João Carlos | Deutsche Welle (em Fevereiro 2024)
Grupo de trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias apela à libertação imediata de Carlos São Vicente. "É o momento para Angola mostrar que respeita os direitos fundamentais", diz advogada do empresário angolano.
O parecer do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da Organizadas Nações Unidas pede ao Governo de Angola a libertação imediata de Carlos Manuel de São Vicente, preso desde 2020 e condenado em 2022.
Num relatório oficial saído da sua sessão de trabalhos e agora divulgado, o grupo condena a detenção arbitrária do empresário por considerar que viola com gravidade o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos bem como a Convenção Universal dos Direitos Humanos, ambos ratificados por Angola.
O grupo das Nações Unidas, composto por peritos e magistrados independentes, exige que Carlos São Vicente seja libertado, de modo a se adequar a sua situação às normas internacionais e para que se faça uma investigação imparcial sobre as condições em que o julgamento foi conduzido.
Estado de saúde frágil
Em declarações à DW África, Jessica Finelle, umas das advogadas do empresário, disse que Angola deveria tirar todas as consequências do parecer deste grupo de trabalho e proceder à sua libertação.
"Faz três anos e meio que Carlos São Vicente está preso. Há três anos e meio que ele está preso em condições difíceis. Sabendo que o seu estado de saúde é frágil, pensamos que é o momento para Angola mostrar que respeita os direitos fundamentais", afirma a advogada suíça.
"Finalmente, essa decisão terá, para além da Angola, um efeito certo, pois ela será observada de perto por todos os estados que foram o objeto do pedido de ajuda internacional endereçada por Angola, em particular a Suíça e a Singapura", acrescenta a advogada.
"Alegria vai ser quando o meu pai voltar"
A família em Portugal recebeu a notícia com agrado. "Estamos satisfeitos porque este processo está repleto de desinformação e esta decisão da ONU, que levou anos a ser concebida, vem trazer um pouco de clareza ao que se passa e ao que se passou neste processo", disse um dos filhos, o empresário Ivo São Vicente, também afetado pela ação judicial contra o pai.
"Alegria vai ser quando o meu pai voltar para casa, junto da família", acrescentou em declarações à DW.
Os peritos da ONU descrevem no relatório as condições de um processo injustificado e detenção prolongada, bem como a violação do direito a um tribunal independente e imparcial. Apontam também ter havido violação da presunção da inocência, a negação dos direitos de defesa, entre outras violações de tratados e leis internacionais sobre direitos humanos.
Por outro lado, consideram que "todos os pedidos de cooperação judiciária enviados por Angola a países estrangeiros são, portanto, ilegal e não devem ser aplicadas."
Descrédito para o combate à corrupção em Angola
O jurista português Rui Verde considera que a opinião do grupo de trabalho da ONU representa um descrédito para o combate à corrupção em Angola. Defende que isso não implica a imediata libertação de Carlos São Vicente, "uma vez que tal depende dos tribunais e dos órgãos de soberania angolanos", lembra.
"Mas certamente vai obrigar a uma revisão dos procedimentos que estão a ser seguidos nesse combate à corrupção e a uma reforma do poder judicial que já defendemos há muito tempo. Essa reforma é fundamental", sublinha Rui Verde.
O jurista insiste que é necessário Angola rever o plano de combate à corrupção, bem como a atuação das autoridades jurídicas, ambas à luz do direito internanacional.
O especialista em temáticas sobre Angola considera que este é também "um grande sinal vermelho" aos juristas do Governo, "que não responderam a tempo às solicitações deste grupo de trabalho. E, por isso, a derrota angolana também se deve à negligência e/ou incompetência das autoridades jurídicas de Angola."
Condenado a nove anos de prisão
O empresário foi condenado em
março de
São Vicente, proprietário da seguradora AAA, foi acusado de prática de crime de peculato, branqueamento de capital e fraude fiscal, por via de um suposto desvio de 900 milhões de dólares da petrolífera angolana Sonangol.
Neste âmbito, as autoridades judiciais ordenaram a apreensão de bens e contas bancárias pertencentes ao empresário, tendo a Procuradoria-Geral da República de Angola pedido igualmente o congelamento das suas contas bancárias.
Antes da condenação, Carlos São Vicente esteve preso preventivamente desde setembro de 2020.
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