quinta-feira, 7 de julho de 2022

Angola | A GRANDE LUANDA JÁ FOI LUANDINHA -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A forma mais abjecta de manipular a opinião pública é ir buscar factos e acontecimentos ao passado e apresentá-los como se estivessem a acontecer na actualidade. Este comportamento é a todos os títulos condenável. O crime é ainda mais grave quando são estruturas do Estado ou jornalistas que enganam, mentem, manipulam e distorcem. Ontem corrigi mentiras graves propaladas pela TPA e omissões gravíssimas. As minhas correcções chegaram a quem tem poder para exigir que a verdade dos factos seja resposta. Nada aconteceu. Porque hoje a TPA repetiu novamente as mentiras e as manipulações. 

Luanda, em Maio de 1977 era uma cidade com défice de população. Entre o 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975, mais de metade dos habitantes partiram para Portugal e outros países estrangeiros, sobretudo Rodésia (Zimbabwe) e África do Sul. Os angolanos do Norte que residiam na capital foram aconselhados pela FNLA a regressarem às suas terras de origem. A UNITA fez o mesmo em relação à população oriunda do Planalto Central e do Sul de Angola. Se no 27 de Maio de 1977 tivessem morrido 30, 40, 50, 100 mil pessoas, Luanda ficava vazia.

Os portugueses que deixaram Luanda, sabemos hoje, foram mais de 270 mil. Angolanos do Norte, Centro e Sul que foram forçados a regressar às suas terras de origem, sob as ameaças da guerra feitas pela UNITA e a FNLA, foram mais de 150 mil. Como a cidade tinha 475.328 habitantes, segundo o Censo de 1970, no momento da Independência Nacional a capital tinha pouco mais do que 50 mil habitantes, já contado com os refugiados do Norte, Centro e Sul de Angola e que se abrigavam em Luanda. Interessa saber que Angola, no momento da Independência Nacional tinha menos de 5,5 milhões de habitantes. Só Luanda, hoje tem praticamente o dobro!

Este era o panorama demográfico em Maio de 1977. E como era a cidade? Eu explico aos que não a conheceram nessa época ou já não se lembram. Na direcção Sul, Luanda acabava na Samba, junto ao ancoradouro do Mussulo. Daí para a frente não existiam bairros ou outra qualquer estrutura habitacional. As autoridades coloniais reprimiam violentamente quem erguesse casas precárias na orla marítima. 

Em terra era impossível. Todos os terrenos até à Barra do Cuanza pertenciam à empresa Gomes & Irmão, propriedade rigorosamente privada. Os terrenos onde nasceu o condomínio Futungo de Belas foram negociados pelo governador Rebocho Vaz. As casas pertenciam às elites coloniais, médicos, engenheiros, empresários milionários. Já não era o colono analfabeto ou perto disso. Até ao Farol das Palmeirinhas, todas as praias eram vigiadas. Daí para a frente não existia população.

Luanda acabava na Base Aérea Militar. Da Rotunda do Aeroporto foi rasgada uma rua até à porta de armas das instalações militares e daí para a frente, já eram as terras da empresa Gomes & Irmão. Cajueiros, imbondeiros e muito pasto. As mulolas existiam por toda a parte. A empresa abastecia Luanda de carne bovina e de pequenos ruminantes. A concorrência começou em 1968, quando a cooperativa de criadores de gado do Planalto de Camabatela entrou no mercado. A carne produzida nas imensas pastagens do sul não chegava a Luanda. Grandes distâncias. A única via que existia era precisamente a Estrada da Barra do Cuanza.

Para Norte a situação era um pouco melhor. Existiam, comunidades e bairros até à refinaria da Petrangol. Daí para a frente nada. Logo a seguir ao Sambizanga, direcção Cacuaco, era a lixeira de Luanda, a céu aberto. Devido ao mau cheiro, os técnicos dos serviços camarários começaram a queimar o lixo. O vento que soprava do mar levava a fuligem para os cajus madurinhos que em vez de vermelhos ficavam negros. A Estrada de Catete era povoada até à “cidade satélite” de Viana, Depois existiam pequenas comunidades de camponeses e nada mais. Esta era a nossa cidade em Maio de 1977. Pouca gente e muito espaço vazio.

Os rostos e vítimas do 27 de Maio de 1977 mataram os comandantes do Estado-Maior General das FAPLA e atiraram-nos para a lixeira. O melhor das nossas elites políticas e militares, baleadas, estripadas, queimadas e lançadas ao lixo. Não, não era um baldio. Não, não era o mercado Roque Santeiro. Baldio nunca foi. Lixeira existiu até nascer o mercado. As vítimas mataram, queimaram e despacharam os nossos comandantes para o lixo. Por isso são vítimas. Por isso se fazem procissões fúnebres a uma vala nos Ramiros. E por isso essa vala, segundo a senhora governadora provincial, faz parte da História e da Cultura de Luanda.

No Sambizanga, pertinho da lixeira onde as vítimas do 27 de Maio e os seus rostos despejaram os comandantes que assassinaram, existia o Campo da Revolução. Era ali que os tribunais populares revolucionários executavam quem era condenado a fuzilamento. Alguns mercenários foram lá fuzilados, depois de condenados no Tribunal Internacional de Luanda. Hoje chama-se campo Mário Santiago.

Por aqui me fico. Para aliviar o luto, conto-vos este episódio muito verídico. Leiam:

Marc Faber é norte-americano, analista de investimentos e empresário. Quando o Governo Bush estudava lançar um projeto de ajuda à economia americana, Marc Faber fez este comentário bem-humorado:

O Governo Federal está concedendo a cada um de nós uma bolsa de U$ 600,00. Se gastarmos esse dinheiro no supermercado Walt-Mart, esse dinheiro vai para a China. Se gastarmos com gasolina, vai para os árabes. Se comprarmos um computador, vai para a Índia. Se comprarmos frutas e vegetais, vai para o México, Honduras e Guatemala. Se comprarmos um bom carro vai para a Alemanha ou Japão. Se comprarmos bugigangas vai para Taiwan.

Nenhum centavo desse dinheiro ajudará a economia americana. O único meio de manter esse dinheiro na América é gastá-lo com prostitutas e cerveja, considerando que são os únicos bens ainda produzidos por aqui.
Estou fazendo a minha parte...
Marc Faber

Resposta de um brasileiro:

Realmente a situação dos norte-americanos parece cada vez pior. Lamento informar que, depois desse seu e-mail, a Budweiser foi comprada pela brasileira AmBev, portanto, restam apenas as prostitutas. Mas se elas repassarem parte da verba para seus filhos, o dinheiro virá para Brasília, onde existe a maior concentração de filhos da puta do mundo...

Comentário de um angolano ressabiado:

Se o Governo Biden estiver atento, abre uma linha de negócio altamente lucrativa e que está a ser um sucesso em Angola. Venda de ossadas. Podem começar por comercializar os ossos dos mortos da guerra civil. Dos “States” só saem os dez por cento da ordem, a pagar em comissões ao ministro da Injustiça e dos Atentados aos Direitos Humanos. Ficam todos a ganhar.

Comentário do Tio Célito:

Façam como eu, ganho fortunas a vender fotos e beijinhos por esse mundo além, do Minho a Timor. Os lucros ficam em casa.

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana