quarta-feira, 19 de março de 2025

DRAMA MILITARISTA NA UNIÃO EUROPEIA

Posta hoje em causa a existência de extraterrestres, e assumido que a humanidade do planeta Terra é a primeira e única no universo, façamos votos para que não seja a última.

António Bernardo Colaço* | AbrilAbril, opinião

A forma inesperada como o recém-eleito Presidente dos EUA, Trump, redefiniu o procedimento político-militar quanto à guerra na Ucrânia, contrariando o procedimento do seu antecessor Joe Biden, gerou uma reacção dos responsáveis da União Europeia (UE). Os meios de comunicação social noticiam que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afectou 800 mil milhões de euros no âmbito do programa «Rearmar Europa», destinado à defesa dos países que compõem a UE, supostamente contra os perigos da Federação Russa (medida que em tese, dada a amplitude de que se reveste, pode fazer diminuir o apoio até agora tributado à Ucrânia). Este montante será composto de duas partes: 650 mil milhões, de contribuições dos países da UE e o restante, proveniente de linha de créditos através do Banco Europeu de Investimentos. A contribuição dos países envolvidos adviria dos seus orçamentos. Nisto, o programa da UE se confunde com o entendimento do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, para quem é a hora da Europa mudar para uma «mentalidade de guerra e estar preparada para um conflito de longo prazo» (Carnegie Europe – Bruxelas em 12.12.2024). Este senhor chega mesmo a sugerir aos cidadãos dos países membros que abdiquem dos benefícios sociais, das pensões e despesas de saúde para reforçar a NATO. Na sua óptica, a Rússia está a preparar uma confrontação de longa duração… ele (Putin) está a esmagar a nossa liberdade e modo de vida. E mais …… deem às nossas indústrias (de defesa) contratos de longa duração que necessitam para rapidamente produzirem mais e melhores capacidades.

Relançando comparativamente o que tem sido a participação da UE e dos EUA face à guerra na Ucrânia, constata-se que esta tem sido grandemente sustentada pelo armamento e apoio financeiro americano, enquanto a UE, aparte uns milhares de milhões de euros e algum meios bélicos, não passou de fraseologia gritante de solidariedade, de aparentes garantias de entrada daquele país no seu seio e de sanções económicas (já ia na 16.ª) aplicadas à Rússia e alimentar que esta constituía também um perigo generalizado à segurança de toda a Europa. A política de Trump veio, porém, alterar os dados do problema, particularmente após o desastroso encontro de Zelensky na Sala Oval.

Tendo como pano de fundo esta guerra, a indisponibilidade dos EUA para ser o maior contribuinte da NATO face às reduzidas quotas dos outros membros e, mais recentemente, para ser o sustentáculo militar da UE, lançou o alarme. Daí a convergência nos posicionamentos da NATO e da UE no sentido de aumentar as contribuições dos orçamentos dos países membros (numa variável de 3 a 5%), visando um acrescido investimento na indústria armamentista agora justificado perante a grande ameaça e perigo da Rússia invadir os Países da Europa! A paranoia estava instalada; reservistas (muitos deles idosos) são chamados para retomar o treino militar (Polónia); há distribuição de panfletos indicando como abrigar em caso de guerra iminente, recomendando o armazenamento caseiro de produtos enlatados (Finlândia, Suécia, Noruega); procede-se à construção ou à reabertura de abrigos antiaéreos (Alemanha). As consequências mais duras desta euforia está por acontecer quando ao nível nacional de cada país os cortes orçamentais afectarem os apoios a cuidados de saúde, de remuneração e de segurança social em geral.

O momento que ainda se vive, as acções que vem sendo praticadas e as frases que se ditam para justificar os projectos que pairam no ar são de molde a suscitar dúvidas sobre a integridade ética, cívica e intelectual dos seus titulares. É sabido que as razões da política e da diplomacia não coincidem necessariamente com o normal raciocínio existencial do cidadão médio. Mas há uma verdade, qual seja a de que tudo o que se faz e se diz deve preencher os parâmetros do entendimento pautado por cânones de necessidade e de razoabilidade. Haverá prova da ameaça Russa relativamente à Europa Ocidental? É sabido que a relação da Ucrânia face à Rússia é muito específica, assaz distinta quando comparada com os demais países da Europa. Ocorreram situações e factos na Ucrânia – como o de perseguições aos cidadãos russos, atos de vandalismo contra símbolos e monumentos russos, ameaças bélicas da NATO na fronteira da federação Russa, enfim um conjunto de acontecimentos algo provocadores, que não justificam, mas explicam a reação por parte da Federação Russa. Contudo, do sucedido e dos acontecimentos que se lhe seguiram nada indicada nem augura qualquer inicial hostilidade aos países da UE ou aos que situam na sua vizinhança. 

O que se seguiu – «ação militar especial» na versão russa, ou, «invasão russa» tal como é entendido na generalidade, e que começou pelas duas autoproclamadas Repúblicas de habitantes de origem russa em território ucraniano, é um facto político, tal como o é na atualidade a faixa territorial deste país militarmente ocupada pela Federação Russa. 

Porém, uma corrida armamentista no âmbito da UE e da NATO é uma evidência. Sem pôr em causa o imperativo de defesa militar que se impõe a qualquer país ou conjunto de países como a UE, particularmente numa altura em que os ânimos estão inflamados, a questão que se debate é apenas a de indagar até que ponto esse entendimento merece ser assumido, já que estamos na segunda metade da terceira década do séc. XXI. Para fazer uma ideia dos gastos militares em questão basta saber por ex: que um míssil – cruzeiro Tomahawk, fabricado pela empresa Mcdonnell – Douglas custa à volta de um milhão de dólares e um drone, entre 20 000 a 170 000 mil dólares, consoante as empresas e a origem de fabrico – Ucrania, (Skyeton; Ukrspecsystems), Chinesa (DJI; Aerospace Times Feihomg Technology Corp; Zenadrone) ou iraniana (Shahed). 

Aqui chegados, afigura-se-nos suscitar uma questão de grande melindre – qual seja a de indagar até que ponto a preparação militar, decorrente de meras suposições de perigos futuros é de molde a condicionar a existência das populações nos mais variados aspetos, nomeadamente abdicando dos seus direitos da vivência quotidiana. A preparação militar insere-se na atividade de qualquer Estado, enquadrando-se nas apropriadas previsões orçamentais sem pôr em causa o «dia a dia» do cidadão médio ou a dinâmica económica do país. Outra seria a situação em caso de um conflito bélico efetivo, altura em que se alteram os valores de sobrevivência e de solidariedade nacionais.

Não vale a pena fazer futurologia, mas há dados que apontam no sentido de turbulências à espreita. Há armas na terra, mar e ar. O drone, o míssil, o nuclear e a inteligência artificial (IA) já substituem o mortal soldado. O homo homini lupus é substituído pelo deus ex machina. A humanidade é atualmente um todo, e há que dar tudo por tudo, para que o seja no futuro. Qualquer desentendimento é sempre negociável, já que o ser humano é suposto ser um ente inteligente e amante da vida. Mais do que aumentar o armamento, há que aguçar o entendimento e aprofundar a capacidade do diálogo. A paz pela força das armas é sempre uma «pax romana», sempre condicionada pela arma, é o mesmo que dizer, insegura e contingente, pela latência do uso da força. Eis porque os projetos da NATO e de «rearmar a Europa» nos moldes em que são projetados, sendo pouco promissores, podem comportar a semente de uma maior beligerância. 

Posta hoje em causa a existência de extraterrestres, e assumido que a humanidade do planeta Terra é a primeira e única no universo, façamos votos para que não seja a última.

*António Bernardo Colaço, juiz conselheiro do STJ (jubilado)

O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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