quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

ENTÃO A EUROPA TAMBÉM É CORRUPTA?

Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

As suspeitas de corrupção que atingem o Parlamento Europeu e levaram a justiça belga a propor uma prisão preventiva para uma vice-presidente da instituição, a grega Eva Kaili, suscitam-me, para já, muitas mais perguntas do que propriamente conclusões.

A investigação, que levou à descoberta de pacotes de dinheiro escondido em casas de vários políticos europeus, no valor 1 milhão e 500 mil euros, suspeita, diz a imprensa, que o governo do Qatar subornou essas pessoas em troca de "favores políticos".

Ora a primeira pergunta que me veio à cabeça, e para a qual não vi resposta em lado algum, é esta: de que "favores" estamos a falar?

Era apenas a aprovação, que estava em marcha e agora foi suspensa, de entrada na União Europeia de qatarenses com passaporte, sem necessidade da formalidade dos vistos? Foi alguma coisa relacionada com o Mundial de Futebol? Com as moções e tomadas de posição sobre Direitos Humanos e de trabalhadores no Qatar? Sobre a aprovação de projetos que, de alguma forma, beneficiassem o governo e as empresas do Qatar?

Mas não é a Comissão Europeia e o Conselho Europeu que têm verdadeiro poder de decisão nas coisas importantes? Por exemplo, na atribuição de fundos comunitários? Nas aberturas de concursos e definição das suas regras? Nas compras em bloco de materiais para toda a Europa, como aconteceu com as vacinas durante a pandemia? Nas decisões sobre energia? Na definição de sanções de guerra?

O Parlamento Europeu tem assim tanta influência no poder executivo da União que justifique o investimento em subornos de tão elevadas quantias para tão poucas pessoas?

O que vai ao Parlamento Europeu com eventual importância para países como o Qatar não é, na essência, uma sufragação do que a Comissão e o Conselho propõem? Não há mesmo ninguém da Comissão Europeia ou com ligações funcionais a ela suspeito de ter sido subornado?

Como é que a meia dúzia de deputados e assessores do Parlamento Europeu, que a justiça belga identificou como suspeitos, conseguem influenciar todos os 705 eurodeputados e, eventualmente, a Comissão Europeia, em decisões importantes que justifiquem estes subornos? O que é que eles fazem para convencer tanta gente?

Qual é a diferença do comportamento corruptor do Qatar, se for verdadeiro, do comportamento dos lóbis que vários eurodeputados de vários países disseram, nos últimos dias, estarem há muitos anos a trabalhar em Bruxelas para favorecer os seus interesses? E, mais uma vez, que tipo de interesses estamos a falar que leva estes lobistas a atuarem à vista e com complacência de toda a gente?

Porque é que foi a polícia belga a investigar os eurodeputados e a Procuradoria Europeia esteve afastada das fases iniciais da investigação? Para que é que, afinal, serve esta Procuradoria?

Porque é que na União Europeia não foram tomadas medidas de prevenção contra este tipo de subornos, depois de terem sido relatados vários casos noutras instituições e em vários países?

Porque é que foram ignoradas múltiplas reportagens sobre o assunto, publicadas em vários órgãos de comunicação social europeus, desde há vários anos?

Porque é que não se deu relevância aos três livros dos jornalistas Georges Malbrunot e Christian Chesnot, publicados entre 2013 e 2019? Livros que até descrevem uma tabela de pagamentos em "prendas" supostamente seguida pelos catarenses na sua acção diplomática na Europa - um ministro, por exemplo, vale um relógio Patek Philippe de 85 mil euros...

Mesmo quando o atual ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, contou como lidou, quando era ministro da Agricultura, com um "presente" destes, não soou o alarme a ninguém da União Europeia?

Não há outros países a fazerem o mesmo, ou só o Qatar é que teve tal ideia?

E, por outro lado, temos a certeza de que não há manipulação política nesta investigação? Porque é que ela foi aberta apenas em julho de 2022 e as suas detenções e impacto mediático surgem agora, em pleno Mundial de Futebol, que o Qatar conseguiu obter em 2010, para desespero do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, o líder de uma candidatura rival dos Estados Unidos, que acabou por a perder, contra todas as expectativas? A vingança serve-se fria? A exponenciação das acusações de exploração desumana dos trabalhadores pelo Qatar, que agora se faz, depois de 12 anos de indiferença, tem alguma coisa a ver com isso?

E, finalmente, ainda uma outra pergunta: afinal as instituições multinacionais europeias são tão corruptas como as instituições nacionais? Ou são ainda mais sujeitas a corromperem-se porque lidam com mais dinheiro, têm mais poder e são menos fiscalizadas e escrutinadas pela opinião pública?

Jornalista

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