O PAÍS (Angola)
ALVES DA ROCHA EM ENTREVISTA
1.- Quem deve efectuar o recrutamento de assessores e consultores que cada vez mais estão presentes em empresas e organismos públicos angolanos?
Os recrutamentos devem obedecer à lei existente sobre a angolanização das instituições públicas e privadas. Respeitado esse quadro jurídico, as empresas privadas e os organismos do Estado são livres em contratar quem quiserem. Mas custa, realmente, a acreditar, dada a quantidade de expatriados, que as universidades e outras instituições de ensino médio, cada vez em maior número, sejam todas incapazes e afinal incompetentes para “produzirem” licenciados capazes de exercer funções privadas e públicas com eficiência. Não se tem a dimensão exacta da quantidade de expatriados, residentes e cíclicos, trazidos pelas empresas estrangeiras de consultoria, por exemplo. Uma aproximação pode ser feita através da população imigrada de Portugal (fala-se em 100000 residentes), do Brasil (cerca de 30000) e da China (em redor de 70000). Se os técnicos, consultores e trabalhadores em geral representarem 70% deste volume global far-se-á uma ideia da quantidade de postos de trabalho que podiam ser ocupados por nacionais. Porque a maior parte desta cooperação estrangeira é de substituição, sendo a vertente formação e transmissão de know-how reduzida. Seguramente que Angola tem de ser um país aberto e receptivo à cooperação externa, mas têm de ser cooperações que lhe tragam valor acrescentado e não que promovam saída de divisas. Ou seja, o nosso país não pode funcionar apenas como importador de desemprego existente noutros países. Já temos desemprego que sobra.
2.- Se aquela informação for verdadeira, isso significa que o país está a desperdiçar dinheiro?
Não li a entrevista onde essa afirmação foi revelada e igualmente desconheço em que bases estatísticas fundamentou. E não sei se a correcção do tiro deveria ser apenas feita quanto ao perfil desses expatriados. Estou em crer que muitos deles para além dum perfil desajustado, não apresentam capacidades e habilidades que justifiquem os salários que o país paga. Angola é neste momento um país-oportunidade, demandado por pessoas que querem colaborar com a reconstrução nacional, mas também por oportunistas, que acham que bastam meia dúzia de anos para ficarem ricos. Desajustamento do perfil ou incompetência desses expatriados, tendo reflexos no valor acrescentado por eles produzido e absorvido pelo país, são prejudiciais a Angola. Eu creio que o perfil errado de que falava o entrevistado, também se deve ao facto de se pensar que para Angola qualquer coisa serve, atendendo ao estádio de início de crescimento e de reajustamentos macroeconómicos.
3.- Como fazer para que a vinda destes quadros se transforme em investimento com ganhos rápidos e duradouros para o país?
O primeiro e grande passo é valorizar o capital humano nacional. É qualificar as universidades e os institutos médios. É aumentar o número de mestrados e doutoramentos. É reforçar as bases técnicas e logísticas das instituições de ensino. É mudar a cultura de preferência pelo estrangeiro, quer nas empresas privadas, quer nas instituições do Estado. É consciencializar as pessoas de que o desenvolvimento tem de ser, sobretudo, endógeno, com aumento da capacidade interna de absorção. O recurso a capital humano estrangeiro tem de ser supletivo. A não ser que esses recursos humanos se estabeleçam no país. Foi assim e, em certa medida, ainda é que os Estados Unidos, a França, o Brasil e outros países forjaram o seu melting pot que se revelou extraordinário para o seu desenvolvimento.
4.- Quais os riscos do “domínio” que aparentemente têm estes quadros em sectores chaves como defesa, segurança alimentar, desenvolvimento tecnológico?
Isso é já evidente em muitas instituições. Há cerca de dois anos atrás participei num fórum empresarial organizado por uma associação de empresas estrangeiras que trabalham em Angola sobre as relações comerciais e económicas entre Angola e esse país. E fiquei surpreendido com a afirmação do respectivo embaixador, ao declarar que não havia nenhum Ministério angolano que não tivesse pelo menos um nacional desse país aí a trabalhar. Evidentemente que este quadro reforça a eventualidade de se adoptarem modelos, estratégias e políticas muitas vezes afastadas da nossa realidade.
É que não basta conhecer a realidade angolana, para que se proponham as melhores soluções. É fundamental senti-la. E isso só os angolanos conseguem.
5.- O cada vez maior recurso a quadros estrangeiros pode estar na base da fraca aposta na formação de quadros, na pesquisa e na busca da nossa “independência tecnológica”?
Essa é, por vezes, a explicação oficial dada para o recrutamento de força de trabalho estrangeira, incluindo empresas de consultoria. Mas na realidade o que se passa é que não de dão oportunidades aos quadros nacionais, aos centros de estudo nacionais, às universidades angolanas.
As preferências, conforme referi anteriormente, quer do Estado, quer das empresas privadas nacionais vão para a contratação do estrangeiro.
E quando os nacionais são envolvidos, as tarefas acordadas são, no geral, secundárias e sub-alternas, no domínio da recolha de informação e estabelecimento de redes de contactos.
6.- Hoje, muito da comunicação empresarial que chega às redacções dos jornais, por exemplo, é expedida a partir de Lisboa, outra parte vem com escrita brasileira, estamos perante um quadro de afastamento dos quadros angolanos das oportunidades de trabalho?
É evidente que sim. O domínio dos valores estrangeiros na língua, na cultura, nos comportamentos é evidente no dia-a-dia. Por exemplo, os brasileiros não abdicam dos seus hábitos, visíveis na concepção de habitações, na forma de escrita, no tipo de comida, no modo de estar. Sendo Angola um país livre, claro que nada disto deve ser considerado reprovável. Compete-nos fazer a decantação, se tivermos capacidade e cultura para isso. Mas o que eu reprovo é o desinteresse dos estrangeiros em se adaptarem aos nossos costumes. Estão aqui como se estivessem em suas casas.
7.- Muitos dos assessores, ou consultores, vêm inicialmente para um determinado tempo e com uma missão específica (sua área de saber), mas depois de terminado o contrato ou ficam ou vão e voltam enquadrados noutras empresas, muitas delas com áreas de actividades completamente diferentes da inicial, ditará isso o tal perfil errado?
É a principal consequência de a cooperação externa ser de substituição e não de formação e de transmissão de conhecimentos. É também resultado de Angola ser, de momento, o melhor país africano de oportunidades. Prova-se, ganha-se muito dinheiro e claro tem de se voltar.
José Kaliengue - 20 de Maio de 2011
1 comentário:
MINAS DE SALOMÃO.
1 ) É evidente que pemo menos desde o início da década de 90 Angola ficou "aberta" a "jogos africanos", no "bem-dizer" do Jaime Nogueira Pinto.
2 ) Esse "bem-dizer" transferiu-se para os mecanismos do poder, quando o verdadeiro projecto angolano é criar uma casta burguesa com uma base de 100 novos ricos, ao estilo duma nova elite, impregnada pelo capitalismo contemporâneo sob pressão: até no palavreado há sintonia, quanto mais no resto...
3 ) A atracção de mercenários "para Angola e em força" é uma tentação para determinado tipo de direitas: a ligado ao CDS, por exemplo, sente-se perfeitamente em Angola, neste momento; acham que Freitas do Amaral não se revê embevecido com a "liderança" dum aluno com tantos predicados como Carlos Feijó?
4 ) É evidente que esse regresso dos "retornados", inclusive alguns que pertenceram à PIDE, ao ELP, ao FRA e ao ESINA, em nada afecta os 100 novos ricos e de quem os serve, pelo contrário: há muito eles esperavam a mestria de Frank Charles Carlucci para reunir uma família que esteve tantos anos separada!
5 ) De facto Carlucci se foi um dos artífices dos "retornados" na versão de 1975 (circuito Luanda - Lisboa), é agora um dos artífices do sentido contrário: basta constatar a subtil influência do Carlyle Group e de seus multifacetados interesses financeiros em Angola, a começar pela SONANGOL e o BNA.
6 ) O "segredo" contudo não está só no petróleo e nos diamantes, pouco a pouco o "segredo" vai também passando para outras "esferas" minerais, urânio incluído e aí, entenda-se evocam-se "razões de segurança" da hegemonia e de seus sequazes.
7 ) É a "nervos ciáticos" que mais interessam as MINAS DE SALOMÃO e a eles em nada importa a opinião dos angolanos, mesmo daqueles mais esclarecidos tecnicamente.
Martinho Júnior.
Luanda.
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