Martinho Júnior,
Luanda
1 – Acaba de
perfazer 90 anos desde que nasceu em Caxicane, Icolo e Bengo, António Agostinho
Neto, a 17 de Setembro de 1922.
A apenas 3 anos do
seu nascimento, a ferro e fogo o capitão Eugénio Ribeiro de Almeida tinha
acabado com a resistência à penetração portuguesa na direcção leste, uma
penetração que só nessa altura dominou a bolsa dos Dembos.
Os Dembos estavam
muito próximos de Icolo e Bengo e o capitão Eugénio Ribeiro de Almeida chegou
mesmo a actuar na região do Zenza.
Na sua meninice e
juventude, António Agostinho Neto ouviu as histórias de sangue de então,
contadas pelos mais velhos ainda meio aterrorizados pelos acontecimentos, numa
altura em que o colonialismo foi mais repressivo que nunca contra os africanos,
por via da manipulação e utilização quantas vezes dos próprios africanos.
Socorro-me dum
historiador para lembrar o fim dessa bolsa resistente, René Pélissier em “História
das campanhas de Angola – resistência e revoltas – 1845 – 1941 – Volume I”!
A páginas 343/344,
no subcapítulo “A ordem nova – A – O anjo exterminador” escreveu ele:
“Esse beco sem
saída iria durar de ano a ano?
Em Luanda, o Chefe
do Estado-Maior, o coronel Genipro da Cunha de Eça da Costa Freitas e Almeida,
que comandara em 1914 no Congo, acabou por descobrir o oficial que iria dar
solução ao problema.
Evitaremos dizer
que foi a solução final dos Dembos, mas gostaríamos de conhecer melhor a
personalidade do capitão Eugénio Ribeiro de Almeida, que ia encarregar-se dessa
tarefa.
Vimo-lo participar na
campanha do Congo em 1914.
Vê-lo-emos no sul
de Angola em 1912.
Parece ter sido um
oficial de um tipo raro em Angola: nem homem das grandes colunas, nem
administrador-cobrador, era um lutador isolado, um liquidatário de submissões.
Com ele, não havia
pieguices.
Fazia a guerra com
Africanos contra Africanos.
Seria ele o grande
coveiro dos Dembos, como já o fora do Congo e a alcunha que lhe puseram,
Kingandu, ou seja, jacaré, entrou no folclore dos Dembos”.
Em rodapé René
Oélisier lembrou o “Boletim Militar das Colónias nº 7, de 10 de Junho de 1921”:
O sanguinário
capitão Eugénio Ribeiro de Almeida “foi recompensado com a Torre e Espada em
Junho de 1921 e a sua folha de serviços mostra-no-lo combatente no Evale
(1912), no Congo (1913-1916), no Golungo Alto e no Ambaca (1917), no Libolo
(1917-1918) e, finalmente, vencedor de pelo menos nove Dembos em 1918-1919”…
2 – Recordo a “pacificação
dos Dembos” à maneira dum exterminador, para lembrar a época em que nasceu
António Agostinho Neto, de quanto as resistências dos povos autóctones,
seguindo uma trilha étnica, foram infrutíferas perante o crescente poderio
colonial tirando sempre partido das divisões entre os africanos, de quanto
sangue houve para que se criassem as condições para o início das plantações de café
que caracterizaram em Angola a geo estratégia fascista e colonial da burguesia
rural portuguesa que se identificaria com António de Oliveira Salazar…
Até um dos mais
retrógrados regimes europeus, um regime à margem da Revolução Industrial,
conseguiu força para, fazendo proliferar divisões étnicas, tribalismo,
fraquezas e vulnerabilidades de toda a ordem nas culturas africanas, assumir o
mando por via das armas e da mais “liquidatária” opressão.
3 – Foi nesse
ambiente que nasceu António Agostinho Neto que, ao longo de toda a sua vida
entendeu as razões causais dessas fraquezas e vulnerabilidades africanas e
aprendeu como poucos, a partir da experiência sangrenta de milhões dos “condenados
da Terra”, parafraseando Franz Fanon, o que se havia de fazer e como se devia
fazer para se vencer a opressão e resgatar um povo que desde a época da
escravatura foi oprimido dentro das fronteiras que foram determinadas pelo
colonialismo e pelos impérios europeus de então.
Com outros
oprimidos e revolucionários, de outras partes do mundo e noutras partes do
mundo, na América, em África e em Angola, António Agostinho Neto, o médico, o
poeta, o homem e o líder, foi-se assumindo na epopeia dos resgates que chegam à
história contemporânea desde a trilha da escravatura, desde a rota dos
escravos, que está na origem das nações africanas e americanas, uma epopeia
que, à medida dos êxitos, revertia também com pleno vigor em prol da construção
da identidade e da soberania nacional!
António Agostinho
Neto e seus seguidores mais tarde do movimento de libertação, do MPLA, só
podiam ter um objectivo único: das próprias fraquezas e vulnerabilidades
resgatar todo o povo angolano e os povos de África da opressão secular que se
distendia desde a escravatura.
Essa é uma história
épica que se agarrou com inquebrantável energia ao sentido da vida, desde logo
por que era também uma luta pela sobrevivência e, identificando-se com o povo
angolano, os povos oprimidos de todo o mundo, começou por se empenhar com
dignidade, perseverança e intrepidez consciente, nos resgates que constituem um
projecto de libertação que não está terminado e urge continuar.
O carácter firme de
António Agostinho Neto e a sua capacidade visionária, são fruto da própria luta
e a identidade nacional é um projecto intrínseco ao moderno movimento de
libertação em Angola, ao MPLA e o MPLA tem a obrigação histórica, ética e moral
de lhe dar continuidade em benefício de todo o povo angolano, incluindo fazendo
com que outras sensibilidades sejam tocadas e se unam, tendo em conta a multiplicidade
de tarefas que isso implica!
O MPLA assumiu-se
assim, passo a passo, como um factor aglutinador, de unidade, de socialismo, um
movimento moderno que anunciava claramente que para se vencer colonialismo, “apartheid”,
as suas respectivas sequelas e o subdesenvolvimento crónico a que os africanos
estavam (e estão ainda) sujeitos, avaliava e dava luta também ao tribalismo, ao
regionalismo, ao racismo, por vezes dentro das suas próprias fileiras, de forma
a projectar-se uma identidade nacional plena de energia, coerente e digna!
Conforme António
Agostinho Neto: “de Cabinda ao Cunene, do mar ao leste, um só povo, uma só
nação”!
Assim tinha que ser
por que havia uma “Civilização ocidental” (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=598:civilizacao-ocidental&catid=45:sagrada-esperanca&Itemid=233):
Latas pregadas em
paus
fixados na terra
fazem a casa
fixados na terra
fazem a casa
Os farrapos
completam
a paisagem íntima
a paisagem íntima
O sol atravessando
as frestas
acorda o seu habitante
acorda o seu habitante
Depois as doze
horas de trabalho escravo
Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra
A velhice vem cedo
Uma esteira nas
noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.
basta para ele morrer
grato
e de fome.
Foto de Martinho
Júnior: “MPLA 55 anos por Angola e pelos angolanos” – Iº Colóquio Internacional
sobre a História do MPLA – intervenção de Joaquim Chissano – 6 de Dezembro de
2011.
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