segunda-feira, 16 de outubro de 2023

‘MAMÃ, QUEM SÃO OS MAUS DESTA GUERRA?’

Cartoon: O direito de Israel à autodefesa! -- crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos por Israel em Gaza em nome do direito à legítima defesa! -- Emad Hajjaj, Jordânia | Cartoon Movement

Raquel Moleiro, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia.

Começo por lhe fazer um convite: quarta-feira, às 14h, “Junte-se à Conversa” com Pedro Cordeiro, David Dinis e um convidado especial para falar sobre "A guerra entre Israel e Hamas". Inscreva-se aqui. Esta quinta-feira, às 12h, voltam as “Visitas à redação”. Inscreva-se através do mail producaoclubeexpresso@expresso.impresa.pt.
Agora a atualidade.

O corredor de saída da população de Gaza, rumo ao sul, fechou há 20 horas. A grande ofensiva das forças israelitas em território palestiniano, por terra, ar e mar, pode ter início a qualquer momento. Junto à fronteira está a maior concentração de tropas desde a guerra de 1973. A Força Aérea anunciou “uma abordagem agressiva” no apoio ao Exército. O objetivo é “erradicar” o Hamas, o movimento islamita que no passado dia 7 de outubro lançou um ataque terrorista contra Israel que matou 1400 pessoas e feriu 3500. Cerca de 155 terão sido raptadas, 6 das quais com nacionalidade luso-israelita.

“Os soldados estão prontos para derrotar o monstro sanguinário que se levantou contra nós para nos destruir”, afirmou o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. “Vamos atacá-los em todos sítios, vamos atacar todos os comandantes, todos os dirigentes e destruir infraestruturas. Vamos fazer algo grande e importante que vai mudar a situação durante muito tempo e de forma clara”, acrescentou o chefe das Forças Armadas, Herzi Halevi.

Mas Gaza já não é bem Gaza. Em uma semana, os bombardeamentos ininterruptos de retaliação contra a cidade destruíram bairros inteiros, centenas de prédios desmoronaram-se como casinhas de areia. O último balanço oficial aponta para 2670 vítimas mortais, 9600 feridos e mil desaparecidos debaixo dos escombros, a maioria civis, puxando os limites do legítimo direito à auto-defesa de Israel para a punição de todo um povo. “Até a guerra tem regras”, clama António Guterres, secretário Geral da ONU.

Cerca de um milhão de palestinianos abandonou entretanto a cidade, por uma única via de fuga, 25 quilómetros em linha reta, em fila contínua, de carros, carroças, camiões, animais ou a pé, até Khan Yunis, a segunda maior cidade. Ou 35 km para quem seguiu até Rafah. A vida quase toda deixada para trás, só um bocadinho ínfimo enfiado à pressa em trolleys, malas e sacos de plástico. Mas até aí há bombardeamentos, um camião lotado foi abatido por um rocket, 70 mortos num só alvo, como se o terror caminhasse com eles lado a lado. Não há abrigo certo para a morte, numa prisão a céu aberto do tamanho de Vila Real ou pouco maior que Vila Franca de Xira (369m2).

Muitos destes refugiados acumulam-se agora no extremo da Faixa junto ao Egito, que lhes trava a passagem pela única saída não controlada por Israel. Faltam alojamentos, comida, medicamentos. Há chão e relento, fome e choro. Do outro lado da fronteira, outra fila se forma, mas para entrar, de centenas de camiões de ONG que carregam os bens por que imploram os palestinianos. A ajuda também não tem autorização para seguir caminho, mas durante a madrugada, em Portugal, os Estados Unidos, Israel e o Egito terão concordado com um cessar-fogo nesta zona sul da Faixa de Gaza para permitir a abertura da passagem de Rafah, durante algumas horas, para a entrada do apoio humanitário e a saída de cidadãos estrangeiros, nomeadamente 600 norte-americanos. Estaria marcada para as 9h locais (7h em Portugal) mas até ao momento ainda não terá acontecido.

No centro da cidade de Gaza, nem todos os civis abandonaram a zona de evacuação obrigatória, assim ordenada por Israel “para sua segurança e proteção”, em milhares de panfletos lançados dos céus e mensagens de WhatsApp. Não é possível fechar os hospitais, completamente sobrelotados, alerta a Organização Mundial de Saúde. Entre os internados, 40% são crianças. “As ordens de evacuação são uma sentença de morte para os doentes e os feridos. Os profissionais de saúde vão permanecer ao seu lado”, garantiu o diretor-geral Tedros Adhanom. E nem só o ataque iminente os preocupa. Com o fornecimento energético cortado por Israel, as unidades estão a funcionar com geradores que ficam sem combustível dentro de um dia, alerta a ONU. E sem luz não há oxigénio, cirurgias, monitores. O abastecimento de água, também interrompido, deverá ser restabelecido mas apenas no sul do território.

As equipas das Nações Unidas presentes no terreno classificam a situação de catastrófica. “O espectro da morte paira sobre Gaza. Sem água, comida, energia e sem medicamentos, milhares vão morrer. Pura e simplesmente”, alerta Martin Griffiths, responsável máximo das Nações Unidas para os assuntos humanitários. Os palestinianos correm o sério risco de acabar como vítimas de uma nova “limpeza étnica em massa”, como em 1948, com a criação do Estado de Israel, quando 700 mil foram obrigados a abandonar as suas casas, denuncia a ONU.

E quando o cenário parecia não poder piorar, o Irão, que apoia financeira e militarmente o Hamas, deixa um aviso direto a Israel, antes da grande ofensiva. “Se as agressões sionistas não pararem, as mãos de todas as partes da região estão no gatilho”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amirabdollahian.

O conflito ameaça saltar fronteiras e subir níveis de ameaça com a provável entrada em cena do Hezbollah, outro movimento islamita também financiado pelo Irão, abrindo uma segunda frente de guerra no norte de Israel, na fronteira com o Líbano, de onde, esta semana, já foram lançados ataques mútuos. O perigo é tão real que vai arrancar, em breve, a evacuação de 28 localidades israelitas no raio de dois quilómetros até à raia.

“Mamã, outra guerra?”, insurgia-se esta semana o meu filho de dez anos. “E quem são os maus desta guerra?”, questionou de seguida. Primeiro fiquei muda, depois prometi uma resposta para mais tarde. Há conflitos que são quase impossíveis de traduzir em miúdos.

Desde o ataque a Israel que o Expresso abriu um live, onde pode seguir ao minuto tudo o que se passa na Faixa de Gaza e Médio Oriente. No território, dezenas de jornalistas internacionais arriscam a vida para noticiar os dias da guerra. Pelo menos 12 já morreram, oito ficaram feridos, dois estão desaparecidos.

OUTRAS NOTÍCIAS

Rescaldo. As escolas e os centros de saúde que foram encerrados devido aos incêndios nos concelhos da Calheta e do Porto Moniz, na Madeira, reabrem esta segunda-feira. Todos os fogos estão em fase de rescaldo e vigilância ativa.

Salgado em exame. O ex-banqueiro Ricardo Salgado vai realizar hoje os primeiros exames neuropsicológicos, no contexto da perícia para confirmar o diagnóstico de Alzheimer que foi pedida pela sua defesa no processo EDP. Ainda em outubro, Salgado deverá ser submetido a uma segunda perícia para avaliar em que medida a doença afeta a sua capacidade para enfrentar um tribunal.

Abusos na Igreja. Arranca esta segunda-feira, no tribunal de Viseu, o julgamento do Padre Luis Miguel da Costa, antigo pároco de S. João de Lourosa, acusado de crimes de coação sexual agravada na forma tentada e aliciamento de menores para fins sexuais.

Mais habitação. A redução do cálculo de esforço na contratação de um crédito à habitação ou crédito ao consumo, revista pelo Banco de Portugal, entra hoje em vigor. Este alívio na avaliação da capacidade financeira dos clientes vai facilitar a aquisição de casa. Para quem mora em Lisboa, terminam hoje as candidaturas ao subsídio de arrendamento da autarquia.

Carta online. A partir de hoje vai ser possível renovar a carta de condução através do telemóvel, na aplicação ID.gov. Serviço digital destina-se a condutores até aos 50 anos.

Mau tempo. Catorze dos 18 distritos de Portugal continental vão estar sob aviso amarelo devido às previsões de chuva e vento forte a partir da meia-noite desta segunda-feira. “Trata-se de uma bomba meteorológica, com características de ciclone extratropical. Situar-se-á entre os Açores e o noroeste da Península Ibérica, e trará vento e chuvas intensas, já que a depressão aglutinou uma massa de ar tropical”, explica o IPMA.

Guerra na Ucrânia. Um conflito não pode fazer esquecer o outro. O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, anunciou que um novo pacote de armamento para Israel e para a Ucrânia será “significativamente superior a dois mil milhões de dólares”. Entre hoje e amanhã, o Parlamento Europeu discute (e aprova) o programa ‘Ukraine Facility’, no valor de 50 mil milhões de euros para apoiar a recuperação, reconstrução e modernização do país.

Mudança na Polónia. O partido ultraconservador do Governo (PiS) ganhou as eleições mas nem coligado consegue a maioria. Por outro lado, a oposição de centro-esquerda poderá governar o país, unindo a Coligação Cívica, a Terceira Via e a Esquerda.

100 anos de Disney. A empresa do Mickey, Donald e extensa companhia, completa hoje 100 anos. Na revista do Expresso, Jorge Leitão Ramos traça o perfil do seu criador, Walter Elias Disney Jr., uma personagem de carne e osso, entre o cineasta visionário e o homem conturbado.

Contas fechadas. Nem parece português, jogar uma partida de qualificação para o mundial de futebol com o apuramento garantido. A seleção nacional de futebol joga hoje com a Bósnia, às 19h45, já com os dois pés no Euro-2024. O jogo passa na RTP.

FRASES

“O mundo aguenta [duas guerras]? Aguenta, mas isso significa custos muito elevados, sobretudo para os mais pobres”
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República Portuguesa

“Israel tem todo o direito a defender-se agindo militarmente sobre o Hamas, mas respeitando as populações civis da Palestina”
António Costa, primeiro-ministro de Portugal

“O Hamas não deve apenas ser severamente punido, deve ser destruído”
Bernard-Henri Lévy, filósofo e ensaísta

O QUE ANDO A LER

Este Expresso Curto arrisca-se a ser monotemático, mas a verdade é que o conflito entre Israel e o Hamas tem-me dominado os dias de leitura. Dos jornais e sites informativos portugueses, passando pelos estrangeiros que têm correspondentes na Palestina e na fronteira, ando a saltar de horror em horror.

Tanta coisa que preferia não ter visto, nem lido – porque significava que não tinham acontecido -, como a impressionante troca de mensagens de um grupo de WhatsApp do kibutz Be’eri, durante o ataque do Hamas no dia 7, relatada pela BBC, ou a fuga da jornalista palestiniana Maram Humaid, da AlJazeera, e da sua família de Gaza para Deir el-Balah no sul, para casa do avô, que tinha sido expulso na Nakba – êxodo palestiniano - de 1948. “A história repete-se”.

Mas mais do que o imediatismo desta guerra, é importante perceber a história que nos levou até aqui. E o caminho daqui para a frente. Na revista do Expresso desta semana, a Clara Ferreira Alves, fala sobre o Armagedão, o que se seguirá ao dia 7, dia de Shabbat, aniversário da guerra do Yom Kippur há 50 anos. “A retaliação será brutal, mesmo que seja faseada. Israel está disposto a exterminar a liderança do Hamas, cabeça a cabeça, como fez com os líderes do ataque terrorista de Munique. Mesmo que isso demore anos”, explica.

Deixo também aqui as sugestões de leitura da jornalista do Expresso, Luciana Leiderfarb: 13 livros para entender melhor uma história complexa, de ‘Uma história de Amor e Trevas”, do escritor israelita Amos Oz, a “Palestina, uma biografia. Cem anos de guerra e resistência”, de Rashid Khalidi. “Num conflito de muitas camadas como o israelo-palestiniano, em que o conhecimento do contexto e da história são tão importantes quanto o do presente, há livros que nos ajudam a compreender a eletricidade que perpassa este lugar do planeta há anos, décadas e até séculos”.

Este ‘curto’ fica por aqui. Desejos de uma boa semana, com o Expresso

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