Martinho Júnior | Luanda
1- A Europa (e não só a União
Europeia), directa e indirectamente está a sentir a necessidade de fluência na
direcção do multipolarismo emergente que se vai distendendo desde o leste da
Euro-Ásia, sobretudo em função da actividade da Organização para a Cooperação
de Shanghai e tendo em conta a oportunidade do “belt and road”, a Nova
Rota da Seda que vai integrando parceiros de forma articulada desde o Pacífico.
Essa Europa, que é sobretudo a
Europa do Euro, não tem merecido da parte da diplomacia angolana a atenção ao
nível do que é importante equacionar para Angola, um país que até passou a ter
no Euro a sua moeda internacional de referência.
As diligências agora iniciadas
pelo Presidente João Lourenço na direcção da Europa, conforme sua recente
visita a França e à Bélgica, (que será complementada com a próxima visita à
Alemanha – http://www.vanguarda.co.ao/2018/06/20/visita-de-presidente-angolano-a-alemanha-marcada-para-agosto/),
visam colocar num momento oportuno a Europa, na expressão dos seus mais fortes
componentes (França e Alemanha sobretudo) como uma prioridade dos
relacionamentos externos angolanos, sem prejuízo de outros em curso, que se
deverão necessariamente adequar às correcções.
Essa nova ordem do esforço
diplomático angolano corresponde a “corrigir o que está mal e melhorar o
que está bem”, slogan da própria candidatura do Presidente João Lourenço, ao
mesmo tempo que incentivam os mecanismos e procedimentos de paz,
desenvolvimento e democracia, prioritários para África, com particular atenção
em Angola, nos dois Congo, na região dos Grandes Lagos e no Golfo da Guiné.
É evidente que em relação a essa
Europa há razões sobejas de em África se manterem todo o tipo de reservas,
tanto pior em relação a uma França que com Macron além do incentivo interno aos
procedimentos capitalistas neoliberais, mantém acerrimamente os postulados da
FrançAfrique no seu pior estilo, na África do Oeste e ao longo de todo o Sahel,
até ao paralelo da República Centro Africana.
Integração e articulação é
todavia um pressuposto multipolar em emergência e o lugar a preencher pela
Europa nesse sentido, pode começar a ser finalmente preenchido, pelo que numa
altura em que há indícios de alterações nos relacionamentos internacionais, a
visita do Presidente angolano tem suporte e justificação.
2- A oportunidade das visitas do
Presidente João Lourenço, vai beneficiar de forma recíproca as relações entre
Angola e a União Europeia, num momento em que a Europa tende a reflectir sobre
os laços de vassalagem que se arrastam desde a IIª Guerra Mundial no quadro dos
procedimentos típicos do império da hegemonia unipolar e apesar das correntes
de inteligência e militares que a prendem a uma NATO, que por seu turno começa
a abrir brechas (https://morningstaronline.co.uk/article/nato%E2%80%99s-cracks-are-beginning-show)…
A Europa, sob os pontos de vista
económico e financeiro (http://misionverdad.com/trama-global/adios-al-dolar-o-la-verdad-detras-del-g7),
ao fluir na direcção leste no imenso continente euro-asiático, requalifica seus
interesses, aptidões, conveniências e propósitos, obrigando a uma revisão dos
parâmetros de sua defesa e segurança (incluindo uma revisão do seu papel no
quadro da NATO) e um reequacionamento de relacionamentos com outros continentes
e estados desses continentes.
Durante a última reunião do G-7
no Canadá (http://www.defenddemocracy.press/united-states-and-europe-now-two-strategies-collide/),
assistiu-se à antecâmara dessa fluência, correspondendo ao que está a
determinar a deriva da Turquia, ainda que seja um dos mais fortes componentes
da NATO.
Chegar à Europa, chegar a França
e Alemanha, no preciso momento do início dessa fluência, é um sinal de
clarividência da diplomacia angolana e dos esforços do novo Presidente apostado
em mudanças, ainda que numa época global imersa em todo o tipo de riscos.
Esse facto vai influir também na
prioridade de segurança comum, conforme o que inspira por exemplo a iniciativa
da criação e exploração dos dois Nord Stream no Mar Báltico (https://euobserver.com/foreign/141756),
eles próprios componentes avançados, a oeste, dos conceitos inerentes à Nova
Rota da Seda e África precisa urgentemente duma reformulação dos termos de
segurança, uma vez que o caos, o terrorismo, o divisionismo e a desagregação,
são frutos proibidos que só têm vindo a beneficiar os que persistem nos
conteúdos do império de hegemonia unipolar e seus poderosos instrumentos em
África, entre eles o USAFRICOM e a NATO (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/06/a-guerra-psicologica-do-imperio-da.html).
3- Angola precisa por outro lado
de levar muito em linha de conta a necessidade de iniciar a reformulação
inteligente dos procedimentos de independência, soberania e segurança, em
relação aos contextos e conjunturas em seu próprio território, mediante novos
processos de integração e articulação.
Essa reformulação prende-se
também à necessidade de se implementar uma outra doutrina, filosofia e
ideologia a fim de aprimorar o carácter do próprio estado angolano e sua
vocação de fiel depositário dos interesses de todo o povo angolano.
A primeira Rota da Seda que
existiu em África, foi em tempo de Império Britânico e foi expressa de forma
elitista pelo que foi aplicado nesse âmbito “do Cabo ao Cairo”, conforme o
génio geoestratégico de Cecil John Rhodes (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferrovia_Cabo-Cairo).
No século XXI o pensamento
elitista aplicado desde então a África, por aquilo que ele acarreta de
exclusivismo, deve ser alvo de crítica descolonizadora, anti-imperialista e ao
mesmo tempo substituído pelo desenvolvimento das potencialidades inerentes aos
processos de integração e articulação no continente.
Angola está a ser alvo de
aplicações decorrentes do pensamento elitista que em África tem como base a
África do Sul, algo que contraria os pressupostos da emergência multipolar,
quando a própria África do Sul é o único membro africano do grupo BRICS (https://www.odiario.info/brics-reunidos-na-africa-do-sul/)!
Por essa razão, Angola tem tido
imensas dificuldades em perceber as potencialidades duma geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável que priorize fluências e linhas de força decorrentes
da Região Central das Grandes Nascentes (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html),
pois está a ser deliberadamente atraída na sua atenção para as periferias,
conforme o exemplo das motivações da criação dos Parques Naturais
Transfronteiriços, no âmbito do KAZA-TFCA (https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/).
É evidente que esses Parques
Naturais são muito importantes para a paz, para melhor definir a
sustentabilidade do desenvolvimento humano, para o turismo, para a protecção da
fauna e da flora, até para reforço das medidas de respeito que a Mãe Terra
merece, mas não são a prioridade máxima para os pressupostos básicos duma
geoestratégia para um desenvolvimento sustentável (http://www.redeangola.info/roteiros/marco-geodesico-de-angola/),
conforme a atenção prioritária que se deve conferir ao perímetro circular da
Região Central das Grandes Nascentes (cujo centro coincide praticamente com o
centro geográfico do espaço nacional angolano – https://run.unl.pt/bitstream/10362/14542/1/TSIG0103.pdf).
Por outro lado, o verdadeiro
motor por detrás da confluência de interesses que adensam o KAZA-TFCA, têm sido
instrumentalizados pelo “lobby” dos minerais nos Estados Unidos, em
estreita consonância histórica com os interesses do cartel dos diamantes, que
se aplica em tirar proveito do processo Kimberley e do deslocamento do grosso
dos seus interesses, investimentos e acção para o Botswana.
As abordagens no quadro das
emergências multipolares facilitam mesmo assim um outro equacionamento dos
fenómenos físico-geográficos correlacionados com os fenómenos humanos, algo que
se a Europa começa a experimentar ao ser atraída a expedientes integradores e
articulados; a Europa pode assim começar a contribuir para em África se
abandonar o pensamento elitista que tem tanto a ver com colonialismo,
império, “lobby” dos minerais e cartel dos diamantes, reforçando as
integrações articuladas que tenham a ver com a sustentabilidade do
desenvolvimento e com uma geoestratégia que é uma base potencial para alicerçar
os mais amplos processos de inteligência e de segurança.
É também essa nova forma de focar
e interpretar, que pode melhor equacionar os processos que conduzem à paz na
RDC e nos Grandes Lagos, a imprescindível plataforma que abre as portas do
desenvolvimento sustentável em África.
Depois das viagens do Presidente
João Lourenço à Europa, têm a palavra os relacionamentos de Angola com os mais
poderosos emergentes multipolares, uma espectativa que fica em aberto.
Martinho Júnior - Luanda, 23 de Junho de 2018
Imagens:
Presidente João Lourenço visita a
França;
Presidente João Lourenço visita a
Bélgica;
Visita ao Bié (a 26 de Fevereiro
de 2017), do candidato à Presidência da República de Angola, João Lourenço – http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/mpla_desafia_a_oposicao);
Marco geodésico central de
Angola, em Camacupa (reinaugurado a 9 de Julho de 2015);
Mapa de Angola com a localização
do marco geodésico central.