terça-feira, 5 de junho de 2018

FRANÇA | Seja jovem e cale a boca!


Rémy Herrera

Em 22 de Maio último, na sequência de uma manifestação da função pública em Paris, a que aderiram ferroviários e estudantes, cerca de uma centena de jovens – muitas vezes menores e alguns apenas com 14 anos! – foram presos pelas forças da ordem quando protestavam e ocupavam um liceu (o Lycée Arago) da capital.

Antes de serem colocados sob custódia, cerca de sessenta deles foram parqueados como gado num furgão da polícia durante mais de quatro horas, sem autorização para prevenirem seus parentes, beberem ou irem às toilettes. Na sequência destas interpelações, traumatizantes para adolescentes e angustiantes para as suas famílias, vários destes jovens foram apresentados, algemados nos pulsos, em procedimento de urgência, diante de um juiz.

Qual o delito cometido por estes jovens rebeldes? Eles haviam decidido – e tido a coragem – de se oporem (sem provocarem nenhuma degradação, com excepção de um vidro partido) à "reforma" neoliberal do sector da educação que o presidente Macron quer impor. Um dos jovens interpelados declara: "Fiquei chocado com a agressividade das forças da ordem e as condições de detenção. Pretendeu-se fazer de nós um exemplo para travar a mobilização dos jovens, mas vou continuar a mobilizar-me, ainda mais".

Desde há meses os sindicatos estudantis de esquerda afirmam a sua recusa em ver a educação mercantilizada – quando o sistema francês dá um lugar preponderante ao público –, com as despesas de inscrição aumentadas – os cursos do superior eram até à pouco ainda eram (quase) gratuitos –, com a selecção generalizada à entrada da universidade –, o acesso a esta era, até uma lei recente, garantido a todos após o bacharelato. Eles dizem não ao facto de que cada vez mais jovens desfavorecidos são proibidos, pelo dinheiro, de fazerem estudos e serem condenados ao desemprego. Muitos professores também estão mobilizados. Todos reclamam mais meios para o sector educativo, asfixiado pela austeridade.

Seja o que for que se pense do presidente Macron, e seja qual for o qualificativo que se dê a um governo que age assim, um regime que está reduzido a atacar dessa forma juventude, evidentemente não se porta bem. Aqui não se passa nem um dia sem repressão política da cólera social. Será que se pretende que nos habituemos a ver as CRS invadir campus universitários em efervescência, a espancar estudantes recalcitrantes? Seria preciso que aceitássemos assistir passivamente ao confisco por uma hierarquia ministerial autoritária decisões de assembleias-gerais de professores e funcionários administrativos em luta? Isto equivale a renunciar aos poucos espaços democráticos concedidos pela nossa sociedade capitalista!

Só a comédia da democracia burguesa é tolerada. E por enquanto. Num teatro de Paris (o Odéon, célebre por ter sido ocupado pelos estudantes em Maio de 1968), foi dados um espectáculo em 7 de Maio a fim de rememorar os acontecimentos de 50 anos atrás. Tudo se desenrolava como o previsto... até que verdadeiros estudantes (de hoje!) subitamente irrompessem na sala do espectáculo e se fizessem convidar a tomar a palavra para explicar ao público os motivos das suas contestações actuais. A direcção do teatro, em pânico, chama a polícia que fez evacuar manu militari, num mal-estar geral, os jovens perturba-festas!

Alguma coisa está errada no reino de Macron. Esta alguma coisa é talvez um povo que recusa o destino que se lhe reserva. Um povo que, lentamente, toma consciência de que a desmontagem dos serviços público não é um progresso, que as "reformas" louvadas pelos media a soldo da finança não são senão destruições. Um povo que, penosamente, aprende a se por de pé para marchar novamente. Tudo isso exigirá tempo. Mas é claro que somos numerosos nós os que não os queremos deixar actuar.

O ministro do Interior, Gérard Collomb, sem dúvida já o compreendeu. Ele anunciou em 27 de Maio: "Se se quiser manter amanhã o direito de manifestar, que é uma liberdade fundamental, é preciso que as pessoas que queiram exprimir sua opinião possam também se opor aos "arruaceiros" e não, pela sua passividade, serem, de certo ponto de vista, cúmplices do que se passa [os danos provocado]". Condicionar o direito de manifestar em França à transformação em policiais de todos os "manifestantes ordinários", como ele os chama, que belo projecto de sociedade! 

03/Junho/2018

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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