sábado, 1 de setembro de 2012

25 ANOS DEPOIS! – II

 

Martinho Júnior, Luanda
 
4 – Com a síntese entre os contrários, os frutos estavam maduros para os “jogos africanos” no espaço definido pela lógica capitalista e à mercê do domínio da hegemonia, tirando partido das suas tradições na África do Sul desde a formação da União Sul Africana.
 
Mesmo que o “cartel” dos diamantes aproveitasse dos lucros conseguidos com a “guerra dos diamantes de sangue” que se foi estendendo a toda a África em conexão com as disputas sobre outras riquezas, havia vida para as elites e para o elitismo para lá do fim do socialismo e do regime do”apartheid”, pois para a lógica capitalista ambas as correntes estavam condenadas, até por que acabaram por ter sido colocadas no mesmo pé, com toda a injustiça histórica que isso implica!…
 
A hegemonia fazia os seus cálculos e prevenia-se: o “apartheid” morreria, mas o socialismo tinha que ser neutralizado, pois era importante preveni-lo por ser um risco insuportável para a aristocracia financeira mundial; era uma doutrina essencialmente vocacionada para a paz, mas a paz do império era indissociável da formação de elites concentrando poder “sincronizado” – político, económico e institucional!
 
A síntese havia de propiciar espaço para a paz da “democracia representativa”, o que seria providencial para essa afirmação das elites, uma vez que a lógica capitalista iria fazer, nesses termos, o resto.
 
5 – Se houve alguém que teve a percepção disso foi Jaime Nogueira Pinto, um “cristão democrata” assumido da vida política portuguesa, que na sua juventude foi da FRA, Frente Revolucionária de Angola (de extrema direita “branca”), seguidor e fomentador dessa pista, por que também era pessoalmente interessado nas riquezas do continente, como nos seus ricos (página 27 do seu livro)…
 
Num esclarecedor “instrutivo” relacionado com a projecção de Afonso Dhlakama em Moçambique, escreveu a páginas 211 do seu “compêndio”:
 
… “Fomos desenvolvendo outras acções em seu favor, sempre no sentido de uma maior abertura e respeitabilidade como caminho para a paz. Era aliás o que ouvira e vira praticar a Franz-Joseph Strauss em relação à Alemanha do Leste e ao mundo comunista: abrir-lhes as portas e os créditos para os levar a entrar no jogo. Se o processo fosse bem conduzido acabariam por lhes tomar o gosto”…
 
6 – O “instrutivo” não ficou naturalmente por aí, pelo que a sua aplicação a Angola no momento da síntese é esclarecedor; eis o que escreveu a páginas 524:
 
… “As cartas que íamos pondo na mesa enquanto discorríamos eram iguais às lançadas naquele pequeno almoço no Cosmos com Crocker e Cleary, logo após a morte de Savimbi, mas parte das incógnitas de então estavam já resolvidas: não houvera fragmentação da UNITA, a guerra acabara de vez e José Eduardo dos Santos escolhera a via pragmática de poupar os quadros sobreviventes da UNITA e com isso acelerara a pacificação. Mas ali em Luanda com Kansteiner, Dunlap e Dell, como em Washington com Crocker e Cleary, não resistimos a entrar pelo caminho das memórias e das histórias que faziam a nossa história em África. E naquele tom meio técnico, meio distante, ora empenhado, ora vago com que quase sempre falamos, também por pudor, das coisas importantes, fomos contando as mãos jogadas e as sortes do jogo.
 
Depois, deixámos o Coconuts por entre seguranças, jipes e música, e enquanto seguíamos no cacimbo e na amálgama de luz e som das noites de Luanda, voltei àquela manhã de Washington em que também tínhamos feito as contas do jogo.
 
Despedíramo-nos então à porta do Cosmos, cada um partindo para i seu dia. Eu tinha ido a pé pela Wisconsin e descido pela Connecticut até Downtown, passando pelos escritórios das firmas que representavam os governos do mundo junto das instâncias do Império e onde Santos e Savimbi também tinham os seus lobbies. Mais abaixo, já perto da Casa Branca, pensara nos circuitos de comunicação, guerra e inteligência em que todos nos tínhamos enredado e nas teias que nos tinham prendido às guerras de África – primeiro no romantismo do fim do Império, depois como peões voluntários e independentes do Grande Jogo. À laia de emissários de resis desconhecidos e por vezes sob bandeiras estranhas, fôramos vivendo e tratando com bons e maus, com os Ignosis e os Tualas da Guerra Fria – e circulando entre os átrios dos poderes deste mundo e as periferias instáveis, passando sempre pela casa de partida”…
 
7 – Vinte e cinco anos depois daquela charneira de 1987, a percepção dos acontecimentos de então permite-nos melhor perceber o quadro de então e o actual, dez anos depois do calar das armas.
 
Houve a quem também se abriu “as portas e os créditos para os levar a entrar no jogo”, mas não gostaram, com razões muito fiáveis de quem não esteve disposto a determinado tipo de “jogos africanos”.
 
Houve quem assumisse compromissos assentes em princípios firmes por inteiro com o povo angolano e levasse a sua luta nessa direcção; por ter experimentado essa trilha, só possível como o movimento de libertação, ainda hoje faz disso seu compromisso e trincheira, em relação à qual “crédito” algum poderá demover.
 
Houve quem permanecesse numa outra “barricada”, aquela que alimenta o sentido de vida e por isso não teve ilusões em relação às “barricadas” efémeras do petróleo, ou dos diamantes, nem ilusão em relaçõ aos “jogos africanos” fossem eles de Jaime Nogueira pinto, de George Soros, de Frank Charles Carlucci, ou de qualquer outro com essa matriz ou referência!…
 
Alguns deles foram até os primeiros a experimentar: pelas suas mãos logo em 1976 passaram imensas riquezas do seu país, que foram integralmente creditadas nas contas do seu estado; poderiam ter sido os primeiros ricos, dispostos aos “jogos africanos”, mas souberam não se vender, nem se comprometer!
 
Em 1976 detinham-se e julgavam-se os mercenários que não tiveram tempo de fugir, não se produziam nem se abria as portas a mercenários!
 
É legítima a posição desses justos: não são “pragmáticos” mercenários e os seus compromissos, são compromissos de paz, são-nos com sentido de vida e para toda a vida!
 
Em paz eles acham que humanizar a educação e a saúde são causas de solidariedade e internacionalismo imprescindíveis para se vencer o subdesenvolvimento com amor e as mais saudáveis expectativas em relação ao futuro!
 
A vida, para esse tipo de entidades, não tem preço e necessário se torna salvaguardá-la com todo o respeito que implicam a humanidade e a Mãe Terra!
 
Gravura: - Capa do livro “Jogos Africanos” da autoria do “democrata cristão” Jaime Nogueira Pinto, um dos identificados em relação a alguns sectores das elites angolanas do momento.
 
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