quinta-feira, 2 de abril de 2020

Portugal | Um futuro sem sombras


Vítor Santos | Jornal de Notícias | opinião

Passámos a viver lá na vertigem do trapézio, no arame estreito e inseguro, aspirados por uma pandemia que nada tem de bom ou bonito. Não encontro fatores positivos neste momento crítico.

Cruzo-me, cruzamo-nos todos, com heróis acidentais, por devoção ou obrigação, pessoas que se destacam com ações que nos comovem. Mas não, não é preciso vermos os nossos queridos em risco, não é preciso faltarem meios em lares e hospitais, não é preciso estarmos confinados em casa para nos tornarmos mais preocupados com o próximo, mais solidários, mais criativos. Sabíamos todos disto, não? Sabíamos, claro.

Quando o vírus der tréguas, quando chegar a vez de ficar ele confinado por uma vacina, voltaremos ao mesmo, ao isolamento social onde antes uma boa parte de nós se encontrava. Pode parecer uma visão pessimista. Mas o tempo, acredito, vai encarregar-se de nos mostrar que assim será, tirando uma quantidade razoável de hábitos que, por receio, haveremos de mudar.

Importa, por isso, nesta fase, manter o futuro respirável, sem colocarmos em causa a segurança comum. Fazê-lo será encontrar um quotidiano normal dentro da anormalidade que serão os próximos tempos. E isso não depende exclusivamente dos vários poderes e dos reguladores da saúde. Está nas mãos de todos, individualmente e dentro das pequenas comunidades. Em ambiente familiar e de trabalho, sobretudo. É imperioso potenciarmos a solidariedade e a criatividade no sentido de encontrar formas de conviver e trabalhar com o conforto possível. Sem nos desviarmos um milímetro do centro do arame ténue em que nos movimentamos. Mas avançando. Sem lamúrias - chegam, justificam-se, as daqueles cujos familiares e amigos perderam a vida, as dos que estão doentes, as dos que não receberam o salário de março, as dos que já perderam o emprego. São tempos estupidamente difíceis. Compete-nos ultrapassá-los sem adormecer à sombra de vírus, sob pena de, quando acordarmos, nos custar ainda mais sair da escuridão em que este nos mergulhou.

*Editor-executivo

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