"De boas intenções está o inferno cheio" - ditado popular
Martinho Júnior, Luanda
O golpe do 25 de Novembro de 1975
em Portugal ocorreu a apenas 14 dias depois da Proclamação da Independência da
República Popular de Angola e foi sequência dum crescendo de acções que
atentaram contra a linha mais progressista do Movimento das Forças Armadas que
havia com êxito concretizado o derrube do estado colonial-fascista a 25 de
Abril de 1974.
O MPLA havia conseguido realizar uma
síntese com essa linha progressista antes do 11 de Novembro de 1975 e nesses
termos o MFA chegou a ser considerado pelo Presidente António Agostinho Neto,
como mais um movimento de libertação.
É lógico que os germes do “spinolismo”,
do 11 de Março de 1975 e do “verão quente” repercutiram com outras
correntes, (inclusive as que mobilizaram a disponibilidade ideológica dos “retornados” e
do Exército de Libertação de Portugal, ELP) a fim de, com esses ingredientes,
provocar outro tipo de relacionamentos na direcção de Angola, relacionamentos
que ganharam expressão com os sucessivos governos do “arco de governação e
da “geringonça”.
O golpe de 25 de Novembro de 1975
foi uma amálgama que para muitos é ainda confusa, todavia é claro que foi
decisivo para a confirmação do alinhamento de Portugal no quadro da NATO e dos
passos que deu na direcção da União Europeia (a ponto de sacrificar uma parte
substancial do seu próprio parque industrial, reformulando as elites económicas
e financeiras portuguesas, assim como o quadro de suas interconexões). (https://expresso.pt/politica/2019-11-24-Toda-a-historia-do-25-de-Novembro-a-dramatica-aventura-que-ditou-o-fim-da-Revolucao-1).
Esses governos procuraram sempre,
ainda que utilizando mascaramentos, o progressivo desgaste da RPA, uma
República Popular de Angola cujo carácter lhe era distinto, a fim de formatar
Angola na tentativa de produzir um ente afim!
Um dos recursos do mascaramento
em 1977 foi a frente cultural com a trova e os trovadores de Abril prontos para
a cultura de aproximação entre os povos a que se refere Artur Queiroz, mas já
com outro sinal “democrático” instalado em Portugal, um sinal
distinto do 25 de Abril, mas utilizando oportunisticamente quantas vezes o
rótulo do 25 de Abril!.
Essa conduta de “bons
costumes” cada vez teve menos a ver com a ala progressista do MFA,
apagando-a mansamente dos cenários desde essa época, pelo que a síntese que se
obteve entre o MPLA e o MFA antes da independência teve uma ruptura
inteligente, que foi explorada subtilmente, aproveitando a parte portuguesa o
episódio da tentativa abruta de desagregação que foi o 27 de Maio de 1977.
Só com o tempo foi possível a
Angola começar a discernir sobre o carácter desses governos portugueses
sucedâneos do 25 de Novembro de 1975, com o rótulo de “moderados” e “democráticos”,
de plasma “representativa”!
Uma das primeiras percepções
sobre as alterações de comportamento de Portugal nos relacionamentos com
Angola, gerando uma nova antítese, obteve-a a Segurança do Estado da República
Popular de Angola, quando por via da “Operação Kubango”, cuja parte
pública foi dada à estampa pelo jornal Expresso de 14 de Agosto de 1982, se
começou a perceber o à vontade da inteligência do “apartheid” em
Lisboa, nomeadamente com a cobertura “gratificante” ao Adido Militar
Adjunto da África do Sul, Jacobus Everhardus Louw, que viria aliás a ser
condecorado por Cavaco Silva, anos mais tarde, com a Comenda da Ordem do
Infante Dom Henrique, (a 31 de Março de 2010)!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2013/11/a-ambiguidade-feita-cultura-politica.html?m=1; https://paginaglobal.blogspot.com/2018/12/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html).
Esse Adido foi responsável pelo
recrutamento de agentes dos serviços secretos do “apartheid”, em
conivência com os serviços secretos portugueses, tendo como alvo de mobilização
Benguela!
Os governos portugueses
habituaram-se de tal modo que em relação ao 27 de Maio de 1977 foram permitindo
a instalação de processos de propaganda intensiva que passaram a
sistematicamente hostilizar uma a uma, as sucessivas Repúblicas de Angola,
permitindo até as leituras neofascistas de Carlos Pacheco, com o objectivo de
desgastar, confundir, desagregar e/ou dividir, explorando os êxitos de
vassalagem, semeados circunspectamente no seguimento de Bicesse, a 31 de Maio
de 1991…
Os governos portugueses ganharam
um carácter similar, ainda que com outros condimentos, ao que norteou sua
conduta durante a IIª Guerra Mundial, sob a capa da “neutralidade”… ou
seja, houve o recurso a habilidades de que o poder em Portugal foi useiro e
vezeiro desde o episódio do Mapa Cor-de-Rosa que deu origem à República
Portuguesa!
A aproximação do clã Soares ao
clã Savimbi, seria de certo modo “marca” dessa ambiguidade,
constituindo de facto um clímax antecipando Bicesse, na esteira da inauguração
do neoliberalismo nos relacionamentos entre Portugal e Angola sob as
sensibilidades de Lisboa, com inspiração em Ronald Reagan
(Presidente de 1981 a
1989) e Margareth Thatcher (Primeira Ministra de 1979 a 1990), algo de que
o “arco de governação” e o “apartheid” tão bem
aproveitaram, reformulando enquanto puderam os postulados do Exercício Alcora,
mantido durante muitos anos aliás tão secreto quanto o foi antes!... (https://arquivos.rtp.pt/conteudos/encontro-de-jonas-savimbi-com-mario-soares/).
Martinho Júnior -- Luanda, 15 de Agosto de 2020
-- Três imagens do Expresso sobre o
aparato do 25 de Novembro de 1975 – https://expresso.pt/politica/2019-11-24-Toda-a-historia-do-25-de-Novembro-a-dramatica-aventura-que-ditou-o-fim-da-Revolucao-1
Junta-se texto de Artur Queiroz
DE ZECA AFONSO A CLARA NUNES
Grandes Nomes da Cultura ao Lado
das Vítimas dos Golpistas
ARTUR QUEIROZ
Primeiro Governo Constitucional
de Portugal. 1977 Maio 27. Mário Soares era o primeiro-ministro de Portugal e
acumulava com a pasta dos Negócios Estrangeiros. Em 1978, Vítor Sá Machado, do
CDS, assumiu a chefia da diplomacia portuguesa. Nessa qualidade esteve presente
na cimeira entre os Presidentes Agostinho Neto e Ramalho Eanes, em Bissau. Nessa época
a UNITA abriu em Lisboa uma “delegação”, em instalações cedidas pelo partido
mais à direita na Assembleia Nacional portuguesa.
A Imprensa portuguesa deu grande
destaque ao golpe de estado militar derrotado de 27 de Maio de 1977. O jornal
“Página Um”, fundado para apoiar a candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho à
Presidência da República, publicou dezenas de peças sobre as incidências do
golpe, até final de Junho. O semanário “O Jornal” foi o único jornal português
que teve um repórter em cima do acontecimento na capital angolana, Manuel Beça
Múrias. O Diário de Lisboa fez igualmente uma cobertura exaustiva do golpe
militar derrotado. Em meados de Junho publicou uma declaração de Mário Pinto de
Andrade na qual ele apoia Agostinho Neto e o Bureau Político do MPLA ao mesmo
tempo que classifica os golpistas de facínoras.
Entre 27 de Maio de 1977 e a
cimeira entre os Presidentes Ramalho Eanes e Agostinho Neto em Bissau, nunca
João Lourenço, Francisco Queiroz, Francisca Van-Dúnem ou Edgar Valles tiveram
qualquer intervenção pública sobre o golpe de estado militar derrotado de 27 de
Maio de 1977. E nessa altura, o irmão de Sita Valles já tinha sido professor do
actual ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do Executivo chefiado pelo
Presidente João Lourenço. Ninguém falou de direitos humanos violados ou erros
políticos que causaram vítimas inocentes.
O primeiro-ministro português
Mário Soares, que era igualmente ministro dos Negócios Estrangeiros, sabia de
fonte limpa que numerosos agentes do KGB, de vários países ditos socialistas,
estavam implicados na direcção do golpe militar. E sabia que militantes do
Partido Comunista Português eram próximos dos dirigentes golpistas, sobretudo
de Nito Alves e José Van-Dúnem. Ele teria aberto a garrafa de champanhe se os
golpistas triunfassem. Mas também abriu uma coca-cola por Agostinho Neto não
ter sido derrubado e assassinado. Savimbi mais seus amigos nazis e racistas sul-africanos
tinham mais sucesso com um MPLA aliado ao Movimento dos Não Alinhados do que na
esfera da União Soviética.
Edgar Valles, no primeiro Governo
Constitucional liderado por Mário Soares, já era licenciado em Direito, adulto,
autónomo. Porque nunca falou dos crimes de que fala hoje, ele e seus avençados
disfarçados de historiadores? Francisca Van-Dúnem, na vigência do primeiro
Governo de Mário Soares, era estudante de Direito, adulta, autónoma, livre.
Porque nunca falou das “vítimas” do 27 de Maio de 1977? A resposta é simples:
Sabiam (e sabem) que criminosos foram os golpistas e todas as vítimas durante e
depois do golpe são da sua inteira responsabilidade.
Em 1977 e nos anos seguintes, a
opinião pública em Portugal teve muitas manifestações de solidariedade para com
Angola, o MPLA e seu líder, Agostinho Neto. O Presidente Ramalho Eanes foi mais
longe e fez tudo para se encontrar com o seu homólogo Angolano em Bissau, no
sentido do estreitamento das relações entre os dois países. A cimeira teve um
êxito assinalável. Agostinho Neto não esqueceu quem governava em Portugal e
enviou uma mensagem ao Dr. António Macedo, Presidente do Partido Socialista, na
qual afirmava que, no momento em que assinou os acordos com o Chefe de Estado
português, não esqueceu as relações de camaradagem com o seu partido. E
sobretudo a grande amizade entre os dois.
A partir de 1978, Hermínio
Escórcio pôs de pé a Feira da Cultura. Na edição daquele ano queria a presença
de Zeca Afonso, de Portugal e Luís Pastor, de Espanha. Nem um nem outro estavam
disponíveis. Foi para Luanda o galego Bibiano, que tinha acabado de publicar
trovas de protesto nos discos “Fujam os Ventos” e “Alumínio”. Entrei em
contacto com José Afonso, na Alemanha. Quando lhe disse que estava convidado a
participar no maior acontecimento cultural de todos os tempos em Angola, ele
anulou tudo e regressou a Portugal. Os músicos que o acompanhavam continuaram a
digressão na Alemanha e ele não podia ir sozinho. Em menos de 24 horas tinha um
quarteto de luxo: Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Luís Represas e Manuel
Faria, estes integrantes do conjunto Os Trovante. Foi um sucesso.
Todos quiseram mostrar
solidariedade para com um povo ferido pelo golpe de estado militar de 27 de
Maio de 1977. Do Brasil chegaram Martinho da Vila e Clara Nunes que criou este
samba:
Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela meche
O chocalho
Ou o chocalho
É que mexe com ela.
O poeta Sangwangongo Malaquias
também tratou este tema:
Tudo o que temos
cabe neste crepúsculo
em andamento adagio
e na sinfonia do txissanje
que suaviza o som estridente
do Kixixi anunciando morte.
Oremos blasfémias na txianda
sunga ié nguenzo, Weza!
Não te percas na noite do nada
nunca abandones o corpo ao muia
agita o guizo para que seja
ouvido
desde o Cassai ao fim do mundo.
Tudo o que somos
cabe no voo breve da vida
e no beijo de amor
que a memória guarda sem sabor.
Enterremos penas e tristezas
antes do crepúsculo mergulhar
nas águas sagradas do Cassai
e derramar sombras
no caminho do luar:
Sunga ié nguenzo, Weza!
Agita o guizo eternamente
para que mesmo assim perdido
eu nunca te perder, meu
amor!
Zeca Afonso, depois da sua
presença na Feira da Cultura, também homenageou os angolanos no seu disco "Enquanto
Há Força". Um tema dedicado ao MPLA tem, este refrão:
Colonialismo
Não passará!
Imperialismo
Não passará!
Veio da mata
O Homem Novo
Do MPLA
Grandes artistas e intelectuais
de todo o mundo mostraram aos angolanos e ao seu líder, Agostinho Neto, a sua
solidariedade por terem sido vítimas de um golpe de estado militar sangrento
durante o qual foi decapitado o alto comando das FAPLA, que se batiam no
terreno contra os invasores estrangeiros, sobretudo os nazis e racistas do
regime da África do Sul. Ao fim de 43 anos, o Presidente João Lourenço e o seu
ministro da Justiça e dos Direiitos Humanos querem julgar os angolanos que
enfrentaram vitoriosamente os golpistas. Sunga ié nguenzo, Weza! Sunga ié
nguenzo, Weza!
Para uma melhor compreensão da
exposição (alguns fundamentos de Martinho Júnior):
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_30.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – IV – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_8.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – V – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_14.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – VI – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – VII – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/06/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – VIII – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/07/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – IX – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/10/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades
ainda não ultrapassadas – X – http://paginaglobal.blogspot.com/2018/12/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/07/pistas-e-traumas-do-longo-choque.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/07/pistas-e-traumas-do-longo-choque_29.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/08/pistas-e-traumas-do-longo-choque.html
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