De origem etimológica greco-latina, panteão significa o conjunto de deuses de uma religião politeísta, o templo a eles dedicado ou o edifício onde ficam consagrados os restos mortais ou os cenotáfios das personalidades mais relevantes de um país. O panteão mais famoso do mundo será o de Roma, erguido a mando de Marco Vipsânio Agripa e que influenciou algumas das maiores obras arquitectónicas do Mundo Ocidental e Bizantino, em destaque a sua cúpula.
Em Portugal temos alguns panteões, sendo o mais conhecido a Igreja de Santa Engrácia, dessacralizada da sua essência de culto para se tornar Panteão Nacional.
Hoje, um dos mais ilustres escritores de sempre terá os seus restos mortais transladados para esse local envolto em polémica: Eça de Queirós. A própria família do grande escritor não está em uníssono com esta transladação: uma parte contra, por atentar literalmente às opiniões queirosianas sobre os políticos e suas acções, tão criticadas, escarnecidas, ridicularizadas na maioria da sua obra, enaltecendo o seu amor por Tormes, onde estava até agora sepultado. Outros membros da família não olham à opinião tecida pelo antepassado sobre os jogos políticos de Lisboa, mas ao seu carácter de deus da literatura portuguesa, personalidade maior que ele próprio. Quem terá razão?
Infelizmente, a sociedade portuguesa não se envolveu na polémica, a ocorrer desde há anos, em que o Parlamento venceu para o momento que iremos presenciar hoje. Muito longe estão os tempos de acesa discussão e vivo envolvimento na vida intelectual portuguesa, como foi, por exemplo, o caso dos Painéis de S. Vicente durante parte do século XX. Talvez porque a nossa sociedade viva mais apaticamente estes assuntos.
Devíamos olhar para a forma como, por gerações, a obra queirosiana é apresentada na formação escolar. Já há muito que Os Maias deixaram de ser leitura obrigatória na escolaridade portuguesa. Os professores têm liberdade de escolher entre esta e A Ilustre Casa de Ramires. Desde que se leia uma obra do autor. Num tempo em que o uso da língua portuguesa está tão simplificado, em que ela própria está sob ataque, num facilitismo vocabular assustador - como é visto, diariamente -, qual será a maior homenagem feita a um escritor? Conhecer e debater a sua obra - principalmente a de Eça, que é tão rica, mordaz, cujo vocabulário e forma de expressão têm direito a um adjectivo, ele próprio encerrando um mundo único - queirosiano - ou cingirmo-nos à aparência, à fisicalidade do gesto, ao espectáculo político, e tanto dos elementos que ele próprio criticou?
Poder-se-ia ter aproveitado este momento para uma discussão mais profunda da sua vida e obra. Infelizmente, resumir-se-á apenas à forma, não ao conteúdo. Oportunidade perdida. Que teria dito Eça a respeito?
* Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
* Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.
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