A ida do líder interino da RENAMO
para Gorongosa lançou dúvidas em Moçambique. À DW, especialista em resolução de
conflitos, Aly Jamal, fala em "surpresa", mas mantém confiança numa
resolução para crise.
A decisão tomada, neste domingo,
pela RENAMO, de colocar o seu líder interino na serra da Gorongosa causou
alguma agitação e interrogações em Moçambique. A DW África entrevistou Aly
Jamal, especialista em resolução de conflitos do ISRI (Instituto Superior de
Relações Internacionais), sobre a posição do maior partido da oposição no país.
DW África: Que leitura faz da
decisão da RENAMO de colocar o seu líder interino na serra da Gorongosa,
principalmente neste contexto das negociações com o Governo da FRELIMO?
Aly Jamal (AJ): Tem um
significado muito especial para a RENAMO. Penso que, nesta fase das
negociações, tem o significado de ser o centro da coordenação militar. O
símbolo da Gorongosa vem, exatamente, por ser esse centro de coordenação
militar da RENAMO. Sem esse centro, a RENAMO só fica conhecida por coordenação
política, que é baseada no Parlamento. Parece-me estranho, que depois de
toda esta evolução, quando esperávamos que as coisas mudassem de cenário, que a
liderança da RENAMO vá para a serra da Gorongosa. Por outro lado, isso
pode ser lido à luz da concentração do poder militar da RENAMO em torno da
Gorongosa. Quando se fala, por exemplo, dos grandes coronéis, dos grandes
generais, eles só podem estar na Gorongosa. Pensávamos que isso tinha a ver com
a faceta da figura do líder Dhlakama, mas agora estamos a ver que não, parece
que tem a ver com a filosofia da RENAMO.
DW África: Esta decisão não será
uma tentativa de se restabelecer o equilíbrio no processo negocial depois da
morte de Afonso Dhlakama, uma vez que a força deste partido está assente na sua
força militar e na força das armas?
AJ: Eu não diria exatamente
restabelecer o equilíbrio. Diria que é uma forma de continuidade. É uma forma
de alinhamento com a liderança de Dhlakama, uma forma de continuidade de um
pensamento e de uma maneira de estar na política. De um modo geral, isso é
surpreendente. Todos os analistas estavam à espera que as coisas não fossem
assim. De um modo específico, posso assegurar que isto levanta receios, mas não
levanta a ideia do resvalar dos falhanços dos processos negociais. Porque
isso é outra coisa. Toda a gente já mostrou que está à espera da
materialização desses processos negociais. Eu não tenho muito receio com
isso. Eu já tinha confiança, quando Dhlakama estava lá, que as coisas iam
acabar a bem, e que havia um bom ponto final para a resolução de toda a crise.
Mantenho essa confiança.
DW África: Um vazio na serra da
Gorongosa poderia trazer alguma vantagem para o Governo durante o processo
negocial?
AJ: Não me parece que isso
pudesse ser uma vantagem para o Governo. Não vejo isso nesses termos. O que
está em causa, na minha opinião, não é só a pressão militar. O que
está em causa é que já houve concordância entre as partes, sobre os
assuntos que devem ser avançados. A relevância da pressão militar reduziu um
pouco. Tanto é que, desde que Afonso Dhlakama declarou o cessar fogo, nunca
tivemos escaramuças. Houve sempre tempo para o pacifismo. Houve sempre tempo para
organização do processo a nível político.
DW África: Há a possibilidade de
ter havido algum retrocesso ou algum desentendimento neste processo que terá
originado esta decisão, ou que a RENAMO se tenha sentido de alguma maneira
ameaçada?
AJ: Durante muito tempo a
RENAMO sentiu-se desconfortável e penso que continua a sentir-se. A questão não
mudou substancialmente. Há pressão do Governo, porque existe uma pressão
política para os entendimentos, e depois existe uma pressão militar. A
RENAMO está confinada, de algum modo, pela presença das forças governamentais
nas proximidades. E isso induz à pressão psicológica e, de algum, modo à
incerteza. Quais são os resultados, nas condições desses tipos de pressão? O
que é que isso vai causar para nós? Até agora. Há uma pressão permanente para a
RENAMO, e essa pressão não é só do nosso Governo, mas também de outros
quadrantes internacionais.
Nádia Issufo | Deutsche Welle | Na foto: Ossufo Momade (imagem de arquivo
DW)
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