Luciano Rocha | Jornal de Angola
| opinião
A mensagem do Presidente João
Lourenço ao homólogo brasileiro recém-eleito a felicitá-lo e manifestar o
desejo natural da manutenção e reforço das relações entre os dois países, em
diversos domínios, suscitou algumas estranhas reacções de surpresa.
Estas manifestações deveram-se a
alguns desejos anunciados, durante a campanha para as presidenciais, pelo
agora Chefe de Estado do Brasil, como medidas a implementar, caso fosse eleito,
o que sucedeu, sublinhe-se, num sufrágio democrático reconhecido pela comunidade
internacional.
O que era anormal é que o Chefe de Estado angolano, também ele eleito num escrutínio livre e democrático, não tivesse enviado a mensagem. Além de acto de descortesia, era ignorar as relações milenares entre os dois povos, os interesses comuns, de vária ordem, do económico ao cultural. Acima de tudo, o facto de ter sido o Brasil o primeiro país a reconhecer Angola como Nação independente e soberana. Curiosamente, convém lembrar, numa altura que aquele país era governado por uma ditadura militar e o nosso vivia açoitado pela cobiça estrangeira de várias origens e matizes.
Angolanos e brasileiros, independentemente de quem os governe, hão-de estar sempre irmanados por laços indestrutíveis, incluindo os de sangue. Mas também da dor e do amor. Muitos deles nascidos, porventura, nos terreiros de esperar viagens com destinos desconhecidos e nos porões dos barcos dos “senhores da escravatura”.
Hoje, Angola e o Brasil acolhem colónias significativas de nacionais de um e outro país, que geram igualmente famílias com costumes adquiridos nos dois lados do Atlântico. Ignorar estas realidades é tão ou mais grave do que abstrair-nos dos interesses económicos directos recíprocos.
O angolano é, por natureza, afável, acolhedor, gosta de contar e ouvir estórias, quanto mais fantasiosas melhor. Por isso, facilmente estabelece amizades, aceita conviva à mesa, mesmo desconhecido, abre as portas da casa, sem olhar a origens sejam de que espécie forem. A nossa luta de libertação do ocupante colonial, quer na conspiração clandestina, principalmente nas zonas urbanas e no estrangeiro, quer a feita com armas na mão, demonstra isso. Tal como a composição de todos os Governos que tivemos.
O racismo não faz parte da nossa forma de estar e viver. As excepções são somente isso, limitam-se a confirmar a regra. Não tenho dúvidas, pois, que algumas das declarações do Presidente eleito do Brasil não merecem o aplauso da maioria de nós. Até nos chocam. Como atestam as conversas em rodas de amigo, bares, restaurantes, em encontros casuais na via pública, nos transportes colectivos, em todo o lado.
O angolano é assim, apaixonado em quase tudo o que faz. E entre críticas ao clube de eleição, arbitragens, mau estado das estradas, falta de luz, corrupção, custo de vida, trânsito automóvel, fino mal tirado, junta agora as declarações do Presidente eleito do Brasil. Está no pleno direito de o fazer. Vivemos num país soberano e livre, no qual a liberdade de opinião é respeitada. De que, aliás, a comunicação social é hoje um exemplo evidente. Embora também contrarie uns quantos, as tais “vacas sagradas”, que se julgavam impunes, cujos pedestais em que os colocaram começaram já a ruir.
Hoje, em Angola, ninguém está imune à crítica, desde que feita nos moldes a que o bom senso obriga. Temos essa liberdade. O que não se pode dizer é que a mensagem do Presidente da República ao homólogo eleito do Brasil se deve apenas a questões financeiras e económicas. Somente a ignorância ou má-fé pode levar alguém a tal dislate. Já vivemos situações muito mais complexas e soubemos resolvê-las com dignidade, sem espinhas dorsais curvadas, nem mão estendida.
O disparatado era João Lourenço não ter felicitado o Presidente eleito do Brasil. O que podia, com razão, ser interpretado como uma crítica à escolha livre da maioria dos eleitores de um país estrangeiro e soberano.
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