Boris de manhã, à tarde e à noite. O Brexit dá que escrever e falar. Ontem, hoje, amanhã e depois. Até quando? A vantagem é que não representa um "fartum" porque afinal é o que salva a atual pasmaceira experimentada pela comunicação social nesta quadra de férias de verão. Ainda bem.
O Curto matinal está "fesquinho", há pouco saído das laudas (onde elas já vão!) e do teclado de Valdemar Cruz, do Expresso. Abre com o Brexit e o "casmurro" do Boris. Vai por aí e passa pela morte do Mugabe (bom, assim-assim e mau). Ele "foi-se", velho e tresloucado. Odiado e... De nada lhe valeram os palácios pomposos e dispendiosos pagos com a miséria do povo. É a vida dos que esquecem que na morte somos mesmo todos iguais.
Mas o Curto tem mais, e é de ler. Não se façam rogados. O Curto é como uma janela para o país e para o mundo. Vê-se quase tudo, ou trata de quase tudo. E cultura também. Desporto não falta. São curtas mas deixam-nos mais e melhor informados. Quando informam, é o caso.
Bom dia. A seguir é tudo vosso. Foi criado exatamente para isso. Use os "miolos". Como a água inquinada, também os órgãos de comunicação precisam de que saibamos filtar o que dali jorra. Senão a diarreia é certa.
Pule para o Curto e goze um bom calor porque o verão chegou finalmente. Até quando é que não sabemos. Há os que planeiam fazer praia em dezembro. Natal catita.
Redação PG | CT
Bom dia este é o seu Expresso
Curto
A Confusão é Geral. Palavra de
Dom Casmurro
Valdemar Cruz | Expresso
Bom dia,
É no velório de Escobar que Bentinho, isto é, Dom Casmurro, a personagem criada pelo escritor brasileiro Machado de Assis, fica com a certeza da culpa, da traição, de Capitu, sua esposa. O problema está em, quando se trata de relações amor/ódio, nenhuma certeza ser absoluta. Há sempre espaço para a dúvida. Afinal, quem traiu quem? É, se quisermos, um pouco o que se passa com a relação tormentosa entre a União Europeia e a Grã Bretanha.
Ameaçam separar-se. Mesmo se todos percebem como a lei do divórcio é, no contexto da UE, algo ainda mais complexo que uma escalada dos Himalaias e uma missão à Antártida juntas. Ambos se sentem traídos e já se sabe como nestas situações a culpa nunca está de um lado só. Ontem, no que parece já um ato de desespero, o Primeiro Ministro britânico, Boris Johnson, anunciou o desejo da sua própria morte ao assegurar preferir estar “morto numa vala a pedir novo adiamento do Brexit”.
A UE, para já, segue tudo à distância e no conforto do primeiro balcão, com a aparente tranquilidade de quem sabe ter-se consolidado a ideia de que quem queira abandonar a União, ou é louco, ou é suicida. Isso cria dilemas morais terríveis, como se viu pela reação do próprio irmão de Boris Johnson, que abdicou do cargo de ministro e deputado, derrotado pelo que considera ser “a tensão insolúvel entre a lealdade familiar e o interesse nacional.” O drama é shakespeariano ou freudiano? É uma reação com o poder de espelhar, através das divisões numa família, as profundas clivagens que neste momento corroem a sociedade britânica, desde o contexto familiar às relações entre diferentes comunidades. Numa metáfora dessa realidade, o jornal The Guardian escreve sobre uma família dividida e mostra como o Brexit fraturou os Johnsons.
Outras fraturas se manifestam. As chefias da polícia não gostaram e censuraram o Primeiro Ministro por usar alunos da Academia de Polícia de West Yorkshire como adereço, ou pano de fundo, durante o seu discurso de ontem sobre o Brexit.
Os britânicos irão a votos para resolver a contenda? Sairão da UE com ou sem acordo? Irão mesmo sair? Ou conseguirão adiar mais alguns meses o divórcio, para conseguirem um acordo capaz de satisfazer ambas as partes?
A UE, explica-se no Expresso on line, quer “uma boa razão” para adiar o Brexit. Boris quer ter eleições a 15 de outubro, dois dias antes da reunião do Conselho Europeu. Convencido da vitória e da obtenção de uma maioria no Parlamento, teria assim margem para escapar à obrigação de pedir um adiamento da saída, até porque já sabemos que preferia estar morto numa vala, a fazê-lo. Jeremy Corbin e os trabalhistas não têm tarefa fácil, desde logo por andarem a pedir eleições há muito tempo. Ou aceitam o jogo de Boris, ou, sem perderem a face, reclamam eleições, mas mais tarde, fora da agenda pessoal do Primeiro Ministro.
No meio disto tudo o que andam a fazer os Liberais, essa salgalhada onde vão parar os descontentes dos Conservadores e dos Trabalhistas, e de cuja agenda pouco se fala? É outra das incógnitas da cobertura noticiosa que mereceria reflexão mais aprofundada.
A confusão é geral. Em rigor, Machado de Assis usou o pretérito imperfeito. “A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...”. Como o Brexit vem de um passado na verdade pouco perfeito, embora seja sobretudo presente e futuro, deixemos os tempos verbais e atentemos numa dúvida que nem é existencial: quem faz aqui o papel de Capitu ? E quem será o cadáver?
OUTRAS NOTÍCIAS
Da noite vem o insonso debate entre Rui Rio e Assunção Cristas. Quando se fala de crise de identidade da direita e do centro-direita, ali está a demonstração prática dessa realidade. Num momento de necessária intensa disputa de eleitorado, fizeram pouco pela vida. De tanto não quererem hostilizar-se, acabaram a revelar ténues diferenças. Como se escreve no Expresso, optaram por um pacto de não agressão. Uniram-se no que parece ter-se tornado no mantra da direita: a redução de impostos. Apenas uma diferença assinalável: Cristas assumiu por inteiro as dores do anterior Governo PSD/CDS, ao contrário de Rio e, por consequência, rejeitou em absoluto qualquer espécie de colaboração com um futuro governo do PS. Ao contrário de Rio, disponível para o que chama “reformas estruturais”.
Morreu Robert Mugabe. Tinha 95 anos e, dele disse o atual chefe de Estado, Emmerson Mnangagwa “foi um ícone da libertação pan-africanista”. Governou o Zimbabwe “com punho de ferro” entre 1980 e 2017. Há dois anos, membros do seu próprio partido derrubaran-no num golpe e substituíram-no pelo então você-Presidente e atual chefe de Estado.
Donald Trump poderá ter recorrido a um mapa manipulado sobre a rota do furacão Dorian, que lançou uma verdadeira tragédia sobre as Bahamas. O New York Times tem um excelente trabalho gráfico e vídeo sobre as verdadeiras dimensões da catástrofe.
O drama dos refugiados nas ilhas gregas continua. Os cinco pontos de chegda só têm capacidade para 6 300 pessoas. Mas todos os dias chegam mais homens, mulheres, crianças. “Quando é que isto acaba?”. Pergunta a jovem Zeynab e outras 24 mil pessoas, como se pode ler neste comovente trabalho de Marta Gonçalves.
Erdogan queixa-se da constante chegada de sírios à Turquia. Quer agora deslocar um milhão de refugiados para as áreas kurdas, no norte da Síria. Ameaça deixar passar os migrantes se não receber mais apoio da União Europeia.
A solução à portuguesa está difícil em Espanha. PSOE e Unidas Podemos tiveram uma primeira reunião, porventura para, como costuma dizer-se, “partir cascalho”, mas os resultados não parecem ter sido satisfatórios. Pelo menos não terão sido assinalados grandes avanços, mas as reuniões vão continuar.
O verão a sério só agora está a chegar. Com ele chegam os incêndios. A Autoestrada do Norte (A1) e a A25 (Beiras Litoral e Alta) estavam às 07:30 de hoje cortadas devido a um incêndio no concelho de Albergaria-a-Velha, Aveiro, que mobiliza 227 operacionais, segundo a proteção civil. De acordo com o Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Aveiro, estão cortadas a A1 (Albergaria - Aveiro Sul), a A25 (no nó de Angeja Carvoeiro) e Estrada Nacional 16.2 junto às localidades de Afilhó e Alquerubim.
PRIMEIRAS PÁGINAS
Transplantes aumentaram 8% até julho – Público
Portugal recebe nova fábrica de automóveis todo-o-terreno – JN
Novo passe faz aumentar 21% as multas no comboio da ponto – DN
As escolas que estão a revolucionar o ensino – I
Militares salvam perna do ator – Correio da Manhã
FRASES
“Preferia estar morto numa vala a pedir um novo adiamento”. Boris Johson, Primeiro Ministro britânico em resposta a uma pergunta dos jornalistas
“Sempre houve fogos na Amazónia. Quando são pequenos, a natureza encarrega-se de se reconstruir em poucos anos. Mas aquilo a que assistimos agora é um verdadeiro apocalipse”. Erwin Kräutler, arcebispo, presidente do Conselho Missionário Indígena, citado pelo Guardian. Passou 54 anos na região e marca assim a distância da igreja católica em relação às posições de Bolsonaro, muito ligado às igrejas evangélicas
O QUE ANDO A LER
E de repente, uma espécie de assombro corroeu a bonacheirona placidez vivida por uma certa intelectualidade francófona brasileira, feita de literatos e candidatos a um lugar no pódio dos ilustres. Corria o ano de 1938 e nas livrarias aparece um livro intitulado “Bahia de tous les saints”. Assim mesmo, em francês, e com a chancela da já então prestigiada editora Gallimard. Para maior espanto, na capa figurava como autor o ainda muito jovem, embora já bem conhecido Jorge Amado, então com 26 anos. O livro, escrito aos 22 anos, recebera o título original “Jubiabá” e narrava o percurso de António Balduíno, de menino pobre do morro de Capa Negro até dirigente de movimentos grevistas na cidade da Bahia, em Salvador.
Aos 26 anos, Jorge Amado era o primeiro brasileiro a ser publicado pela Gallimard e assim continuou até 1956, quando a Gallimard resolveu abrir portas a Graciliano Ramos. Até o ano 2 000, apenas mais três brasileiros entraram no catálogo da editora francesa.
Tudo isto é contado por Joselia Aguiar em “Jorge Amado – Uma Biografia”, uma suculenta obra com 643 páginas feitas sufoco (já li quase um terço), pelo modo como em cada instante, em cada parágrafo cresce o desejo intenso, às vezes incontrolável, de continuar a leitura. À procura de mais. À procura de novas histórias, de novos episódios, de novos deslumbramentos, quantas vezes muito para lá dos estereótipos, sobre o Brasil ou sobre o autor, fixados pelas telenovelas, pelas adaptações cinematográficas ou pelo imaginário popular.
Mais que um livro, a proposta de Joselia é uma imensa e sedutora viagem pelo século XX do Brasil, através dos processos de construção dos livros de Amado, das suas muitas vidas, dos escritores e artistas com quem convivia, debatia ou discordava, das feridas do Estado Novo e das perseguições políticas continuadas e porventura aumentadas no período da Ditadura Militar.
À época da publicação na Gallimard. Graciliano Ramos, numa altura em que muitas especulações se faziam sobre o modo como Amado conseguira entrar na editora, chama a atenção para um dado crucial. Numa coleção “onde figuram escritores terrivelmente importantes” entra “uma história de negros e mulatos”. Os rivais perguntavam que cunhas teriam sido movidas e depressa surge a explicação mais fácil: a mão do comunismo internacional movera influências para cativar a editora.
Esse é um dos mitos desfeitos por esta biografia resultante de sete anos de pesquisa e de acesso a documentos e depoimentos inéditos. A autora acentua o modo como Amado deste muito cedo começara a trabalhar a hipótese de internacionalização e revela mesmo que só muito tarde foi traduzido na URSS, muito depois do que o próprio escritor pensava, e também muito depois de estar já traduzido em França e nos Estados Unidos da América. Como concluiu Graciiliano, “Jubiabá” triunfou “pelas suas virtudes”, mesmo se é um dos romances mais empenhados politicamente. Quando morreu, em 2001, estava traduzido em 49 idiomas e vendera 80 milhões de livros em todo o mundo.
Todos estavam habituados a ver apenas homens ou mulheres brancas como personagens da generalidade dos grandes romances. Com Jorge Amado tudo muda. Os protagonistas das histórias são negros e negras, mulatos e mulatas, pais de santo. O escritor, percebe-se ao longo de vários livros, acaba por ver, por exemplo no candomblé, uma forma de resistência política e social. Enquanto deputado, em 1940, tem um papel crucial na aprovação da lei da liberdade religiosa, ainda hoje em vigor no Brasil.
Inconformado, amante da liberdade, perseguido, preso, proibido no Brasil, como em Portugal, estalinista, depois anti estalinista, tem algumas constantes na sua vida. Como a luta pela liberdade, contra a intolerância, contra a censura, a defesa da cultura afro-baiana, e o culto pela ideia da diferença.
Joselia, jornalista, investigadora, durante dois anos curadora da Feira Literária de Paraty, constrói um fresco de tremenda atualidade, num Brasil condicionado por uma conjuntura política feita de intolerância, de desrespeito pelo outro, pela diferença. O reencontro com a tão imensa quanto fascinante – apesar de altos e baixos - obra de Jorge Amado representa, hoje, uma forma de rejeição do mundinho vingativo, boçal, sectário, desprezível, incentivado e cultivado por um Bolsonaro que não passa, afinal, de uma caricatura de aspirante a “coronel”.
Na despedida uma sugestão: mesmo que não seja, nem esteja no Porto, tente visitar a Feira do Livro, nos jardins do Palácio de Cristal a partir desta sexta-feira, com Eduardo Lourenço como homenageado. Quanto mais não seja, por, na sua conceção, não ser uma feira do livro como as outras.
Porque amanhã é sábado, é dia de Expresso nas bancas. Na Revista tem, por exemplo, uma entrevista com Maria Bethânia ou uma reportagem sobre a corrida ao lítio, essencial para as bateriais elétricas dos automóveis. Boas leituras.
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