Dia Mundial dos Pobres
A pobreza não tem apenas uma
definição. Nem uma declinação. Tem várias, igualmente sérias. Igualmente
preocupantes. No dia Mundial dos Pobres fazemos o retrato de quem vive no
limiar da pobreza em Portugal.
Se um dia tiver que optar entre
ir ao supermercado ou ir à farmácia, talvez compreenda melhor quão grande é
"a injustiça que precisa de ser consciencializada por toda a
sociedade." O alerta que Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar
contra a Fome, ainda não se cansou de repetir vezes sem conta, continua -
lamentavelmente - a fazer sentido no dia 18 de novembro de 2018, o dia mundial
contra a pobreza. Até porque - lamentavelmente - por esta altura, continuamos a
conviver com pessoas que todos os dias têm que fazer a mesma escolha: ir à
farmácia comprar os medicamentos de que precisam para a viver, ou ir ao
supermercado comprar comida para sobreviver.
Ao todo são quase dois milhões e
meio de pessoas que vivem em risco de pobreza ou exclusão em Portugal. Muitos
deles sobrevivem apenas graças à ajuda das instituições sociais. Fome, frio,
solidão, uma realidade "muito, muito dura"., nas palavras de quem lida
de perto estas pessoas todos os dias.
E há uma pergunta que Isabel
Jonet não consegue evitar: como é possível que haja tanta gente que luta
"para sobreviver e para garantir os bens mais básicos para o seu dia-a-dia
como a comida" e ao mesmo tempo vivemos num mundo que "tem tanto
consumo, tantos bens e que até estão mais baratos e muito mais próximos de
todos".
A ditadura da pobreza
"Aquilo que nós temos de
encarar com muito realismo é que 1/5 da população portuguesa não tem
liberdade", alerta Isabel Jonet. A presidente do Banco Alimentar contra a
fome lembra que quando não temos os rendimentos suficientes para todas as
nossas necessidades, encontramo-nos, de alguma forma, privados da nossa
liberdade", sublinha.
Luís Macieira Fragoso, Presidente
da Cáritas Diocesana de Lisboa, identifica o problema da pobreza como "uma
chaga", uma questão gravíssima em Portugal. E os números falam por si. Com um dos
níveis mais altos de pobreza e precariedade, Portugal tem cerca de 20% da
população com rendimentos inferiores ao limiar da pobreza que é de 5443 euros
anuais - 454 euros por mês. A Presidente do Banco Alimentar lembra que "há
um milhão de pessoas que vivem com 250€ ou menos por mês".
Se para ser pobre em Portugal,
tem que se receber abaixo deste valor, o que dizer dos que não sendo pobres nas
estatísticas, levam todos meses para casa o salário mínimo? Ou seja, mais 126
euros? "Uma pessoa que tem um salário mínimo com um agregado familiar a
seu cargo de 5 ou 6 pessoas, ou que tenha de suportar problemas de saúde familiares
ou de idosos, tudo isso são aumentos das necessidades", alerta o
presidente da Cáritas de Lisboa, recordando ao mesmo tempo que cada caso é um
caso. "Uma pessoa individual com ordenado mínimo não vive bem, mas, em
princípio terá o suficiente para se subsistir." Ou seja, é preciso
analisar os casos em perspetiva.
Quanto vale a dignidade em
Portugal?
O presidente da Cáritas de Lisboa
lembra a importância de um rendimento adequado às necessidades para a obtenção
de uma vida digna, o ponto-chave de um estudo realizado em 2017 entre a
Universidade de Lisboa, a Universidade Católica Portuguesa e a Rede Europeia
anti-pobreza em Portugal.
Intitulado de "Rendimento
Adequado em Portugal , o estudo responde à seguinte pergunta: Quanto é
necessário para uma pessoa viver com dignidade em Portugal?" A resposta,
para um indivíduo em idade ativa (entre os 18 e os 64 anos) a residir só, é de
783€ para alcançar um nível de vida digno - um valor ainda muito longe do
salário mínimo nacional.
O mesmo estudo aponta ainda para
o valor mensal de 634€ para indivíduos de 65 anos ou mais, a residirem
sozinhos. E, na verdade, é a camada populacional mais velha em Portugal a que
mais sofre com um dos lados mais negros da pobreza: a solidão.
"Quando falamos das pessoas
mais velhas, muitas delas vivem em casas muito degradadas e têm muita
dificuldade em realizar as obras que seriam necessárias. Mas estamos também a
falar de pessoas que têm um grande problema de solidão e que estão quase que
isoladas na sua vida do dia-a-dia", explica Isabel Jonet.
Luís Macieira Fragoso conta que a
questão do envelhecimento da população é uma realidade "transversal a toda
a situação portuguesa" onde o isolamento e a solidão é, muitas das vezes,
a única companhia dos mais velhos."É preciso ainda considerar que uma
pessoa pode ser pobre não só por falta de dinheiro. Pode ser pobre porque está
isolada, porque está desprezada" conta, alertando ainda para a importância
de "olhar pelo próximo".
Angústia Permanente
"Uma angústia
permanente", é assim que a presidente do Banco Alimentar retrata o
dia-a-dia das pessoas que vai conhecendo de perto e que carregam o peso de
"tentar saber como é que vão levar o mês até ao fim". Por vezes,
ocorrem situações limite onde pessoas necessitadas precisam de uma intervenção
urgente para, por exemplo, comprar uma prótese ou evitar o corte no
fornecimento de água ou eletricidade.
Com as responsabilidades a
acumular entre pagar luz, água, renda e alimentação, são muitas as amarras que
vão prendendo estas pessoas a um ciclo difícil de romper. "Aquilo que
temos constatado é que, de alguma forma, as pessoas se conformam com esta vida
que acreditam que não vai mudar. E esta sensação que não podemos mudar. É um
grande desespero, sobretudo quando estas pessoas são novas", explica Isabel
Jonet.
Para tentar alterar estas
trajetórias de vida, Isabel Jonet conta que, através do Banco Alimentar, tenta
incutir a ideia de necessidade de se qualificarem e de irem à procura de
empregos que sejam dignos "mesmo com rendimentos baixos", sendo preferível
essa opção do que viver de subsídios da segurança social.
Melhorias que ainda são ténues
Apesar de identificar melhorias,
Isabel Jonet não tem dúvidas: "Os rendimentos que chegam às famílias mais
pobres são muito, muito reduzidos", havendo um longo caminho para ser
feito.
Parte desse caminho passa pela
consciencialização das próprias pessoas de que "é melhor ter o seu emprego
e ganhar o seu próprio dinheiro sendo responsável pela sua própria vida"
do que viver sempre com uma dependência, "seja do Estado, seja de
Instituições, seja de outras pessoas".
Mesmo querendo alterar o
comodismo que identifica, Isabel Jonet diz que o acompanhamento destas famílias
tem de ser feito "com amor". "As pessoas, muitas vezes, quando
vivem assim, não é por maldade. Não sabem viver de outra maneira e temos que as
ensinar e dar uma consciência do que é melhor para elas", explica.
Combater a pobreza
Isabel Jonet está convencida de
que "a única forma de combater a pobreza é com a educação e
responsabilizando todas as pessoas pela sua própria vida." A presidente do
Banco Alimentar Contra a Fome, explica ainda que é preciso incentivar uma
corresponsabilização da sociedade, entre os que têm menos posses e aqueles que
têm menos capacidades."
Já para Luís Macieira Fragoso, a
solução para erradicar a pobreza passa pela própria sociedade que precisa de
"ser mais justa", o que não se afigura como tarefa fácil."Penso
que isso tem a ver com questões que vão desde a formação de base, de todas as
pessoas terem direito efetivo a uma educação, a uma formação, ao acesso a
profissões, a crescer num ambiente onde os pais tiveram uma vida minimamente
digna, com uma casa com o mínimo, uma alimentação razoável, a possibilidade de
ir à escola e de ter sucesso escolar. Tudo isso é um trabalho muito difícil que
é preciso trabalhar", explica.
Apesar de considerar que a
avaliação da pobreza pode ser relativa, Luís Macieira Fragoso, Presidente da
Caritas Diocesana de Lisboa afirma que um pobre é "qualquer pessoa que não
tem o suficiente para fazer face às necessidades primarias como a habitação, a
alimentação e a formação dos seus filhos".
Este domingo celebra-se o 2ª ano
do Dia Mundial dos Pobres, criado pelo Papa Francisco em 2017. Luís Macieira
Fragoso, Presidente da Caritas Diocesana de Lisboa, garante que esta é uma
forma de "interpelar a humanidade" ou não fosse o problema da pobreza
"uma chaga que nos interpela a todos".
Afonso Fonseca Guedes | TSF
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