São cerca de seis mil as
organizações internacionais registadas e acreditadas como lobistas na União
Europeia (UE). Entre elas, 62 têm sede em Portugal, correspondendo a 2% do
total de entradas no Registo de Transparência, uma base de dados online onde as
organizações que tentam ter impacto nas instituições da UE se encontram
registadas.
Eurodeputada grega está no centro
de uma investigação de corrupção envolvendo o Catar. Agora, o bloco discute
aumentar o controle sobre o lobby. As instituições políticas da União Europeia
(UE) estão em crise devido a um escândalo de corrupção envolvendo o Parlamento
Europeu.
A ex-vice-presidente do
Parlamento Europeu Eva Kaili, de origem grega, é uma das quatro pessoas detidas
e acusadas pelos promotores belgas de “participação em organização criminosa,
lavagem de dinheiro e corrupção”.
A socialista – que já foi expulsa
de seu partido político e destituída de uma das 14 vice-presidências do
Parlamento Europeu – está envolvida num caso de corrupção relacionado com
subornos do Catar para influenciar as decisões do Parlamento Europeu relativas
à celebração do Mundial de futebol naquele país.
Os supostos vínculos entre Kaili
e o Catar estariam em discursos elogiosos sobre o Estado do Golfo no Parlamento
Europeu, votos a favor em casos relacionados ao Catar em comitês nos quais ela
não tinha assento e presença em vários eventos não registrados no país.
Em uma declaração publicada na
internet, a Missão do Catar na União Europeia chamou as alegações de
“infundadas e gravemente desinformadas”.
Embora os detalhes oficiais sobre
o escopo e a profundidade da investigação policial na Bélgica permaneçam
escassos, as atividades dos membros do Parlamento Europeu e de outros órgãos da
União Europeia serão agora alvo de um maior controle.
Especialistas sobre UE questionam
também se as medidas anticorrupção já existentes no bloco são suficientes.
“Quando há uma formulação de
políticas altamente complexa e consolidada como na UE, ela se torna pouco
transparente e, então, fica mais fácil comprar influência”, disse Jacob
Kirkegaard, do German Marshall Fund, em entrevista à DW. “Você pode comprar um
vice-presidente do Parlamento Europeu por 600 mil euros! Eles são realmente tão
baratos assim?”
“Esta [Eva Kaili] é claramente
uma mulher que não tinha medo de ser apanhada. Isso indica que quaisquer
medidas e processos do Parlamento Europeu não têm efeito de dissuasão”, disse
Kirkegaard. “Mesmo pessoas estúpidas, se tivessem medo, não fariam o mesmo.”
Medidas para maior transparência
Mas quais medidas estão em vigor
na UE? O bloco possui um banco de dados no qual ONGs, grupos de lobistas,
consultores, instituições de caridade e outras organizações que queiram
influenciar a legislação devem se registrar.
Todos os listados no Registro de
Transparência são obrigados a declarar seus orçamentos e quaisquer doações
acima de 10 mil euros para ONGs.
A ONG Fighting Impunity, que está
no centro do atual escândalo de corrupção, não está no registro.
Seu presidente, o ex-eurodeputado
italiano Pier Antonio Panzeri, também foi preso. E o companheiro de Eva Kaili,
Francesco Giorgi, também trabalha na ONG. Além disso, a Fighting Impunity
compartilha um escritório com a organização italiana sem fins lucrativos No
Peace Without Justice, cujo diretor também foi detido neste caso.
“Devido às brechas no sistema,
isso estava prestes a acontecer”, afirmou Paul Varakas, presidente da Sociedade
de Profissionais de Assuntos Europeus (SEAP), que ajuda lobistas a se
inscreverem no Registro de Transparência, em entrevista à DW.
Em 2021, o Parlamento Europeu se
recusou a aplicar o princípio da “condicionalidade estrita” anexado ao Registro
de Transparência – o que os teria forçado a se reunir apenas com lobistas
registrados.
Altos funcionários da Comissão
Europeia, o braço executivo da UE, já são obrigados a cumprir esse princípio e
só podem se reunir com lobistas listados no registro.
Mas os eurodeputados argumentaram
que isso infringiria sua “liberdade de mandato” e rejeitaram, assim, as medidas
para forçá-los a revelar todas as suas reuniões.
“É assim que eles [a ONG Fighting
Impunity] estavam fazendo”, disse Varakas. “Você tinha uma ONG influenciando a
tomada de decisões sem ter a obrigação de divulgar nada. Eles foram convidados
por um eurodeputado que não precisava declarar [a participação, por exemplo, em
encontros]. Foi simples para eles.”
A SEAP e outras organizações
afirmam agora que, embora o registro obrigatório – e os requisitos de
divulgação associados a ele – possa ser penoso para atores menores, como ONGs,
a pressão sobre o Parlamento Europeu para se alinhar ao “princípio da
condicionalidade” será imensa.
Após o escândalo, a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reiterou o pedido de criação de um
órgão de ética que supervisionasse todas as instituições da UE.
“Temos internamente um [órgão de
supervisão] na Comissão Europeia com regras muito claras, e acho que é hora de
discutirmos como poderíamos estabelecer isso para todas as instituições da UE”,
disse Ursula von der Leyen numa coletiva de imprensa em Bruxelas, na
segunda-feira (12/12).
Imunidade de eurodeputados
Os eurodeputados também gozam de
imunidade diplomática para realizar seu trabalho político sem receio de serem
processados.
De acordo com o Protocolo sobre
Privilégios e Imunidades da UE, eles não podem “estar sujeitos a qualquer forma
de investigação, detenção ou procedimentos legais em relação às opiniões ou
votos expressos por eles no exercício de suas funções”.
A imunidade não é válida, porém,
“quando um eurodeputado for apanhado em caso de flagrante delito, e isso não
pode impedir o Parlamento Europeu de exercer seu direito de revogar a imunidade
de um dos seus membros”.
Se necessário, os eurodeputados
têm o direito de pedir que a sua imunidade seja respeitada, mas o gabinete de
imprensa do Parlamento Europeu disse que nenhum pedido dessa natureza foi feito
por Eva Kaili.
Os juízes de acusação na Bélgica
também não pediram o levantamento da imunidade.
“Se não houver pedido de
revogação da imunidade, isso sugere que o juiz concluiu que os critérios foram
atendidos para que a imunidade não seja mais aplicada”, disse o porta-voz do
Parlamento Europeu, Jaume Duch, em Estrasburgo.
No passado, pedidos de imunidade
foram feitos em relação a pedidos de extradição. Mas como os crimes envolvendo
Eva Kaili foram supostamente cometidos na Bélgica, a extradição não se
aplicaria neste caso.
Isto é Dinheiro