sábado, 15 de abril de 2023

Portugal | ENTRETENIMENTO TAP

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

À semelhança do anedótico "você decide" para a localização do novo Aeroporto de Lisboa, as comissões parlamentares começam a ser um desporto nacional, puro entretenimento para deleite dos espectadores que prescindem das gravações "YouTube vintage" do caso O. J. Simpson ou do recente duelo Johnny Depp vs. Amber Heard, para criar enredos sobre as manigâncias de Christine Ourmières-Widener vs. Hugo Mendes ou de Manuel Beja vs. Pedro Nuno Santos.

São os anos recentes de má gestão e de intrusão do poder político que desfilam perante os nossos olhos, deixando adivinhar tudo o que não se sabe ou contou sobre anteriores administrações e anteriores decisões contraditórias, inexplicáveis ou nebulosas. Há muita gente a mentir, a omitir e a arrastar a verdade até ao limite do último momento em que tudo se sabe. Estranhamente, numa época de escrutínio e investigação, às vezes sensacionalista e até persecutória, há responsáveis políticos que se acham capazes de esticar o fio da verdade até ao limite em que não há verdade nenhuma, apenas uma inteira e aparatosa mentira.

O fio de prumo das relações entre a administração da TAP e o poder político não é vertical. Dormem no mesmo quarto, mas em camas separadas. Comunicam para lá do diálogo. Dão ordens, criam e geram pressões. Digladiam-se, depois, em praça pública. As opiniões de Hugo Mendes, ex-secretário de Estado, sobre o lado de anjo e diabo de Marcelo Rebelo de Sousa para a "ainda-ex-CEO" da TAP são a prova dos laços de afinidade informal que não são suportáveis entre o Estado e a companhia aérea. António Costa classifica (e bem) a situação como grave. Porém, não são só os últimos desenvolvimentos: este dossier está habitado pelo que ainda não se sabe, nomeadamente sobre o pagamento de assessorias e empresas de consultadoria desde o tempo de David Neeleman.

É tempo de agradecer a Alexandra Reis e aos 500 mil euros de indemnização, nem uma ínfima parte do palco para as jornadas da companhia aérea que, seguramente, farão cair uma outra choruda indemnização no colo de Christine Ourmières-Widener. A TAP é uma tragédia política para os anais da História da desqualificação da democracia portuguesa, um campo de batalha política em altos voos, um desastre bem terreno, situado no subsolo, nas catacumbas da política, numa empresa gerida por todos e por ninguém, por todos os poderes que não de gestão, habitada pelas piores práticas. A TAP tem, com esta nova administração de Luís Rodrigues, a sua última hipótese para levantar voo, credibilizando-se como companhia de bandeira no seu próprio país.

*Músico e jurista

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