Rússia, sauditas e Irão têm todas
as cartas
“Chevron e Exxon Mobil têm
participação na petroleira em Tengiz; Exxon, em Kashagan; e Chevron, em
Karachaganak, todas no Cazaquistão. (…) OK. Agora, então, imaginem que
Washington resolva que Chevron e Exxon Mobil não podem continuar a fazer
negócios com empresas russas ‘sancionadas’…”
Rússia e Arábia Saudita estão em
debate profundo sobre aumentar a produção de petróleo OPEP e não OPEP em 1
milhão de barris/dia para compensar a queda drástica na produção na Venezuela
além de possíveis reduções depois que as novas sanções dos EUA contra o Irã
entrarem em vigência em novembro.
O problema é que nem esse aumento
pensado na produção bastará, segundo o Credit Suisse; apenas 500 mil barris/dia
seriam acrescentados ao mercado global.
O petróleo já alcançou $80 o
barril – de que não se ouve falar desde 2014. O aumento da produção poderia
certamente alterar a tendência. Ao mesmo tempo, fornecedores chaves manteriam o
cru nos mercados futuros em $70-$80 o barril. Mas o preço poderia chegar até a
$100 antes do fim do ano, dependendo do impacto que tenham as sanções
norte-americanas.
Corretores de petróleo no Golfo
Persa disseram a Asia Times que o preço atual do petróleo seria
“muito mais alto hoje, se os estados do Golfo cumprissem o papel que sempre
tiveram, de reduzir a produção” – para 10% ou 15% ou 20% da oferta da OPEP.
Segundo um trader de Abu Dhabi, “os atuais cortes da OPEP só atingem
1,8 milhões de barris por dia, o que é ridículo e indica que os EUA ainda estão
pressionando para manter baixo o preço.”
Um acordo russo-saudita poderia
com certeza virar a mesa.
E há também a questão adicional
da redução da oferta da OPEP. Há um consenso entre os traders de que
“o corte a ser substituído é de cerca de 8% do suprimento total, que dá
aproximadamente 8 milhões de barris/dia/ano. Grande parte disso foi alcançado
na extração pré-2014, mas nos próximos quatro anos a extração cairá
consideravelmente, colapso estimado em 50%.”
Implica dizer que a única regra é
a incerteza. Como se não bastasse, a Société
Générale previu que as sanções dos EUA podem tirar do mercado global
até 500 mil barris/dia de cru iraniano.
E isso nos leva ao assunto
realmente importante no futuro de curto prazo, que surgiu de análises que Asia
Times cruzou, de traders do Golfo Persa e de diplomatas na União
Europeia: à parte as questões técnicas, a questão é como os mercados de
petróleo e energia são hoje reféns da pressão geopolítica.
Os EUA estão em posição
relativamente confortável. A produção de petróleo alcançou 10,7 milhões de
barris/dia – o suficiente para as necessidades domésticas. E a produção do
petróleo de xisto deve chegar no próximo mês à produção recorde de 7,18 milhões
de barris/dia, segundo a Administração de Informação de Energia dos EUA.
Os EUA importam apenas 3,7
milhões de barris/dia – três milhões dos quais, do Canadá. Como traders no
Golfo Persa confirmaram, os EUA “importam óleo pesado e exportam óleo leve. Em
três anos, o país estará essencialmente totalmente independente.”
Sancionar ou morrer
Mais uma vez, o coração da
matéria tem a ver com o petrodólar. Depois que o governo Trump separou-se
unilateralmente do acordo nuclear iraniano (Plano Amplo Conjunto de Ação, ing. Joint
Comprehensive Plan of Action, JCPOA), diplomatas da União Europeia em Bruxelas
admitem off the record e ainda em choque, que erraram muito
gravemente ao “não configurar a Eurozona como área distinta e separada da
hegemonia do dólar”. Agora podem ter de pagar o alto preço da própria
impotência, cedendo o comércio com o Irã, tornado “ilegal”.
A União Europeia – pelo menos na
retórica – quer agora pagar em euros pelo petróleo iraniano. Acrescente-se a
isso o ultimatum que o governo Trump fez à chanceler Merkel: desista
do gasoduto Ramo Norte II a partir da Rússia, ou os EUA aplicarão tarifas
extras sobre o aço e o alumínio –, isso, para que se possa avaliar o ponto de
ignição do qual se aproximam hoje as relações EUA-UE.
Essa matéria do Deutsche
Bank Research tem o mérito de destacar as vantagens do gasoduto Ramo
Norte II. E toca num dos nervos, quando destaca que “os fluxos de gás russo que
atravessam a Ucrânia parecem instalados para se manterem depois de 2019, quando
expirarem os velhos contratos”. E isso “pode promover a aceitação do Ramo Norte
II”.
Mas essa não é a história
completa.
Diplomatas da União Europeia
temem que “os EUA possam estrangular o Irã, bloqueando o acesso dos iranianos
aos sistemas SWIFT e CHIPS [dois sistemas de compensações bancárias
internacionais], o que impedirá que façam as compensações do que recebam, além
de também estrangular o Irã com sanções.”
Simultaneamente, no Golfo Persa
não é segredo entre os traders que mais cedo ou mais tarde todos
terão de enfrentar a realidade de que o Irã, se atacado pelos EUA, “tem poder
para derrubar as economias ocidentais, se destruir 20% da produção de petróleo
no Oriente Médio. E a Rússia também tem esse poder.
A Rússia é amplamente
autossuficiente para atender as próprias necessidades. Pode ganhar dessa vez –
como batalha econômica, em vez de batalha militar”.
Os EUA parecem estar ampliando a
proverbial “oferta que ninguém pode recusar” também à União Europeia: uma
entrega furtiva, garantida, de Gás Natural Liquefeito (GNL), na eventualidade
(pouco provável) de corte do fornecimento de gás natural russo para a União
Europeia.
Para começar, a Gazprom russa não
tem qualquer intenção de deixar vedar seu extremamente lucrativo mercado
europeu. Além disso, essa suposta capacidade dos EUA para fornecer GNL “ainda
não existe nos EUA. Os EUA não podem substituir o petróleo ou o gás russos para
a União Europeia” – disseram os traders –, ainda que “o petróleo
russo fornecido à UE tenha diminuído 40%, ao tempo em que as
exportações de petróleo russo para a China cresceram 30%.”
Indiferente à realidade objetiva,
o EUA-Capitólio, servindo-se da lei CAATSA,
Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act [“lei das
sanções”], prepara-se para atacar os setores russos de defesa e energia com
sanções secundárias (que se aplicam a nações que negociem com Moscou)
devastadoras.
E esse movimento de aprofundar as
sanções sobre o Irã e sobre a Rússia, sem dúvida terá repercussões imensas não
só na Europa, mas em toda a Ásia Central.
Problemas no Cazaquistão
Considerem-se os três principais
projetos de energia do Cazaquistão: Tengiz, Kashagan e
Karachaganak. A maior parte das exportações de cru do Cazaquistão corre pelos
1.500 km do oleoduto Caspian Pipeline Consortium, CPC – que pertence
em parte a Moscou (Transneft é proprietária de 24%, contra 15% da Chevron e
7,5% da Exxon Mobil).
A expansão dos dois projetos,
Tengiz e Kashagan, que bombeia cerca de 950 mil barris/dia para a costa russa
do Mar Negro, depende de rotas russas de trânsito.
Os 250 mil barris/dia de
condensado de Karachaganak seguem Caspian Pipeline Consortium, CPC, e
quase 18 bilhões de metros cúbicos de gás ao ano vão para a Rússia e são
comercializados pela Gazprom.
Chevron e Exxon Mobil têm
participação em Tengiz; Exxon, em Kashagan; e Chevron, em Karachaganak.
Executivos de petróleo e gás
russos foram apanhados na rede das sanções dos EUA. A Transneft está sob
sanções desde 2014. OK. Agora, então, imaginem que Washington resolva que
Chevron e Exxon Mobil não podem continuar a fazer negócios com empresas russas…
Acrescente-se a tudo isso a
reação da Rússia. Recente legislação aprovada na Rússia criminaliza empresas
russas que aceitem sanções dos EUA – e ainda é possível retaliar também com
proibição de empresas norte-americanas trabalharem na construção de
infraestrutura na Rússia.
Traders no Golfo Persa dizem
que, se a Rússia finalmente se convencer a “redirecionar sua oferta de petróleo
e gás natural para a China, e a União Europeia ficar totalmente exposta ao
Oriente Médio para receber petróleo extraído de/por estados do Golfo, todos
gravemente instáveis, toda a Europa pode a qualquer momento ver-se em colapso,
no sentido econômico, no caso de corte na produção de um ou outro estado do
Golfo.”
A opção nuclear
Com isso somos lançados no
coração do jogo geopolítico, como já admitem, jamais on the record,
especialistas em Bruxelas: a União Europeia tem de reavaliar sua aliança
estratégica com EUA essencialmente independentes em termos energéticos.
“Estamos arriscando todos os nossos recursos de energia naquelas análises
geopolíticas à Halford Mackinder, de que eles têm de conseguir separar Rússia e
China.”
É referência direta ao falecido
epígono de Mackinder, Zbigniew “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski, que
morreu sonhando com conseguir pôr a China contra a Rússia.
Em Bruxelas, há crescente
percepção de que a pressão dos EUA contra Irã, Rússia e China é efeito do medo
geopolítico de que toda a massa continental eurasiana, organizada como super
bloco comercial via a Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), a União Econômica
Eurasiana (UEE), a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), o Banco Asiático
de Investimento e Infraestrutura (BAII) está escapando da influência de
Washington.
Essa análise[1] aproxima-se muito de como os três
nodos chaves da integração da Eurásia no século21 – Rússia, China e Irã –
identificaram a questão chave: ambas as moedas, o euro e o yuan têm afastar-se
do petrodólar; o meio ideal, como os chineses
destacam, para “pôr fim à oscilação entre ciclos de dólar forte e ciclos de
dólar fraco, que são tão lucrativos para instituições financeiras
norte-americanas, mas letais para mercados emergentes.”
E é por isso que os mercados de
petróleo futuro de Xangai estão passando por tamanha mudança, já aprofundando o
mercado de papéis soberanos da China. Traders do Golfo Persa
manifestam forte interesse em como os traders asiáticos lucram do
fato de o petroyuan ter lastro ouro (pode ser resgatado em ouro). O petróleo
iraniano vendido em Xangai também expandirá esse processo.
Tampouco é segredo entre os traders do
Golfo Persa que no caso – esperemos que nunca aconteça – de uma guerra
Israel-sauditas-EUA no sudoeste da Ásia, contra o Irã, um cenário de guerra a
favor do qual o Pentágono jogará seria “destruir os poços de petróleo nos
países do Conselho de Cooperação do Golfo. O Estreito de Ormuz nem precisaria
ser bloqueado, porque destruir os poços de petróleo teria efeito muitas vezes
mais eficaz.”
E o que a possível perda de mais
de 20% do suprimento mundial de petróleo pode significar é apavorante: a
implosão, de consequências inimagináveis, da pirâmide de quatrilhão de
derivativos e, consequentemente, da superestrutura de todo o cassino financeiro
ocidental.
Podem chamar de reação em cadeia
de uma arma nuclear financeira de destruição em massa. Comparada a isso, a
crise financeira de 2008 não passaria de passeio num parque de preservação
ecológica.
*Em Oriente Mídia | Traduzido por
Vila Vudu
* “A storm IS coming” [Vem aí uma
tempestade] – RI deu título muito pertinente ao meu mais recente
mergulho na matrix de petróleo e gás. E está muito próxima, It’s just a shot away [aprox.
“à distância de um tiro/de um beijo”, by The Rolling Stones]” (Pepe
Escobar, pelo Facebook).
[1] “De tanto que distribuem sanções pelo
mundo, EUA inadvertidamente firmam e confirmam o multipolarismo”, 28/5/2018,
Alastair Crooke, Strategic
Culture Foundation(traduzido em Blog
do Alok [NTs]).
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