sábado, 13 de abril de 2024

Angola | Sentenças a Comissões de Dez por Cento -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A palavra corrupção é uma espécie de abre-te sésamo para a extrema-direita mundial. Quanto mais é repetida, mais votos. Mais mandatos nos parlamentos, mais eleitores enganados. Hoje demagogia é “combate à corrupção”. Populismo casa com corrupção. Uma união de facto, muito perigosa para os regimes democráticos. Na verdade, todos os partidos, todos os políticos sabem que o sistema capitalista não vive sem corrupção. Mas também todos sabem que esse combustível perdeu força e já lhe custa mover a máquina. 

Em Angola esse artifício da extrema-direita aconteceu ao contrário. O MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta, apresentando aos eleitores um programa progressista, de justiça social. Quando o seu cabeça de lista, João Lourenço, assumiu o cargo de Presidente da República e Titular do Poder Executivo soltou os demónios do populismo e cavalgou a onda do “combate à corrupção”. Atropelou a Constituição da República e soltou a barbárie no seio do Poder Judicial. Não me insultem nem ameacem. Não sou eu que o digo. É o Tribunal Constitucional.

O Decreto Presidencial número 69/21 de 16 de março, que oferece dez por cento de todos os “valores recuperados, no âmbito do regime da perda alargada de bens”, à Procuradoria-Geral da República e aos Tribunais, foi atirado para o lixo pelo Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais as suas normas. O diploma “não preenche as garantias de independência e imparcialidade”.

O plenário dos juízes do Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão número 845/2023 sobre o processo de fiscalização abstrata sucessiva, remetido pela Ordem dos Advogados de Angola (OAA), refere que além da "inconstitucionalidade orgânica e formal" das normas, declara também "inconstitucionalidade material" por violação de artigos da Constituição da República de Angola (CRA). O combate à corrupção de João Lourenço corrompeu gravemente, estraçalhou, violou a Lei Fundamental. Como sempre acontece, os populistas e demagogos mostram, cedo ou tarde, o seu lado ditatorial.

O Decreto Presidencial celerado, inconstitucional, impróprio de uma democracia, é do primeiro trimestre de 2021. Mas o Tribunal Constitucional (TC) só se pronunciou em Outubro de 2023. Quando já não havia nada para “recuperar” e os dez por cento das comissões tinham secado. Foram necessários dois anos e meio para as e os venerandos juízes do TC descobrirem que aquele diploma era um instrumento de corrupção. O poder político corrompeu o Poder Judicial. Comprou com comissões de dez por cento em milhares de milhões, agentes do Ministério Público e magistrados judiciais. Interferiu nas decisões dos Tribunais comprando magistrados e sentenças.

O populismo e a demagogia têm muito peso na sociedade angolana dos nossos dias. Se associarmos a estes malefícios o tribalismo e o racismo, temos o quadro completo. E foi neste ambiente que a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Presidencial número 69/21 de 16 de Março não teve qualquer efeito, além de acabar com as comissões quando já não existiam negócios que as justificassem. A mama tinha acabado. Mas todos os julgamentos efectuados em todas as instâncias, enquanto ele vigorou, tinham que ser anulados. Atirados para o lixo. Nem pensar! Os milhões das comissões já cá cantam nos bolsos e nas contas bancárias. Ninguém vai devolver a massa. O triunfo da corrupção!

Porque não é ladrão nem corrupto quem, ao abrigo das políticas de Estado, quando foi liquidado o regime socialista, beneficiou dos meios de produção e fundos para criar uma burguesia nacional com nervo financeiro. Capacidade para criar riqueza e postos de trabalho. Não foram os beneficiários dessas políticas que abriram os cofres públicos ou os arrombaram. É verdade que alguns torraram o dinheiro e pouco fizeram. Mas esses casos apenas revelam incompetência, impreparação, ignorância. Quem criou grandes grupos económicos e financeiros, proporcionou milhares de postos de trabalho, cumpriu, João Lourenço perseguiu, destruiu, prendeu, escorraçou, “recuperou” os seus activos ao abrigo de um decreto ilegal.

As angolanas e angolanos que lutaram pela Independência Nacional, que se bateram em todas as guerras pela Soberania e Integridade territorial estão perante o maior ataque que alguma vez foi desferido contra Angola e o Povo Angolano. Gostava de saber como se sentem cidadãs e cidadãos angolanos quando são colocados ante a destruição impiedosa de grandes empresas angolanas. O que pensam do regresso ao passado colonialista das prisões arbitrárias e dos exílios. Como encaram esse crime sem nome que é envolverem antigos dirigentes do MPLA em processos judiciários que não têm fim.

Vamos às prisões arbitrárias e aos abusos ditatoriais de João Lourenço. O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Raul Araújo, defende que os arguidos do “Caso 500 milhões” tinham de ver imediatamente repostos os seus direitos após o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) ser enviado ao Tribunal Supremo (TS). Porque o processo foi considerado nulo, morreu. 

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola e juiz jubilado do Tribunal Constitucional foi mais longe. Não existe hipótese de repetição do julgamento. E se os juízes do Tribunal Supremo não cumprirem a decisão do TC, podem ser indiciados por crime de desobediência. 

O Tribunal Supremo foi a primeira instância neste caso. O TC apontou no seu Acórdão falhas muito graves. Essas falhas foram cometidas por magistrados com larga experiência. Por isso, o Professor Catedrático Raúl Araújo defende que “é preciso pensar seriamente no que aconteceu e o que está a acontecer. Nós não podemos aceitar que haja este tipo de falhas no Tribunal Supremo, que está no vértice da jurisdição comum porque, de facto, é preocupante”.

Os arguidos do “Caso dos 500 Milhões”, disse Raul Araújo, devem ser imediatamente libertados: “A partir do momento em que o Tribunal Constitucional toma a decisão, remete para o Tribunal Supremo a fim de tomar as medidas legais no sentido de pôr cobro ao processo”. 

E disse mais: “Ninguém está acima da Constituição, sejam quais forem as razões, seja para defender os bens do Estado ou não.  Em Direito Constitucional e em outros ramos do Direito, os Direitos Fundamentais estão acima da razão do Estado. Não é para defender os bens do Estado que tudo vale, isso são actos de regimes ditatoriais e não de Estados democráticos. Nós queremos ser um Estado democrático, esta decisão do Tribunal Constitucional mostra que estamos no bom caminho”.

Assim seja. O empresário Carlos São Vicente foi vítima das mesmas falhas, arbitrariedades e ilegalidades. Mas como o Tribunal Constitucional apreciou o seu recurso na vigência das comissões de dez por cento, as e os venerandos juízes decidiram ao contrário!

Os advogados do empresário acusaram o Executivo Angolano e o Poder Judicial de desprezarem a ONU ao ignorarem a posição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A prisão do empresário Carlos São Vicente foi arbitrária. Foi violado o direito a um julgamento justo. Conclusão: Se acolherem a decisão da ONU, vão ter de devolver tofos os bens que lhe foram roubados. Descongelar as contas. Devolver os dez por cento de comissões que agentes do Poder Judicial já receberam!

Os advogados François Zimeray e Jessica Finelle, numa declaração pública, lamentaram “o desprezo mostrado pelo Executivo de Angola para com a ONU”. Estão enganados. A maka é do dinheiro, dos prédios, dos hotéis, do Standard Bank. Disseram os advogados na sua declaração: “Está a tornar-se claro que contínua a detenção ilegal de Carlos São Vicente, após três anos e meio, com o objetivo da captura dos seus bens de um modo pejorativo”.

Os advogados lembram que a decisão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a prisão arbitrária de Carlos São Vicente foi divulgada em Novembro do ano passado. Em Fevereiro deste ano o Executivo anunciou que vai vender em hasta pública 39 hotéis dos 84 imóveis confiscados à organização empresarial de Carlos São Vicente.

A turma do Miala já plantou “notícias” nos Media avençados informando que Carlos São Vicente se tem portado bem na cadeia e por isso pode sair mais cedo! Os Direitos Humanos em Angola dependem de torcionários. Golpistas. Invejosos. Gananciosos que querem tudo mas sem trabalhar. Sem criar. Sem edificar. Sem construir. São parasitas protegidos pelo populismo e a demagogia, À pala do combate à corrupção, desde 2017 já fizeram fortunas colossais.

Ninguém está livre de ser colocado na posição de Carlos São Vicente. Ninguém está livre de ver o seu julgamento anulado por graves falhas e inconstitucionalidades mas continuar na cadeia. Ninguém está livre de ficar sem os seus bens para aumentar a fortuna dos populistas e demagogos.  Quando o MPLA era o partido das amplas liberdades, só os bandidos iam para a prisão. Desde que se apagou o facho da Liberdade, até os seus dirigentes e militantes são vítimas de arbitrariedades e violações dos Direitos Humanos. Manda o banditismo político e mediático.

* Jornalista

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