presidente da República a fazer um apelo desse tipo. Se a vontade fosse, pura e simplesmente, querer que a justiça fosse feita e não favorecer ou criar condições para que se proteja Manuel Vicente, não vejo nenhum problema com o Presidente da República admitir que Manuel Vicente fosse julgado mas em Portugal. Deve haver interesses, claro, que envolvem mais gente e, por conseguinte, não tenho dúvida que muita gente seria arrastada para esses processos.

DW África: E acha que João Lourenço tinha algum interesse em promover oficialmente Manuel Vicente a algum cargo político?

AP: Ele não está impedido de o fazer. O Estado angolano tem estado a questionar-se se os crimes pelos quais Manuel Vicente era indiciado em Portugal estão amnistiados. Esse é um argumento que tem sido levantado. Outro argumento é de que ele goza de imunidade. Estamos perante um conjunto de argumentos que têm sido levantados, no sentido de ilibar Manuel Vicente. De modo que, se se procura ilibá-lo, é porque procura-se descriminalizar as condutas de que ele é acusado. E assim sendo, procura-se colocá-lo numa posição em que ele não tenha impedimento absolutamente nenhum de assumir qualquer cargo que seja. 

DW África: Quais seriam as consequências políticas para João Lourenço caso arriscasse promover o renascimento político de Manuel Vicente? 

AP: O único risco que haveria é se efetivamente Manuel Vicente fosse julgado e condenado pela Justiça portuguesa, com crimes provados que fossem de facto crimes que em Angola pusessem em causa a imagem dele [de João Lourenço], como corrupção, esses crimes de colarinho branco. Aí haveria um risco para o atual Presidente colocar Manuel Vicente a assumir funções, colocá-lo numa posição em que fosse de confiança do Presidente da República. Mas como há todo esse trabalho no sentido de que ele não venha a ser condenado, que não venha a ser julgado, está claro que não seria problemático para o João Lourenço nomear Manuel Vicente, porque até agora ele não foi condenado e, portanto, não é criminoso. E, claro, seria facilmente justificável que ele é um cidadão de bem, que deu tudo pela pátria, até porque é um ex-vice-Presidente, é uma pessoa de reconhecida capacidade, que esteve à frente dos destinos da Sonangol. Não seria problema se voltasse a ser indicado. 

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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