sábado, 1 de agosto de 2020

A naturalização do discurso fascista nas relações sociopolíticas das democracias

Marcela Uchôa* | Carta Maior

Em “Aspetos do Novo Radicalismo de Direita” - publicado recentemente em português pelas edições 70 com tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy – Theodor Adorno problematizou como o ressurgimento do nacional-socialismo na democracia é ainda mais perigoso do que a sobrevivência de tendências fascistas contra a democracia. 

O pathos do nacionalismo, os truques da propaganda subvertidos em discursos supostamente democráticos que engendram nossas estruturas sociais e políticas em pleno século XXI - fazem-nos refletir se fenómenos históricos se repetem... A preocupação em banir termos e símbolos são importantes, mas não só, o cuidado deve se estender à necessidade de superar as ideias que estruturam esse tipo de ideologia.

O nacionalismo - que tem ganhado espaço em debates públicos - sucumbe a forma obtusa como o racismo encontra seu lugar comum nas estruturas sociais que resguardam heranças fascistas. Esse tipo de ordenamento pode ser observado desde a estrutura de algumas instituições públicas até a violência policial como braço do Estado.

Mas, as raízes que estruturam o discurso fascista são ainda mais profundas, elas remetem a própria crise do capitalismo e de pouco adianta que tentemos combater o fascismo como expressão formal de um conteúdo de ódio, como é apanágio do discurso liberal, se não combatermos o capitalismo. A alternância entre o bem-estar social e pequenos avanços económicos fazem parte desse processo. São concedidos à uma parcela pequena da população que envolta pela alienação social em vez de lutar pelos seus direitos, fomentam uma competitividade entre a própria classe trabalhadora que fragmentada começa a lutar contra ela mesma, como num processo de autofagia que garante a manutenção do grande capital.

É essa a classe trabalhadora que acha que é elite, ou que um dia vai ser. Naturalizam a corrupção, o machismo, o racismo, a xenofobia e se autoflagelam nesse ciclo lancinante em que se autoconsumem, há algumas centenas de anos, em um processo repetitivo e degradante que tem dissipado o nosso próprio sentido de humanidade.

Esse processo não seria possível sem a ajuda de partidos, movimentos, que se desenvolvem de forma calculista - com uma estrutura maleável jogam de forma hábil com a inércia e a cumplicidade daqueles que deveriam ser seus opositores. Nessa armadilha os limites democráticos e legais ficam sob a chancela da comunicação social que comummente é gerida e fomentada pelos donos do capital.

Para os conformistas é salutar reencontrar Bertold Brecht, quem nos lembra que o fascismo não é uma catástrofe natural. É possível resistir mesmo nas condições mais terríveis, especialmente se compreendermos esses processos como cicatrizes abertas geradas pelo capitalismo, que faz com que agora tenhamos chegado à um momento histórico particular. O surgimento do neoliberalismo e suas condições de regulação tornam o recrudescimento do fascismo muito mais expectável do que noutros períodos históricos do capitalismo. Também essas condições alteram as bases de legitimidade do capitalismo, e ao que parece têm se tornado mais robustas do que nunca... Nesse sentido, quem se diz antifascista, antirracista e não é anticapitalista; não é contra as relações de produção que produzem a barbárie, é apenas contra a barbárie.

*Marcela Uchôa é doutoranda em Filosofia Política na Universidade de Coimbra, investigadora no Instituto de Estudos Filosóficos – IEF – UC

*Adaptado pela autora a partir de seu artigo publicado em 'O Público'

Imagem: Ilustração: Lézio Júnior

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