Portugal | O Estado a que chegámos
Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de
Notícias | opinião
O que mais nos deve
assustar na sucessão de falhas operacionais no socorro ao fatídico acidente com
um helicóptero do INEM não é a aparente leviandade com que as várias entidades
desrespeitaram o protocolo e tropeçaram nas pernas umas das outras, mas a constatação
de que não nos livramos deste filme de terror. O Estado continua a falhar na
sua missão primordial. Em manter os portugueses seguros e em garantir um
auxílio eficaz quando eles necessitam. Falhou em Pedrógão, falhou em Tancos,
falhou em Borba, falhou em
Valongo. Não foram décadas de incidentes. Isto aconteceu
apenas no último ano e meio. São circunstâncias especiais a mais em tão pouco
tempo. Obriga a reflexão.
Depois dos incêndios de 2017,
fizeram-nos crer que a dimensão inaudita da tragédia marcaria um ponto de
viragem na atuação das estruturas da Proteção Civil. Mas Valongo é a prova de
que continuamos entregues aos caprichos do destino. Desde logo porque ainda há
entidades que não sabem a quem telefonar em caso de determinado acidente. Com
Valongo voltamos a perceber também que mobilizar pequenos exércitos para as
ocorrências (na serra de Pias estiveram 19 entidades e 219 pessoas!) não
transforma o altruísmo militante de polícias e bombeiros numa estratégia de
socorro. Basta ver que a GNR andou uma hora sozinha nas buscas. E que tal
dispositivo não impediu que chacais recolhessem peças sobrantes do helicóptero
acidentado para mostrar aos amigos.
"Ainda não retirámos lições
quanto a estradas que caem e dificuldades de comunicação em acidentes como este",
salientou Marcelo Rebelo de Sousa. Sem o referir expressamente, o presidente da
República aludiu a uma perversão que Duarte Caldeira sintetizou assim: "O
sistema de Proteção Civil está capturado pelo combate aos fogos". Ou seja,
só sentimos verdadeiramente o impulso coletivo de atuar e de exigir quando
enterramos portugueses inocentes. Convenhamos: a missão de um Estado que nos
suga tanta vida nos impostos não devia ser a do cangalheiro choroso.
*Diretor-adjunto
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