Rússia e Damasco (e aliados)
construíram um plano para que o Exército Árabe Sírio liberte o que resta do sul
da Síria – Qunietra e Daraa. O acordo será discutido essa semana entre altas
autoridades (vice-ministros) dos establishments de Rússia, EUA e
Jordânia, com Damasco e Teerã a louvar os esforços e o talento dos russos para
a negociação. O plano é bem claro: ou os EUA saem da passagem de fronteira em
Tanf, ou não haverá acordo, e o Exército Árabe Sírio requererá o apoio de seus
aliados para libertar o sul. A bola foi mandada para o campo dos EUA, e
Washington que resolva. Ou decide ir à guerra ao lado de Israel contra as
forças de Damasco no sul, ou retira suas forças de ocupação da passagem Tanf na
fronteira sírio-iraquiana.
O Exército Árabe Sírio está reunindo
forças para libertar o último bolsão ao sul da capital Damasco onde o ISIS (sob
o rótulo de Jaish Khaled Bin al-Waleed) e outros jihadistas e aliados ocupam a
parte do sul da Síria na fronteira Israel e Jordânia. Damasco e Amã querem que
o Exército Árabe Sírio retome o controle das fronteiras e reabra a passagem de
Naseeb para restaurar uma das principais fontes de renda dos dois países.
Paralelamente, Israel volta-se
para a Rússia – não para os EUA – pedindo garantias de que o Irã e o Hezbollah
não estabelecerão bases nas fronteiras; Israel quer evitar a situação na qual
as fronteiras sírias possa ser usadas como plataforma para atacar Israel no
futuro.
Rússia, Síria e Irã todos
concordaram quanto ao próximo passo a ser dado para libertar o sul, de modo a
satisfazer todas as partes. As demandas israelenses, de que só haja o Exército
Árabe Sírio em suas fronteiras, não serão atendidas ‘gratuitamente’: o preço a
ser pago é a passagem de fronteira em al-Tanf atualmente ocupadas por forças
dos EUA.
Forças dos EUA também ocupam
parte do nordeste da Síria e a principal passagem comercial de fronteira entre
Iraque e Síria (al-Tanf). Na verdade, não há benefício direto para os EUA com
manter forças na Síria – exceto apoiar Israel –, e o controle da passagem só
serve: (i) ou para dar passagem a milhares de militantes que o Pentágono treina
para atacar territórios sírios (sem qualquer serventia estratégica); ou (ii)
para criar meios para conter o andamento da economia síria.
Por isso a Rússia e seus aliados
esperam que Telavive pressione Washington para que retire suas forças da
passagem de al-Tanf, em troca da “paz de espírito” nas fronteiras, para Israel.
Contudo, há aqui vários cenários
possíveis:
Israel aceita o trato e pede que
EUA liberte a passagem de fronteira sírio-iraquiana. O Exército Árabe Sírio
assumirá controle do sul, atacando jihadistas e aliados deles.
Israel recusa: o Exército Árabe
Sírio atacará os jihadistas e aliados deles. Se Israel reage e bombardeia as
forças atacantes, Damasco
e aliados já estabeleceram nova Regra de Engajamento e retaliarão
contra alvos nas colinas ocupadas do Golan e adiante. O risco de guerra entre
Israel e Hezbollah-Irã é alto. O front interno em Israel estará pronto para
guerra mais ampla?
Israel e EUA sobem as demandas e
exigem a retirada de todas as tropas iranianas da Síria: para a Rússia, é
demanda impossível de atender. O Irã tem bases na Síria desde que o falecido
presidente Hafez Assad permitiu que o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica
(CGRI) apoiasse a resistência libanesa contra a invasão por Israel em 1982.
Além disso, a Síria pediu o apoio do Irã e aliados do Irã em 2013, mais de dois
anos antes da chegada dos russos. E Teerã e Damasco – ambos membros do “Eixo da
Resistência” (Síria, Irã, Hezbollah) – coordenam todas as ações e decisões
relacionada à guerra na Síria: como conduzi-la e que resultado político buscar.
Essa harmonia não é idêntica à que há entre Moscou e Damasco. Assim, a Rússia
não está em posição de pedir ao governo sírio que imponha uma retirada dos
iranianos, por um preço que o Exército Árabe Sírio pode impor, só ele, Israel
concorde ou não.
Implica dizer que Israel tem
espaço limitado para manobrar: partir para uma batalha de consequências
imprevisíveis contra o “Eixo da Resistência” e forçar o presidente Bashar
al-Assad a ação mais agressiva para realmente ferir Israel, saindo da posição
defensiva, para uma posição ofensiva.
Em sua mais recente entrevista,
Assad disse que sua única opção seria “melhorar a defesa aérea, é a única coisa
que podemos fazer e estamos fazendo”. Para o “Eixo da Resistência” é pura
atitude defensiva, que não corresponde necessariamente ao modo como Israel tem
de ser enfrentado. Irã e aliados gostariam de mostrar a Israel atitude mais
agressiva, levando a batalha ofensiva até muito além do ponto que Assad
atualmente deseja. Nesse caso, só Israel ganha com ter só o Exército Árabe
Sírio no Golan ocupado pelos israelenses e na linha de demarcação de 1974.
Há diferenças no modo como a
Rússia está trabalhando o dossiê sírio com seus aliados próximos, atenta a não
forçar ou agredir relacionamentos existentes. A Rússia gostaria de avançar na
reconciliação política o mais rapidamente possível, pedir a Damasco que
reescreva a Constituição e ver os EUA fora de Tanf, de modo que as forças de
ocupação (EUA e Turquia) fiquem concentradas no norte.
Damasco não pedirá – hoje – que
Irã e aliados do Irã retirem-se, a menos que já não haja qualquer perigo. O
governo tem intenção de revisar (Moscou sempre fala de “reescrever”) a
Constituição, buscando a retirada de todas as forças estrangeiras de ocupação.
Independente de se os israelenses
‘terão coragem’ de perguntar à Síria quais as forças que Israel poderia manter
em território sírio e quais têm de sair, certo é que ambos – a Rússia e o “Eixo
da Resistência” querem a libertação do sul, e podem sim pedir ao Irã e ao
Hezbollah que se mantenham longe das fronteiras. O “Eixo” parece muito confortável
com a ideia de deixar o sul da Síria, confiante de que as forças sírias locais
estão hoje – depois de mais de sete anos de guerra –, muito bem equipadas com
farta experiência de combate e ideologia firme para trilhar caminho idêntico ao
do “eixo”, no que tenha a ver com a animosidade contra Israel. Mas a cabeça dos
EUA em al-Tanf, numa bandeja, é a parte não negociável do preço.
*Oriente Mídia |Traduzido por
Vila Vudu
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